Entrevista: Toy Dolls festeja 40 anos e volta ao Brasil com pulos, coreografias e punk rock (e quer que o público os acompanhe)

entrevista por Leonardo Vinhas

Os Toy Dolls talvez não entrem em nenhum livro dedicado à historiografia do rock ’n’ roll, mas seu punk acelerado e melódico foi fundamental na formação musical de muito roqueiro mundo afora. A banda fundada em 1979 por Martin Algar, mais conhecido como Olga, já lançou treze álbuns de estúdio, três ao vivo, e diversos singles, EPs e coletâneas. Fez incontáveis shows pelo mundo, e têm espaço cativo no coração de fãs no Japão, na Europa e na América do Sul.

Chamar o Toy Dolls de “banda cult” parece não fazer jus ao grupo. É uma banda que diz mais respeito à memória afetiva e, acima de tudo, ao sentimento de que rock ’n’ roll pode ser divertido. Embora tenha nascido na cena punk/oi do Reino Unido, os Toy Dolls nunca falaram de políticas ou de temas (muito) escabrosos. Suas canções costumam contar historinhas corriqueiras, com personagens facilmente identificáveis (“Florence Is Deaf”, “Neville Is a Nerd”, “Glenda and The Test Tube Baby”, “Benny The Boxer”, o hit “Nellie the Elephant” – que bateu no número 4 da parada de singles do Reino Unido com direito a participação da banda no Top of The Pops da BBC – e tantas outras) ou com situações que podem ir desde o relato de uma pancadaria no meio da madrugada até uma má experiência com as roupas numa lavanderia.

Tudo isso, porém, só surte efeito porque é embalado pelos riffs limpos (quase sempre sem pedais ou efeitos) da guitarra de Olga e cantado por sua voz enérgica e cartunista – que pouco mudou em mais de 40 anos de banda. A banda já teve 14 bateristas e 12 baixistas, mas em 2003, Tom Blyth (Tommy the Goober) assumiu o baixo e, três anos depois, foi a vez de Duncan Redmonds (The Amazing Mr. Duncan) virar o titular das baquetas, e desde então a formação da banda tem se mantido estável.

Na verdade, segundo Olga, essa é a provavelmente a formação que vai seguir até o fim da banda, conforme ele conta nessa entrevista. Porém, o mesmo Olga deixa claro que tão cedo o trio não deve parar: na sua visão, há muito a ser feito em termos musicais, e não há porque abandonar os palcos – mesmo que seja necessário malhar muito para manter o invejável pique exibido nos shows.

Há quem diga que os Toy Dolls são “um prazer adquirido”, e que quem não os ouviu na adolescência dificilmente consegue se interessar pela banda. Difícil saber. O fato é que o papo com Olga é tão divertido e convidativo quanto sua música, e pode ser um ótimo caminho para atrair quem nunca parou pra ouvi-los com calma.

Bem, a banda veio ao Brasil pela primeira vez em 1988, e voltou muitas vezes desde então. Você tem lembranças daquela primeira visita?
Algumas. Lembro que um skinhead pulou no palco e me deu um soco na cara (nota: triste, mas verdade – o fato foi bastante noticiado na época). Tocamos quatro noites nesse lugar grande, que se chamava Projeto SP. Foi uma doideira, uma festa imensa. Nunca tínhamos ido ao Brasil antes.

E agora você está voltando. A formação agora é com Tommy e Duncan, provavelmente a mais longeva da banda.
Sim, eles estão comigo há 20 anos, já. Acredito que uma das razões para isso é que, quando você é mais jovem, as pessoas se casam, têm filhos, e ficam de saco cheio de excursionar e não ter dinheiro. Mas acredito que esses dois vão estar comigo até o fim.

O que é impressionante é que essa não é uma formação nem um pouco cansada. A impressão que dá é que vocês estão realmente se divertindo no palco, e que existe uma comunicação muito próxima entre vocês.
Sim, com certeza. Estamos mais sincronizados nas coreografias. Temos curtido bem mais. Na verdade, está mais animador do que nunca, e talvez por causa do Tommy e do Duncan, na real.

Você começou o Toy Dolls quando estava no fim da adolescência. Uns 17, 18 anos?
Sim, dezoito (ri).

Provavelmente, naquela época você não tinha ideia de que ia passar mais de 40 anos fazendo aquilo que você tinha acabado de começar – na verdade, ninguém de 18 anos fica pensando no que vai estar fazendo quando tiver 60 anos. Aliás, nessa idade você sequer pensa que vai ter 60 anos um dia!
De jeito nenhum. Ninguém pensa. Quando começamos a banda, fizemos alguns shows pelo nordeste da Inglaterra, e eu conheci esse cara, que me viu colando cartazes do show na parede. Ele entrou pra Força Aérea Britânica, e mais ou menos uns quatro anos depois, ele voltou e me viu colando cartazes na parede! Ele não conseguia acreditar: “você ainda está com a banda depois desse tempo todo?” E tinham sido só quatro anos! (risos) E isso foi há 44 anos anos. Desde então, os anos simplesmente voaram, especialmente os últimos 20.

Quando você está fazendo o tipo de música que você faz, as pessoas ainda pensam que tudo tem a ver com cair na farra. Mas as motivações mudam com o tempo…
Com certeza!

… e pensando no agora, o que te motiva a seguir com os Toy Dolls, depois de 44 anos na estrada?
Bem, tem muitos lugares aos quais ainda não fomos ainda. Nunca fomos à Nova Zelândia ou à Austrália, e queremos tocar por lá. Então isso nos motiva. E eu sempre quis fazer o álbum perfeito, o que nunca aconteceu (risos). E essa é a outra coisa que nos incentiva a seguir na ativa. Se fizéssemos um álbum que fosse 90% perfeito seria ótimo, mas nunca chegamos lá. Esse é o principal na verdade: o tempo todo estamos tentando ser melhores.

