Cinema: “Top Gun – Maverick” soa cafona, mas funciona e engrandece a importância da experiência na sala de cinema

texto por João Paulo Barreto

Há elementos na construção do cinema de ação que são imunes à passagem do tempo. Da prolífica década de 1980, diversos são os exemplos de obras cujas marcas fixadas na memória afetiva de seus espectadores, quando renovadas em filmes mais recentes, tendem a funcionar de modo preciso nesse resgate de emoções. E não se trata apenas de algo simplório como a nostalgia. Sabemos que ela vende. Mas, aqui, a ideia é frisar um meio de utilizar tais elementos marcantes como meio de se construir novas identidades. Para citar alguns, basta pensar em “Creed” (2016) referenciando os treinamentos de Balboa em “Rocky II” (ok, ainda de 1979); ou mesmo o irregular “Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal” (2008) trazendo a sombra de um Harrison Ford em quase reverência de respeito ao chapéu de seu protagonista quando este resgata a indumentária da sarjeta suja; e, obviamente, vale citar toda uma nova trilogia (e universo) “Star Wars” a emular vários momentos simbólicos de seus filmes clássicos.

Deixando claro, não falo aqui dos comuns casos de falta de originalidade em ideias e tramas, o que, convenhamos, já não é novidade em Hollywood. Ao pontuar tais exemplos, quero abordar a percepção não somente do poder que certas marcas têm em um público já familiarizado com seus elementos dramáticos, mas, também, o desafio de captar a atenção de toda uma nova geração cuja proximidade corriqueira com o entretenimento frenético da ação cinematográfica a torna exigente e mais difícil de se cativar. E foi justamente a percepção desse poder contido na continuação de “Top Gun – Ases Indomáveis” (1986), lançada 36 após seu original, que tornou a sessão de “Maverick” (2022) ainda mais especial. E isso para além do impactante espetáculo visual de suas sequências de ação e da porrada sonora que a obra (quando vista no cinema) possui.

Na trama, o ainda capitão Pete “Maverick” Mitchell (Tom Cruise), agora piloto de testes de aviões supersônicos, precisa retornar à escola de aviação popularmente chamada de “Top Gun” para treinar jovens ases indomáveis (desculpe, não deu pra resistir à autorreferência) em uma missão que vai eliminar o material nuclear de um país anônimo e tão belicoso quanto os Estados Unidos. Curiosamente, mesmo trazendo todo futuro desfecho do longa esmiuçado em simulações do treinamento que são apresentadas de maneira didática para os aviadores e para os espectadores, “Maverick” consegue criar uma expectativa palpável em sua audiência por aquela antecipada conclusão da missão. Claro que o que acontece no seu ato final, com a concretização dos planos, é algo que foge do controle dos aeronautas, com a possibilidade de um roteiro trágico ser colocado na prática. Mas é justamente por essa quebra de expectativa (um tanto previsível, vá lá) que sua estrutura funciona tão bem.

E tal estrutura não iria se equilibrar de maneira tão azeitada se não fosse pela comunhão do apelo emocional para a obra e pelos detalhes técnicos de suas cenas de ação. Com um desenho de som e efeitos sonoros a criar a perfeita impressão de estarmos dentro das cabines dos caças (friso: esqueça o streaming. Assista no cinema!), “Maverick” tem em seus aspectos de áudio um ponto chave para seu impacto. Sem contar a marca já conhecida das produções bancadas pelo astro Cruise, que são notórias por não usar tantos truques digitais de imagens, tornando o fato daquelas sequências serem, em sua quase totalidade, gravadas com caças reais, um ponto de ainda maior atração para seu espectador.

Junto à montagem de Eddie Hamilton, que trabalhou sob a alçada do produtor Tom Cruise nos dois últimos filmes da franquia “Missão: Impossível”, montagem essa que evita as armadilhas fáceis de cortes rápidos e de micro/nano segundos (tão comuns em filmes de ação dirigidos por Michael Bay, por exemplo), essa comunhão de elementos cria uma ação bem mais fluída em suas sequências aéreas que, obviamente, perpassam o filme por completo, amarrando entre si os momentos de drama que o reencontro daqueles personagens clássicos requer.

E ao falar de aspecto emocional, claro, refiro-me à já divulgada participação de Val Kilmer no papel do, agora, almirante Tom “Iceman” Kazansky. Tratando-se à época das filmagens de um câncer na garganta que tomou sua habilidade de falar normalmente e restringindo sua voz a sussurros visivelmente dolorosos, Kilmer traz para sua única cena ao lado de Tom Cruise um dos momentos de maior sensibilidade e exemplo do que chamei de apelo para além da fácil nostalgia. Sejam com palavras escritas através de um teclado de computador que o ajuda a se comunicar, ou aquelas poucas que ele conseguiu falar em uma fraterna brincadeira entre seu personagem, “Ice”, e o Maverick de Tom Cruise, aquele reencontro mais de três décadas depois dos eventos vistos no primeiro filme ajudou a compor um dos mais tenros momentos desta sequência.

Trata-se de um longa que, sim, reúne diversos clichês do gênero “filme de superação militar”, como o alto escalão durão que precisa lidar com competentes subalternos rebeldes (Jon Hamm cumpre bem esse papel aqui), ou a precisa resolução no último segundo quando um dos personagens salva o dia de terminar como algo trágico. Mas, junto aos créditos finais que recriam precisamente o modo como os clássicos oitentistas traziam seus atores principais individualmente, “Top Gun – Maverick”, com sua marcante música incidental composta por Harold Faltermeyer, nos faz perceber como esse tipo de estrutura ainda funciona de maneira que, mesmo soando cafona em alguns momentos, cativa de modo genuíno seus dois públicos: aqueles que cresceram ouvindo “Take My Breath Away”, auge do romantismo meloso do primeiro filme, e aqueles jovens que, em tempo de Marvel Studios, estão interessados em algo bem mais enérgico em termos de ação. Missão cumprida.

OS FILMES DO OSCAR 2023

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual.

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