Entrevista: Vanguart lança “Oceano Rubi”, disco que “fala muito sobre paixão, sobre abandonar tudo para ir atrás de si mesmo”

entrevista por Bruno Lisboa

Para muitos artistas a pandemia foi um período no qual a criatividade artística foi limada, mas para a Vanguart o isolamento social não impediu que a banda seguisse criando e produzindo. Prova disso é que, num curto prazo de dois anos, o grupo lançou dois singles (o b-side “Encontro adiado” e a cover de Tom Zé “Amar”) e dois álbuns de estúdio, cada um com sete faixas: “Intervenção Lunar” (2021) e “Oceano Rubi” (2022).

“Oceano Rubi” foi produzido pelo experiente Fábio Punczowski junto com a banda, que segue mantendo em voga marcas que lhe são peculiares: melodias folk com letras esperançosas em ode ao amor, servindo com importante contraponto para a contemporaneidade e a disseminação do discurso de ódio.

“’Oceano Rubi’ é talvez meu conjunto favorito de canções do Vanguart há tempos, especialmente porque ele fala muito sobre a paixão, sobre abandonar tudo para ir atrás de si mesmo, seja isso uma nova profissão, um sonho antigo ou um novo amor. Algumas coisas surgem para nos desconectar de uma vida antiga, que já não faz mais sentido para nós, e ‘Oceano Rubi’ fala disso”, afirma o vocalista Helio Flanders.

Reginaldo Lincon, baixista, cantor e compositor, reflete sobre o processo do álbum como um todo: “As canções são diretas, fluidas e sem rodeios. Me sinto cada vez mais à vontade para falar sobre o que for, sem medo, sem criticar demais, aceitando a canção como ela é”.

A violinisita, cantora e compositora Fernanda Kostchak destaca a sonoridade do álbum: “Diferente de ’Beijo Estranho’, ‘Oceano Rubi’ tem linhas melódicas de violino mais suaves, uma mistura de repertório afetivo de sons com o que se tem disponível para hoje em vista de tantas demandas emocionais surreais durante o período em que o disco foi gravado”.

Na entrevista abaixo, o trio fala sobre a importância de compor canções de amor, a multiplicidade de interpretações artísticas que as canções podem ganhar por parte do público, as dificuldades de se produzir em tempos pandêmicos, o processo de gravação do novo disco, o trabalho junto ao produtor Fábio Punczowski, o critério de seleção para singles, os formatos de apresentações ao vivo, planos futuros e muito mais.

Algo que remete a essência da banda é o fato de que a ode ao amor (de forma indistinta) tem sido o fio condutor das composições de ontem e de hoje no trabalho do Vanguart. Em tempos como os que estamos vivendo, qual a importância de seguir brandando bandeiras importantes como essa?
Helio: Sem dúvida, os tempos atuais “precisam” muito do amor em todas as.suas formas, e fico feliz de levarmos esse tema adiante, de coração aberto, com a ideia de que possamos levar conforto para as pessoas. Por outro lado, acredito que sigo escrevendo de amor porque ainda é o sentimento que mais me move como pessoa e como compositor, e talvez a única cura, o único consolo em um mundo tão hostil e intolerante.

Fernanda: Sentimentos mais profundos e mais complexos sempre foram desvalorizados pela sociedade, é quase uma proibição ser sensível e reagir a sentimentos. Acolher o que temos de mais humano em nossa essência é uma demanda urgente.

Ainda abordando aspectos gerais das canções é interessante perceber como elas podem ser lidas e recebidas de forma diferente de pessoa para pessoa. Eu, por exemplo, já interpretei canções como “Demorou Pra Ser” e a faixa título do novo disco como composições que abordam a gravidez e o período de gestação. Como vocês lidam com esta questão da multiplicidade de interpretações por parte do público?
Helio: Legal isso de você falar que “Demorou Pra Ser” pode ser lida como uma canção sobre uma gravidez, faz todo o sentido, mas quando a escrevemos eu não imaginei que ela poderia ter sido interpretada dessa forma – e receber esse feedback a fez se tornar mais especial ainda. Me lembro de receber uma mensagem de uma fã dizendo “tive uma gravidez de risco e a primeira vez que coloquei minha filha no peito, quente de dor e amor, pensei ‘demorou pra ser, mas agora é'”. E isso me emociona profundamente porque essa canção deixa de pertencer à banda somente, ela é muito mais do ouvinte e acho que acaba completando um ciclo, uma viagem que foi finalizada com êxito. Então em linhas gerais, essa leitura diferente da do compositor é algo muito interessante enquanto acrescer sentidos positivos para as canções.

