Rock Brasil: Cinco coletâneas “pau de sebo” dos anos 80

por Marcelo Costa

As coletâneas “pau de sebo” foram muito importantes na cultura pop, Brasil incluso. São discos em que as gravadoras selecionavam um número de artistas que eram apostas, arremessavam no mercado sem muita divulgação (e também enviavam para os disc-jóqueis nas rádios) e aquele que conseguisse se destacar, poderia ter a sorte de ganhar um disco próprio (alcançando o prêmio máximo no topo do pau de sebo).

O Brasil dos anos 80 (no auge da indústria musical brasileira e mundial) viu várias coletâneas paus de sebo chegarem ao mercado, e poucos sabem que algumas das bandas mais importantes do período (e do rock nacional como um todo) se destacaram justamente em um disco desses, que também foram importantes como preparação para o embrião de bandas que se destacariam nos anos 90.

Essas coletâneas (que chegaram a ganhar versões estaduais – destacadas aqui, Minas Gerais e Rio Grande do Sul) também trouxeram one-hit-wonders e várias pérolas, algumas delas esquecidas pelo tempo, já que nem todas ganharam relançamento em CD, muito menos em digital. Abaixo, aprofundamos o olhar em cinco dessas coletâneas “pau de sebo”, algumas delas recheadas de curiosidades.

“Rock Voador”, Warner Music (1982)
Um dos primeiros paus de sebo lançados no embalo do sucesso da Blitz, que fez com que todas as gravadoras buscassem sua porção de batatas fritas para oferecer ao público jovem no decantado início do fim da ditadura brasileira, “Rock Voador” foi feito em parceria promocional com o Circo Voador e a Rádio Fluminense FM, que indicou os artistas. Eram seis bandas, cada uma com duas músicas, e a mais nova delas (que se sentiu deslocada por todos os demais artistas fazerem “rock antigo”) não chegou a estourar, mas conseguiu um contrato para o primeiro disco: o Kid Abelha marcou presença com duas músicas, “Distração” e “Vida de Cão e Chato Pra Cachorro”, que mostram um som definido, com o sax de George Israel em destaque e a voz de Paula Toller à frente.

Kid Abelha

“Rock Voador” também trazia o bluesman (Celso) Blues Boy, que gravou “Brilho da Noite” e “Caminhando”. Ainda fizeram parte do disco Sangue da Cidade, Malu Viana, Papel de Mil e Maurício Mello & Companhia Mágica. “Rock Voador” foi editado em vinil em 1982, em CD em 1997 e está disponível no digital.


“Os Intocáveis”, EPIC (1985)
O título e a capa já dão o tom de um “pau de sebo” clássico: “tirem os olho das minhas crianças”. E olha que o elenco merece mesmo a cara feia do dono pros concorrentes. Com 12 artistas, seis de cada lado do vinil, e tendo como produtores envolvidos nomes com João Augusto (responsável pela Deck futuramente), Luiz Carlos Maluly (que lançou dois mega sucessos do período: RPM e Metrô), o ainda Kid Abelha Leoni e o mutante Sergio Dias, “Os Intocáveis” apresentou ao mundo o Capital Inicial, que marca presença com o single “Descendo o Rio Nilo” (que eles regravariam em “Independência”, o segundo disco gravado às pressas na esteira do sucesso da estreia. Outra grande banda presente é o Zero, de Guilherme Isnard, com a deliciosa “Heróis”.

Capital Inicial

Um one-hit-wonder do período foi “Choveu No Meu Chip”, do Eletrodomésticos, que tocou muito em rádio (foi o grande sucesso do álbum), e chegou a render um compacto pra banda (eles viriam a lançar seu primeiro disco apenas em 2002) – C-47, Omar E Os Cianos e Front chegaram a lançar compactos, sem sucesso. Tanto Capital Inicial quanto Zero  também conseguiram contrato para um compacto cada um (o do Capital saiu pela CBS), mas quem lançaria o primeiro disco da turma de Brasília seria a Polydor; já o grupo de Guilherme Isnard debutaria primeiro com um EP, “Passos no Escuro”, pela EMI. Outro nome que conseguiu um álbum só seu foi a Banda 69, que lançou “A Última Novidade” no ano seguinte pela própria EPIC (produzido por Leo Jaime). “Os Intocáveis” nunca foi lançado em CD nem em digital – a versão original de “Descendo o Rio Nilo”, porém, pode ser encontrada em outras coletâneas



