Entrevista: Tati Bassi & Devil Blues apresentam o macumblues

texto por Leonardo Vinhas

Tati Bassi & Devil Blues é uma banda da Grande São Paulo que se propõe a fazer o “macumblues”: um rock ’n’ roll coalhado de influências da umbanda e do blues. Como o próprio nome já entrega, a banda tem à frente a vocalista Tati Bassi, que concebeu essa mistura e que pretende levá-la adiante em shows e gravações.

Só que, por ora, apenas um single mostra um pouco dessa proposta. “Tudo O Que Vai Volta” é uma excelente canção, com alguns ares que lembram a “mistureba” que caracterizou a sonoridade mais interessante do rock brasileiro nos anos 1990. É um belo e promissor single, mas chama a atenção o quanto ele difere de “Não Basta Querer”, álbum que Tati lançou, ainda sem os Devil Blues, em 2017. Apesar de seus méritos, era um trabalho bastante derivativo da sonoridade que influenciou a cantora – uma sonoridade pela qual ela mesma confessa não se interessar hoje.

Durante a pandemia, Tati Bassi escreveu muitas músicas, e aos poucos começa a registrar essas canções, na companhia de Willian Navarro (baixo), Carol Vidal (guitarra), Lécão Baptista (atabaque e percussão) e Leos Vibian (bateria). Um single é pouco para saber se o macumblues entregará tudo o que pretende, mas a estreia promete.

Tati Bassi também foi vocalista da banda As Radioativas (com quem lançou o álbum “Cuidado Garota”, em 2013, pela Baratos Afins). Mas esse é o passado, e nessa entrevista para o S&Y, ela fala bastante sobre o presente, e um tiquinho sobre o futuro.

A diferença da sonoridade desse último single e seu primeiro disco é algo que chama a atenção de cara. Você já tinha esse som na cabeça, e montou a Devil Blues em torno disso, ou essa é uma sonoridade de banda, que vocês todos criaram juntos?
Então, quando eu fiz o meu primeiro disco, eu queria tocar com músicos incríveis. e consegui isso. O Gabriel Guedes, do Pata de Elefante, que produziu, tem o Bocato, o Thiago Petit, um monte de gente foda. Só que eu ainda faltava alguma coisa minha. Tinha as mãos de outras pessoas envolvidas, e não era totalmente algo meu. Quando eu resolvi voltar a fazer um som, que foi em 2019 mais ou menos, eu queria fazer algo totalmente meu, que misturasse os três pilares da minha vida. Eu queria misturar o rock and roll, que foi de onde eu vim; o blues, que foi onde eu aprendi a cantar; e a umbanda, já que eu cresci dentro de terreiro, e também foi ela que me trouxe de volta para música. Eu queria os atabaques da umbanda com aquela coisa visceral do rock and roll, e aí nasceu o macumblues.

Chico Science & Nação Zumbi tinha o Toca Ogan na percussão. E ele não tem esse nome à toa, né? Era ogan mesmo (nota: ogan é quem toca o atabaque nas giras de umbanda). Embora a percussão da Nação fosse para um outro lado, ela tinha essa raiz afrobrasileira com uma guitarra suingada, que são dois elementos que eu vejo nesse single. Chico Science também foi uma influência para você, de alguma forma?
Não diretamente. Mas indiretamente, acho que sim. Eu amo Nação Zumbi, e para mim, Lúcio. Maia é um dos melhores guitarristas do mundo. Eu sou obcecada, adoro, adoro! Meu top 3 de guitarristas, aliás, é Lúcio Maia, Manuel Cordeiro e Gabriel Guedes. Pode ver que Hendrix nem entra (risos). Mas sobre a percussão: o Lécão [Baptista], que toca comigo, é ogan, e essa é uma preocupação que sempre tive: não queria que fosse um percussionista na banda, e sim um ogan, para eu ter a força do terreiro dentro da minha música. Sem isso, eu não ia conseguir ter essa energia que para mim o mais importante.