Reginaldo: Como compositor, o que eu não quero é ter que explicar uma canção ou direcionar o ouvinte para algum sentimento. Apesar de algumas músicas serem mais diretas, ou de contarmos a história por trás da canção, a gente sempre gostou de deixar espaço para a imaginação das pessoas. Esperamos esse olhar do público para que a canção possa ser o que é, existir, emocionar. A nossa intenção inicial é muito pequena perto disso.

Fernanda: É a arte acontecendo.

Nos últimos dois anos a banda entrou numa fase prolífica devido ao lançamento de dois álbuns (“Intervenção Lunar” e “Oceano Rubi”) e dois singles (“Encontro adiado”, “Amar”). Quais foram os maiores desafios para o grupo conseguir para se manter ativo? Vocês se cobravam ou foi algo natural?
Fernanda: A gente confia muito um no outro, então, quando surge uma nova canção ou uma onda de canções, a gente começa a reagir a partir disso, começa a movimentar, cada um da sua forma, no seu tempo e principalmente com muito respeito.

Reginaldo: Definitivamente, o surgimento das canções nos mantém vivos. Tem sido assim desde o princípio em Cuiabá. O processo de cada canção é tão novo, tão diferente e inesperado. Tem uma beleza inexplicável nisso tudo, algo que nos alimenta e nos consome ao mesmo tempo. Vamos contaminando uns aos outros com essas vontades.

Helio: Sempre funciona de modo natural pra nós. Reginaldo me manda uma música, eu mando outra, Fernanda puxa uma ideia… e a gente gosta de gravar, gostamos de lançar discos, e sempre tem um frio na barriga de imaginar como vai ser nascer aquilo tudo, por mais árduo que seja o caminho do primeiro ensaio até fechar a mixagem. Quando terminamos um disco, nunca sabemos como ou quando será o próximo.

Voltando a questão temporal, pouco mais de um ano separam os discos mais recentes. Nesse sentido quais são as diferenças entre o processo de criação e gravação de ambos? Os álbuns foram idealizados de forma conjunta ou foram construídos em separado?
Helio: Com exceção dos singles “Sente” e “O Amor É Assim” que gravamos no fim de 2019, e que integram “Intervenção Lunar” e “Oceano Rubi”, respectivamente, os dois discos foram concebidos e gravados juntos, então eles possuem uma unidade que acredito que se separa apenas na narrativa. Na verdade, é uma narrativa que se complementa, uma espécie de perguntas e respostas, que nossas canções conseguiram amarrar, meio sem querer. Dividir em dois volumes veio muito por acharmos que 14 faixas era muito material para um disco e ainda mais pós-pandemia, queríamos um respiro entre canções que eram tão próximas, mas tão distantes narrativamente também.

Reginaldo: Foi inclusive uma escolha sobre o tempo. O tempo de cada álbum nascer com a maior naturalidade possível, sem forçar. Algumas canções ficavam mais fortes perto de umas e também ficavam mais fortes longe de outras. Enfim, é uma escolha que tem a ver com o tempo também, talvez hoje, a escolha de canções teria sido outra. Não se sabe. Foi importante ter esse espaço para as pessoas conhecerem o “Intervenção Lunar” até receberem as novas.

Em “Oceano Rubi”, além do trio central (Reginaldo, Helio, Fernanda) é perceptível (e louvável) a presença de um time diversificado de musicistas que contribuíram para o resultado final. Nesse sentido, como se deram essas colaborações? Vocês já tinham os arranjos prontos ou foi construído de forma coletiva?
Helio: Os arranjos são construídos basicamente com nós três mais o Kezo Nogueira, que tem tocado bateria conosco desde 2018 e faz parte de uma espinha dorsal muito confortável e íntima já. Por ser multi-instrumentista, arranjador, poeta, enfim… Kezo é um gênio e tem uma sensibilidade fina para entender o que a canção pede, então os arranjos nascem em seu habitat natural, eu diria. O Fábio Pinczowski entrou no processo também e ajudou bastante, especialmente na parte de cordas.

Reginaldo: Eu, Helio, Kezo Nogueira e Fabio Pinczowski fizemos um encontro para definirmos as estruturas e as bases das músicas antes de gravar. Helio e eu trouxemos gravações caseiras com ideias e chegamos a usar elementos dessas gravações no álbum, o que foi algo inédito para nós. A Fer ficou convivendo com as canções em casa e trouxe as ideias de violino e a gente improvisou muito, experimentamos e deu certo.

O disco foi produzido por Fábio Punczowski junto a vocês. Como se a aproximação entre vocês e quais contribuições ele trouxe ao disco?

