introdução por Marcelo Costa
Faixa a faixa por St. Aldo
Surgidos de forma despretensiosa na primeira metade dos anos 10, a Aldo The Band lançou “Is Love” (2013), um disco feito “na casa da nossa própria mãe, gravando as vozes no armário”, e se embrenhou na estrada, local em que burilaram seu som com shows intensos e elogiados. Vieram “Giant Flea” (2015), o segundo disco, e a parceria com a gravadora londrina Full Time Hobby, que rendeu o EP “Trembling Eyelids” (2019) e as indicações da faixa título na seleção Single Of The Week da BBC, e do single “Papermaze” (também do EP) sendo tocado como Next Wave Band na BBC Radio 1 (com direito a entrevista!).
Então veio a pandemia, e os irmãos André Faria e Murilo Faria decidiram alugar um loft no Edifício Esther, um clássico da arquitetura paulista fincado no coração do centro da capital, na Praça da República (quase ao lado do edifício em que Caetano morou no final dos anos 60, tendo sido preso e conduzido por integrantes da ditadura militar junto a Gilberto Gil, que morava do outro lado da Avenida São Luiz), levando todos os equipamentos e por lá passando 10 dias morando e compondo as novas faixas do novo álbum, num processo de total imersão. Nascia não só “Esther Building”, o terceiro álbum do duo, mas também uma nova banda, a St. Aldo.
Após o falecimento do Tio Aldo, vítima da Covid-19, que deu origem ao nome da banda, André e Murilo decidiram trocar o nome como uma forma de homenageá-lo, e relançar os primeiros discos como St. Aldo – com a pandemia, a banda cancelou uma turnê na Europa e rompeu com a gravadora londrina Full Time Hobby, que passou por apuros financeiros. “Esther Building” segue na batida de indie eletrônico que marcou os lançamentos anteriores dos irmãos, tendo aqui como influências Boards of Canada, Fat White Family, Underwolrd, post-punk, CAN, Happy Mondays e Flying Lotus, entre outros.
Nos temas das canções, a cidade (e o centro!) de São Paulo são inspirações definitivas, mas há ainda espaço para histórias curiosas como a de “Comet Tail”, que rememora a seita Heaven’s Gate, que pregava que a passagem do cometa Halley iria salvar os fiéis que “pulassem em sua cauda”, e de personagens que marcaram a dupla como o Fofão da Augusta em “Glitterin Stain”, o cachorro Cajú (em “Cashew Tree”) e a amiga de ideias encaracoladas Cida (em “Curly Mind”), não esquecendo dos vereadores corruptos (“Pleasent Man”). Abaixo, André Faria e Murilo Faria comentam “Esther Building” faixa a faixa!
FAIXA A FAIXA
01. Bell Jar – O álbum abre com uma track inspirada literalmente no centro de São Paulo, mais especificamente na Praça da República e mais especificamente ainda na esquina da 7 de Abril com a Gabus Menders, mais especificamente num totem do Olivier Anquier em um Café logo ali ao lado do Edifício Esther. Era um totem em tamanho real do chef convidando os pedestres a entrar no café. Aquele chef francês ao lado de um vendedor de ouro, um estudante, uma prostituta e um executivo do centro ali passando era realmente estranho. Decidimos entrar na cabeça do totem e vimos que ele estava preso ali, naquele centro, naquele papelão, tentando ser o melhor que pode ser, dentro da redoma. Foi uma das últimas músicas que fizemos por ali, depois de todos os dias termos tomado o café do Olivier Anquier para acordar, além de comprado os pães.