Você falou que foi no blues que você aprendeu a cantar. O blues brasileiro tem uma característica, a meu ver, excessivamente reverente ao blues estrangeiro. Salvo algumas exceções, quase ninguém traz o gênero para o Brasil: a enorme maioria usa a sonoridade e o imaginário do blues norte-americano, sem nada mais pessoal. Como você separa essa coisa tão engessada que o blues brasileiro tem do seu canto e do seu som?
Eu saio dessa coisa engessada do blues brasileiro porque não gosto dele (risos). É exatamente por causa disso. Escrevo sobre a minha realidade, sobre as coisas que vivo e sobre o que sou. Então não adianta eu me basear no que acontece lá fora. A gente tem influências, né? Eu tenho Etta James tatuada no meu peito, mas eu não canto Etta James, por exemplo. Nunca vou poder me colocar dentro de uma situação do que é o blues lá fora, sabe? Tento me colocar no que faço aqui, para mim. O que a gente faz no Brasil, musicalmente, é tão rico e tão foda que não perde nada. Fui buscar no blues a sonoridade para trabalhar melhor a minha voz, mas dentro da minha música, quero colocar a brasilidade e quero transformar isso em algo que não ainda não foi feito, e que é algo que eu tô criando na minha cabeça assim. Então eu saio mesmo desse engessado de um jeito bem consciente e natural. Essa coisa do blues daqui ficar americanizado acho até meio cafona, na verdade.

O Noel Andrade gravou um disco com o Blues Etílicos em que eles regravam composições de Tião Carreiro & Pardinho em arranjos entre o blues e o folk. Ficou um trabalho bem interessante. Mas é um caso bem fora da curva.
Sim, é muito bom. Se fosse se aproximar do que caras como Robert Johnson e Muddy [Waters] faziam, esses caras do blues do Mississipi, eles contavam as histórias deles, de um jeito parecido com o que os caras da viola caipira faziam aqui, o pessoal do sertanejo de raiz assim. Talvez com essa linguagem a gente se aproximaria mais. Eu tenho uma música meio que pronta com a viola caipira, aliás. Uma instrumental.

Esse single é parte de um álbum?
Não. Eu não vou gravar mais álbum. Foi um acordo que fiz com a Monstro! de que eu vou lançar só singles agora. As pessoas não consomem mais um álbum inteiro, né? Infelizmente. Eu sou da geração que pegava os discos e devorava inteiro: sentava para escutar, lia o encarte. As pessoas não fazem mais isso, então vou na onda do que tá sendo feito agora. Eu quero que a minha música chegue pro maior número de pessoas possível, então não adianta eu lançar um álbum agora e ninguém ouvir. Vou trabalhar de single em single, e depois, lá na frente, quem sabe eu faço um apanhado e lanço em vinil.

Você falou que, no primeiro disco, acabou não conseguindo a sonoridade que você queria. O que você está fazendo para que esses singles não sofram do mesmo problema?
Tô sendo eu mesma. Eu tô buscando pessoas para trabalhar comigo que entendam que o que eu quero passar, porque minha cabeça é muito doida. Eu não toco nenhum instrumento, mas as composições vêm prontas para mim: vem pronta a bateria, a guitarra, vem pronto o baixo… Então procuro trabalhar com quem compreenda minha cabeça doida, que é o caso dos músicos que compõem a Devil Blues, e também busco isso em quem vai fazer a produção da música. Eu tô fazendo o que eu quero fazer, e acho que é por isso que tá saindo tão de verdade assim. “Tudo O Que Vai Volta” é uma música que eu tinha gravado, já, no quarto aqui de casa, com meu ex-marido, que também era produtor. Só que aí eu ficava ouvindo ela, pensando no quanto a letra é foda, porque eu escrevi num momento totalmente cagado da minha vida, mas vendo que ela ainda não tava pronta. Não tava do jeito que eu queria. Depois que eu voltei para umbanda e tive a certeza de que eu queria colocar isso na minha música, fui revisitar essa canção e a transformei no que tá aí. Procurei trabalhar com uma produção legal, e colocar o que eu queria colocar. Acho que é por isso que tá assim.

Sobre a umbanda: nunca foi muito fácil para as religiões de matriz africana, mas a gente está agora num momento de ódio e preconceito muito presentes, até porque eles são institucionalmente incentivados. Você vê a sua música como também um ponto de afirmação e de resistência para a sua religiosidade?
A religião é atacada constantemente, pelo preconceito e por ser de matriz africana. A gente sabe que tem um preconceito racial super envolvido nisso, e que não é aceita por isso. Era “a religião dos escravos”, né? Então eles traziam tudo que podiam trazer para a Igreja Católica para que fossem aceitos, o sincretismo acontecia por causa disso, para ser mais aceito pelos brancos. Então é, sim, uma resistência a isso, e eu acho que tudo na minha música é resistência: fazer música no Brasil já é resistência, fazer música em que você vai misturar uma religião que é sempre atacada é resistência, ser mulher e fazer tudo é resistência.

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