Helio: Conhecemos o Fabio desde os idos de 2006, quando ele tocava com a banda instrumental Mamma Cadela e também com o Ludov, e ficamos amigos na estrada. Ele estava começando a construir seu estúdio, o Doze Dólares e sempre falávamos de fazer algo juntos. Com o tempo pequenos projetos aconteceram lá, participamos do ClubVersao da HBO (do qual Fabio era o diretor artístico), além de outras gravações pontuais. Em 2019 finalmente o convidamos pra produzir os dois singles (“Sente” e “O Amor é Assim”) e isso apenas confirmou nossas suspeitas de que ele era o produtor certo para essas canções. Fábio é muito intuitivo, tem uma sensibilidade ímpar para texturas, além de ser um ótimo músico, então pudemos realizar desejos antigos de gravar com três violões ao mesmo tempo na sala (Reginaldo, Fabio e eu), e gravar instrumentos sob óticas diversas, além de eu gravar boa parte dos vocais sentado, para trazer uma tranquilidade a algumas interpretações.

Fernanda: A gente se identifica demais com o trabalho do Fábio, temos muitas referências em comum. Bom demais chegar no estúdio, começar a gravar e perguntar: “sabe aquela gravação ao vivo do artista x que foi lançada só 10 anos depois?” “sei total”, “então, é esse o timbre”, e assim a criação flui de uma maneira quase mágica, porque também tem muitos aspectos técnicos que a gente precisa cuidar e nisso, o time todo é fantástico.

Reginaldo: Ele foi o nosso anjo conciliador nesses álbuns (risos). Além disso, toca vários instrumentos, tem ideias certeiras e sabe nos dirigir para tirar o melhor de nós, mas principalmente, pensa como nós sobre tentar dar para a canção somente o que ela precisa.

“O Que Eu Vou Levar Quando Eu For” e “Amorosidade” foram as faixas escolhidas para serem lançadas antes do novo disco. Quando o álbum está pronto quais são os critérios que a banda adota para selecionar quais faixam serviram(rão) como prévia do que está por vir?
Helio: É sempre nebuloso (risos). Nós passamos por isso há tanto tempo que às vezes apenas escrevo pra Deck, nossa gravadora e digo: “mandem opiniões”, e a partir disso vejo se elas batem com as minhas. No fundo a gente acaba abraçando refrões ou alguma poesia que acreditamos ter potencial para tocar as pessoas. Sempre foi uma espécie de critério: se a letra toca as pessoas, a música é boa.

Reginaldo: Difícil escolher e raramente temos unanimidade na escolha. Sabemos que isso é natural e nunca tivemos problemas com isso. Somos democráticos. Vence o voto da maioria, o melhor argumento ou quando alguém desiste (risos). Depende do momento.

Recentemente assisti a uma apresentação de vocês em formato trio em BH. Mas tenho visto que vocês já se apresentaram em sexteto em São Paulo. Acredito que esta diferença se dê de praça a praça, em como vender o show para cada cidade, mas quais são características que vocês destacariam de cada formato? Vocês têm predileção?
Reginaldo: O palco é cheio de surpresas, sempre. Acho que nunca aprendemos tanto como nesses shows em trio. A gente não ensaia, não combina os finais e a coisa acontece. Incrível ter essa liberdade, saber que o outro te segue e que te segura se for preciso. A gente vive isso com a banda completa também, é um ambiente mais controlado, mas não menos vivo. Eu não imaginava que as pessoas iriam gostar tanto desses shows minimalistas, foi surpreendente para nós.

Helio: Costumo dizer que temos dois shows, o cheio de gente e o que é “só nóis” (risos). Isso se deu pela necessidade de viajar e os custos altíssimos impediam turnês mais distantes como Norte e Nordeste de se realizar. Acontece que, a partir dessa formação, descobrimos um prazer do improviso no palco que apenas pequenas formações te permitem – e não paramos mais. Quando estamos em trio, a música começa e não sabemos como ela vai terminar… depois de quase 20 anos tocando juntos, isso é muito especial, porque te tira de um lugar óbvio do ensaio e de sempre estar numa repetição eterna. Inventamos arranjos, melodias, novas letras para músicas antigas, tudo em cima do palco, olhando no olho um do outro, então foi libertador também – e isso certamente influenciou momentos delicados e pequenos nesses dois álbuns.

Por fim, com o lançamento de “Oceano Rubi” quais são os planos futuros?
Helio: Nosso plano é de sempre viajar com o álbum, mas estamos em um novo momento de nossas vidas, já não moramos todos na mesma cidade, então por ora eu só digo que cada álbum que lançamos é um empurrão para fazermos o próximo, e eu sigo com muita vontade de tocar e compor para o Vanguart. É aguardar nossas gestações e canções chegarem até a luz.

–  Bruno Lisboa  escreve no Scream & Yell desde 2014. 

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