Synths, beats e voz: Murilo Faria
Guitarra, baixo e voz: André Faria
Bateria: Daniel Setti
Mixagem: Murilo Faria, Ignácio Sodré
Gravação: Esther Building, Evil Twin Music
02. Cashew Tree – Uma das músicas mais pesadas do disco (sempre curtimos ter pelo menos uma música intensa no conjunto, especialmente para poder tocá-la ao vivo). Foi gravada com um baixo Gibson de 1968, comprado em São Francisco na mesma loja que o Kurt Cobain frequentava. Mura fez os beats com uma base pesada em contraponto aos falsetes do André. Essa é a história real de um cachorro que parou no portão da nossa casa-estúdio em Campos do Jordão (SP) quando estávamos compondo anos atrás. Vimos um cachorro muito parecido andando pela madrugada do centro, voltamos para o flat e resolvemos escrever sobre o Cajú, nosso cão adotado. Não sabemos de onde ele veio, mas na nossa cabeça presumimos que ao invés de nascer de uma cadela, ele caiu do pé de uma árvore no alto de uma montanha e rolou ladeira abaixo até parar no portão da casa. Ele chegou com um poder absurdo de olhar as pessoas no olho, penetrar em suas almas, e conseguir o que quer. E nem sempre quer coisas boas.
Synths, beats, voz e percs: Murilo Faria
Guitarra, baixo, voz e percs: André Faria
Mixagem: Murilo Faria, Ignácio Sodré
Gravação: Esther Building, Evil Twin Music
03. Comet Tail – Criada a partir do sintetizador mais feio já criado (korg prophecy), mas ao mesmo tempo uma arma secreta escondida por muitos produtores, a música retrata uma fixação dos irmãos pela seita religiosa Heavens Gate e seu criador. A track tem uma pegada sombria com uma mistura de sci-fi e punk. Eles acreditavam que iriam para um universo melhor se conseguissem pular na cauda de um cometa que iria passar pela Terra. O lance é que o caminho para entrar na cauda do cometa era se suicidando com um copo de cianureto, de roupa preta e tênis branco. Recentemente saiu um documentário na Netflix sobre a seita surreal, que os irmãos estudaram por anos. A influência aqui é Boards of Canada, Fat White Family, Underwolrd, post-punk, CAN, e uma série de bandas que os irmãos ouviram nesse período.
Synths, beats e voz: Murilo Faria
Guitarra, baixo e voz: André Faria
Mixagem: Murilo Faria, Ignácio Sodré
Gravação: Esther Building, Evil Twin Music
04. Curly Mind – Uma homenagem a uma antiga amiga dos irmãos (chamada Cida), que os apresentou a um lado alternativo do centro de São Paulo na década de 90. Além do cabelo encaracolado e as pernas finas feito bambú, Cida também tinha as ideias encaracoladas (e erradas), se perdendo bastante nos abusos, noite e amigos. Cida tinha um lado musical diferente que também abriu bem a cabeça dos irmãos, especialmente rap e hip hop e era amiga da galera do Sampa Crew, grupo paulista de rap romântico da década de 90. Golden Teeth era seu dente de ouro, ao lado do canino, marca registrada da Cida. Nunca mais foi vista, mas ainda fica na nossa lembrança e andando pelo centro a impressão era que iríamos encontrá-la a qualquer momento. A guitarra (Fender Telecaster 93) foi gravada em linha sem efeito algum, por decisão de mixagem, para soar crua e punk. O baixo foi o mesmo Gibson de 1968 de outras tracks do álbum, e o beat fora de synch junto com uma solina crescente no final da música foi inspirada no Flying Lotus, especialmente depois de fumarem um cigarro com ele atrás do palco durante o show do Radiohead, onde Aldo tocou junto com ambos no Allianz Park.
