Entrevista: Rogério Bigbross anuncia a 14ª edição do festival Bigbands, em Salvador, dessa vez mais voltado à música pesada

entrevista por Leonardo Vinhas

A missão que Rogério Bigbross se impôs é simultaneamente anacrônica e atemporal: fomentar a atividade musical autoral no underground baiano, especialmente no que diz respeito às diversas vertentes do som pesado. E embora atue como produtor de eventos menores, seu trabalho mais emblemático é o festival Bigbands, que neste ano terá sua 14a edição, nos dias 19/03, 03/05 e 19/05.

Sim, o nome é uma referência direta ao seu fundador, sem qualquer relação com formações numerosas que tocam jazz, dixieland ou gêneros semelhantes. Bigbross – ou apenas Big, como é conhecido no meio – é o primeiro a admitir a autorreferência. Já na apresentação do projeto, em seu site oficial, ele explica: ”é uma analogia à minha pessoa, ao meu jeito de fazer as coisas, de agregar, de dar chance ao novo, de revitalizar o velho, de mostrar o que nunca foi visto, de misturar, de segmentar, quando necessário de agregar produtores de vários segmentos de todos os estados, que fizeram esse festival acontecer nos últimos 13 anos”.

Para a edição de 2023 acontecer, Big lançou uma campanha de financiamento coletivo, Até a realização dessa entrevista, pouco antes do Carnaval, os locais não estavam definidos, embora parte do lineup já estivesse confirmado. Era um bom momento para conversar, entre trocas de e-mails e mensagens de WhatsApp, sobre trabalhar em condições que não são ideais, longevidade e propostas artísticas e pessoais.

Você anunciou essa 14a edição do festival dizendo que está “repensando” o festival. O que muda em seu formato pra essa edição vindoura?
Em suas 14 edições, o Bigbands nunca se repetiu: teve noite instrumental, noite hip hop teve ações nas escolas, rodou em algumas cidades do interior, aconteceu em vários bairros de Salvador ao mesmo tempo, foi gratuito e foi pago… A meta é sempre fazer do tamanho que a perna alcança.

Você tem três datas confirmadas, com lineup parcial ou totalmente montado, mas ainda não tem o local definido para rolar o festival, e ainda está com o crowdfunding aberto. Não é um risco muito grande, ainda mais considerando as lições deixadas por episódios como Metal Open Air e REP Festival?
Tenho o pé no chão. Só ponho meu boné onde posso apanhar. A data principal já está confirmada: vai ser na Praça Tereza Batista, no Pelourinho. As outras duas, como serão shows menores, nem me preocupam. Mas até o fim do mês já saem os lugares, com certeza.

O Paulo André, do Abril Pro Rock, e o Gustavo Sá, do Porão do Rock, já falaram, em entrevistas para o Scream & Yell e também em eventos setoriais, que o som pesado – principalmente o metal e suas vertentes – ainda é o lastro de muitos festivais dedicados ao rock. No Bigbands, isso não só é verdade como parece que o festival está dando uma guinada em direção a ter exclusivamente o som pesado, depois de alguns anos aberto para outros estilos. O que provocou essa mudança?
O Bigbands teve diversas edições sem metal. Como eu falei, nunca teve um formato fixo. Mas eu vim do metal, trabalho com ele desde o começo dos anos 1990. Fiz meu primeiro festival em 1994 e na grade tinha mundo livre s/a, Jorge Cabelereira, Restless, DFC, Insanity, Nadegueto, Valhala, Lacertae… Era uma época em que você tinha que tentar somar todo tipo de público no festival. Acho que eu, Gustavo e Paulo temos o mesmo tempo de experiência na produção de shows. Quando a gente começou, a gente tinha que fomentar uma cena que não existia. Esse tempo passou – pelo menos por aqui. Hoje, a Bahia tem festivais como Radioca, Suíça Bahiana, Feira Noise, Sanguinho Novo, dentre muitos outros. Só que não tinha mais nenhum festival de metal, tampouco esses citados abrem espaço para o gênero. Então, diante dessas mudanças, eu simplesmente voltei às minhas raízes metaleiras, onde encontro um público fiel e presente