Falando nisso, lendo suas liner notes nas coletâneas e no site do Toy Dolls, você parece pegar bem pesado em você mesmo como produtor, e ter um pouco mais de carinho pelo seu lado compositor.
Não sei se é assim. Tem esse álbum que fizemos em 1993 (“Absurd-Ditties”) e que foi quase perfeito, e a produção estava ótima, mas nunca conseguimos capturar aquilo novamente. E acho que é melhor simplesmente ser honesto com as pessoas. Muitas bandas, quando estão escrevendo um álbum, dizem: “esse é o nosso melhor disco de todos os tempos”, e eu não vejo qual a razão para se dizer uma coisa dessas. Isso cabe ao público, eles é quem decidem. E se não é bom, se só está na média, é melhor ser honesto, porque as pessoas vão comprar e vão saber se é bom ou não. E se você disse que o álbum é fantástico, e as pessoas escutam e veem que é um lixo, você mentiu. Então é melhor ser honesto.

Você sempre declarou que “Bare Faced Cheek” é o álbum do qual você menos gosta. Porém, ele é provavelmente o álbum mais popular dos Toy Dolls aqui no Brasil.
(gargalha) Verdade. Isso é realmente estranho, verdadeiramente bizarro! Acho que é porque tinha essa gravadora que lançou o disco no Brasil (nota: na verdade, a gravadora Eldorado fazia a distribuição desse álbum, da estreia dos Dolls, “Dig That Groove Baby”, e do álbum “Wakey Wakey”).

E como você se sente com essa popularidade?
É lisonjeador que as pessoas gostem dele, de fato, mesmo eu achando que não é tão bom assim (risos). Tá tudo bem, é um disco que tem algumas coisas boas – “Fisticuffs in Frederick Street” é uma boa canção, e… Sabe, não é o pior. Mas com certeza não é o melhor.

Muitos anos atrás, entrevistei o Dave Smalley (Down-By-Law, Dag Nasty) e fiz aquela pergunta clichê, “que conselho você daria aos músicos que começaram uma banda porque te ouviram tocar?” Eu era muito jovem, me dá um desconto! (risos) Mas a resposta dele foi interessante: “aprendam a tocar seu instrumento. Você não pode fazer música de três acordes porque são os três únicos que você consegue tocar. Tem que ser porque você escolheu aqueles três”.
Esse é um excelente ponto de vista, de fato.

E eu trago isso aqui porque seu estilo de guitarra não é o mais convencional – e não digo apenas dentro do punk, mas no rock como um todo. Nunca são soluções óbvias, e são sempre a favor da melodia.
A melodia está acima de tudo, inclusive acima das letras. Porque a melodia é internacional, e por isso ela é a parte mais importante das composições.

“Episode XIII” (2019) foi o último álbum, e tinha umas melodias bem interessantes nele…
Oh, obrigado!

… e até por isso queria saber se ele vai orientar o repertório dessa turnê sul-americana, ou pelo menos estar bem representado no setlist.
Ah, não, vamos levar a sério esse negócio de ser um aniversário dos 40 anos da banda. Vamos fazer algumas canções desse último, com certeza, mas vamos cobrir toda a carreira, do “Dig That Groove Baby” até agora.

A intensidade dos shows não diminuiu. Parece tentador, quase inevitável, ficar mais acomodado, ou mesmo cansado, com a idade…
Bem, você tem que treinar mais, e pedalar mais, correr mais, fazer mais supinos e abdominais. Assim que pararmos de fazer isso, acho que vai ser aí que vamos terminar, porque eu não gosto da ideia de deixar de lado os pulos e as coreografias. Se você não consegue fazer isso, é melhor simplesmente deixar o palco pra lá. Eu não gosto de fazer um show e não dar 100%. Se você começa a fazer isso, é hora de parar.

Nem sempre o público pensa como você, muitos vão estar lá parados, apontando seus celulares pro palco… Isso te incomoda?
(risos) É bem melhor quando as pessoas estão agitando. Fizemos uma turnê pela Inglaterra no ano passado e o público era obviamente bem mais velho. Felizmente esgotamos os ingressos, mas o pessoal era bem mais velho, não conseguia pular pra cima e pra baixo. Eles estavam gritando e berrando ao fim de cada canção, mas não estavam se mexendo (risos). É melhor que não sejam só três pessoas pulando num palco, sabe? É bem melhor, e bem mais fácil de tocar, quando todo mundo está agitando.

Para terminarmos: você disse que uma das razões para seguir em frente é fazer esse álbum perfeito, ou “90%” perfeito. Mas o que seria essa perfeição? O que ele precisa ter para você dizer, “ok, eu consegui, esse é o álbum que eu sempre quis fazer”?
Muito disso tem a ver com a produção. Eu gostaria que cada canção valesse a pena ser ouvida, em vez de “ok, eu ouço a primeira música, ouço a segunda, essa terceira não é tão boa, então já vou logo para a quinta…” Seria legal se cada uma das músicas fosse digna de ser ouvida, e não acho que isso tenha acontecido em nenhum dos discos que a gente lançou. Se chegar a uns 95% disso, acho que eu consegui.

– Leonardo Vinhas é jornalista, escritor e produtor cultural. Colabora com o Scream & Yell desde 2000, onde também assina a coluna Conexão Latina. É também colaborador eventual dos sites Music Non Stop (Brasil) e Zona de Obras (Espanha).

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