Synths, beats e voz: Murilo Faria
Guitarra, baixo e voz: André Faria
Bateria: Daniel Setti
Mixagem: Murilo Faria, Ignácio Sodré
Gravação: Esther Building, Evil Twin Music
05. Gliterin Stain – São Paulo escondia personagens muito excêntricos no passado, e um dos que mais marcou os irmãos Faria foi o Fofão da Augusta. Quando iam para escola ficavam com uma mistura de curiosidade e medo com aquelas bochechas enormes maquiadas, aquele jeito frágil e feminino, distante e enigmático. Quando estavam no Edifício Esther veio a notícia que Fofão Da Augusta havia falecido e surgiu uma matéria muito interessante do Chico Feilliti, e curtimos de alguma maneira registrar tudo isso em uma canção. A inspiração aqui é Boards Of Canada, que o Mura andava pirando na época. O synthetizador usado foi um CS-80 quebrado – passado por um gravador de rolo também quebrado – que Mura conseguiu ligar por apenas uma vez e gravar as notinhas “elásticas” (o mesmo que Vangelis usou na trilha de “Blade Runner”), e depois acabou por vendê-lo para um produtor-colecionador de Los Angeles.
Synths, beats e voz: Murilo Faria
Guitarra, baixo e voz: André Faria
Mixagem: Murilo Faria, Ignácio Sodré
Gravação: Esther Building, Evil Twin Music
06. Golden Child – Música gravada em Paris, no Atlas Studio, emblemático estúdio da banda Air (que emprestou aos irmãos por três dias) quando estavam em turnê pela Europa. Lá mesmo criaram essa música que na verdade era uma homenagem ao Tio Aldo. Os irmãos tentaram usar todos os synths que encontraram pela frente, já que a dupla francesa Air são super colecionadores. O tio infelizmente veio a falecer antes da música ser lançada, o que motivou os irmãos a mudarem a letra e tornarem a música uma homenagem póstuma.
Synths, beats e voz: Murilo Faria
Synths, baixo e voz: André Faria
Bateria: Erico Theoblado
Mixagem: Murilo Faria, Ignácio Sodré
Gravação: Atlas Sound (Paris), Evil Twin Music (SP)
07. Light Cracks – Gravada no Estúdio 12 Dólares, em São Paulo, no bairro do Bom Retiro. Foi a primeira música composta no Edifício Esther, começando com um riff de guitarra quando André ainda estava testando pedais antigos e vendo quais ainda funcionavam. Mura, sem avisar, gravou e criou o beat em cima semanas depois. A letra fala de um serial killer que encontrou a felicidade no porta malas de um carro SUV, onde escondia corpos e pessoas. “Light Cracks” nada mais é senão a luz que atravessa o porta-malas.
Synths, beats, percs e voz: Murilo Faria
Synths, baixo, percs e voz: André Faria
Mixagem: Murilo Faria, Ignácio Sodré
Gravação: Estúdio 12 Dólares (SP)
08. Pleasant Man – Talvez a música mais lisérgicas do álbum, inspirados pela degradação do centro e da Praça da República, a dupla se inspirou na motivação de vereadores e políticos corruptos da cidade de São Paulo. Na bateria foram usados restos de uma gravação no sul de Londres no Estúdio 123 do baterista Daniel Setti, primeiro baterista da banda e constante colaborador. As inspirações que a banda tem desde o primeiro álbum como Happy Mondays são bem evidentes por aqui. Estávamos quase encerrando a nossa estadia no Edifico Esther quando ouvimos uma gritaria vindo da praça da República.
Synths, beats e voz: Murilo Faria
Synths, baixo e voz: André Faria
Bateria: Daniel Setti
Mixagem: Murilo Faria, Ignácio Sodré
Gravação: Esther Building, Evil Twin Music
09. Scratching The Surface – Feito com um synth Organelle, panelas, um lixo de ponta cabeça microfonado e um solo de saxofone e synth, a música também foi gravada no Estúdio 12 Dólares no Bom Retiro em São Paulo. A influência aqui é TV On The Radio, especialmente em um dos shows da banda ainda desconhecida no Sesc Pompéia, que marcou Mura em relação a texturas das vozes e synths.
Synths, beats, percs e voz: Murilo Faria
Synths, baixo, percs e voz: André Faria
Mixagem: Murilo Faria, Ignácio Sodré
Gravação: Estúdio 12 Dólares (SP)
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne. A foto que abre o texto é de Caro Petersen / Divulgação
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