Essa fidelidade é marcante, não? Me lembro de um dono de um espaço de shows que me confidenciou que não queria mais fazer eventos para público indie ou MPB, porque “ninguém vem, e quando vem, não gasta”.
Sim. A prova disso foi a última vez que fui ao Abril Pro Rock, em 2019. O dia que teve Pussy Riot, Letrux, foi bem fraco de público, e o dia do Nuclear Assault e Ratos de Porão acabou ingresso, acabou cerveja, acabou até limão pra caipirinha… Por isso festivais como o Bigbands, Abril Pro Rock e Porão estão voltando às origens. E tem outra: não há necessidade de eu trazer Curumim pra cá e ele estar de volta daqui a um mês tocando de graça na rua num festival bancado por um patrocinador. A música brasileira mudou bastante, tá tudo bem encaminhado, enfim, o cenário é outro.

Como você lembrou, já conseguiu, pelo Bigbands, levar o hip hop baiano para as escolas. Você vê uma iniciativa semelhante acontecendo com o som pesado, ou os polos de cultura e as escolas continuam impermeáveis para esse tipo de música?
Foram duas edições do Bigbands Vai à Escola em escolas da rede municipal, todas em bairros de alta periculosidade. A ideia era o hip hop mesmo, levar o DJ, o b-boy, o MC, o grafite, as aulas da cultura hip hop. Foi difícil entrar nas escolas, mas o resultado foi muito positivo. Remuneramos todo mundo que trabalhou, professores e diretores elogiaram muito, perguntavam quando teria de novo. Só que isso não tem como ser feito sem verba, seja pública ou privada. Levar o metal é mais complexo, não adianta você forçar a barra com o metal pra alguém. É aquela história, você escolhe o metal e o metal te escolhe. Aqui em Salvador, no final dos anos 80 e começo dos 90, o metal era quase que exclusivamente periférico, assim como o punk, e quem estava lá escolheu aquilo. Muitos [dessa cena] são meus amigos até hoje e ainda ouvem metal, e sei que já teve headbangers que hoje são professores fazendo ações do tipo.

Como está a cena pós-pandemia para o rock na Bahia? Para além dos festivais, há uma movimentação constante?
Já no primeiro ano de pandemia eu soube que minha vida como produtor só iria se normalizar em 2024. Trabalho com casas de shows de acordo com a demanda do evento, então trabalho tanto com casas com capacidade para 50, 100 ou 200, como com outras para 300, 500 pessoas. E todas elas fecharam na pandemia. Por conta disso, meu sebo de vinis, CDs e K7, que era somente virtual, virou loja física. Ele só viraria físico no meu plano de aposentadoria, mas tive que antecipar essa ideia. FIz isso para continuar trabalhando com música e continuar sendo independente de patrão, e continuei fazendo algumas produções na medida do possível. Tem coisas às quais não me submeto: nenhuma marca vai indicar artista para o Bigbands em troca de patrocínio, nenhum artista vai pagar para poder tocar no festival. Não sou eu quem vai salvar a música brasileira, mas isso não é motivo para abandonar meus princípios.

Qual foi a edição que você considera a melhor sucedida, seja pelos critérios que for, de toda a história do festival?
Em termos de público, as edições de 2009 e 2012 foram muito boas, mas a de 2014 foi a mais emocionante. Foi quando muitos amigos, produtores e artistas se juntaram de verdade para o festival acontecer.

E uma última pergunta: depois de 13 edições, ainda aparecem artistas te procurando achando que é um festival de big bands mesmo? (risos)
Em toda rodada de negócios que participo, da SIM São Paulo ao Porto Musical, sempre tem os desavisados que não leram o release do festival. Também acontece nas mensagens das redes sociais, nos contatos por email ou zap. Pra esses, já tenho até o texto pronto para a resposta.

Leonardo Vinhas é jornalista, escritor e produtor cultural. Colabora com o Scream & Yell desde 2000, onde também assina a coluna Conexão Latina. É também colaborador eventual dos sites Music Non Stop (Brasil) e Zona de Obras (Espanha).

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