“Banda Contrabanda”, 1986 (Polygram)
Quer título mais autoexplicativo? Embarcando na onda de peneirar uma banda de sucesso, a major Polygram, através de seu selo Polyfar, juntou 12 bandas e as jogou aos leões. A grande aposta era a SeteQuatroSete, uma “super banda” que unia integrantes do Cinema a Dois (da one-hit-wonder “Não Me Iluda”), Black Rio e Cheque Especial (do também one-hit-wonder “Pronta Pra Estudar”), mas quem conseguiu se destacar aqui foi a banda carioca Uns e Outros, com a bonita “Dois Gumes”, que garantiria o primeiro disco pela Polydor em 1987 (“Nós Normais”) e o passe para a RCA no ano seguinte, que renderia os discos “Uns E Outros” (1988) e “A Terceira Onda” (1990), dos hits ”Carta aos Missionários”, “Dias Vermelhos” e “Canção em Volta do Fogo”. As outras 10 bandas passaram completamente batido: Cilada Mixta, Logotipo, Filhos da Pauta (que ainda participaram de outra coletânea no ano seguinte, a independente “Rio Grande Rock”), Mirage (que chegou a lançar um compacto pela Polydor), Oficina De Luz, Espiral, Bugi Gang, Areia Quente (que marcou presença na trilha sonora da novela global “Mandala”), Transito Livre e Ticket.


“Rock Grande do Sul”, 1986 (RCA)
Na busca por descobrir novos artistas de sucesso, a RCA mergulhou no Rio Grande do Sul. O embrião deste pau de sebo foi um festival que reuniu cerca de 40 mil pessoas em Porto Alegre em 1984 para assistir a apenas bandas gaúchas e, depois, o Rock Unificado, festival em 1985 com a presença de Tadeu Valerio, olheiro da RCA, que após visualizar um Gigantinho lotado para ver nomes como Replicantes, Garotos da Rua, TNT e Engenheiros do Hawaii, entre outras, contratou as quatro bandas mais o DeFalla por insistência de seu amigo e contato em POa, Claudinho Pereira.

Engenheiros do Hawaii

São duas músicas de cada banda, e entre os hits estão “Surfista Calhorda”, dos Replicantes, e “Tô de Saco Cheio”, dos Garotos da Rua, que tocaram muito naquele ano. Em menor escala aparece “Sopa de Letrinhas”, dos Engenheiros, e “Segurança”, presente neste álbum em sua primeira versão, com letra modificada (e rimas “imperdíveis” como “ele tinha uma CB, usava roupas OP” e “ele era forte, tinha um Escort”). As cinco bandas conseguiram contratos com a RCA, no inaugurado selo Plug, com direito a três discos cada uma (só a DeFalla gravou dois), e o marco desse “pau de sebo” foi tão grande que ele ganhou um documentário especial nos 30 anos de seu lançamento.

“Rock Forte”, 1987 (Plug)
Tentando repetir o êxito do “pau de sebo” gaúcho, a RCA mergulhou nas Minas Gerais no ano seguinte e saiu de lá com uma das melhores coletâneas de bandas novas de todo o período, e ainda que “Rock Forte” (produzida por Chico Neves) não tenha tido a mesma resposta de sucesso nacional (ainda que tenha feito barulho localmente) e representatividade de “Rock Grande do Sul”, permanece sendo uma pepita bruta que merece ser descoberta. São seis bandas, cada uma com duas músicas – no mesmo esquema da “Rock Voador”. As duas principais bandas presentes no álbum trazem um nome em comum: John Daniel Ulhoa, que viria a montar o Pato Fu nos anos 90, e aqui toca guitarra na poética Último Número e na sensacional Sexo Explicito – John gravaria o primeiro disco da Último Número, que sairia de maneira independente pela Cambio Negro (“Strip-Tease da Alma”, 1987 – a faixa título está presente em “Rock Forte” junto com outro cavalo de batalha da banda, “A Divina Comédia (O Jogo da Amarelinha)”) e sairia antes da gravação do maravilhoso segundo disco, “Filme” (Cambio Negro, 1988), para se dedicar ao Sexo Explicito, que lançaria dois álbuns matadores pela Eldorado: “Combustível Para O Fogo” (1989) e a obra prima “O Disco Dos Mistérios Ou 3 Diabos E ½ Ou Sexplícito Visita O Sítio Do Pica-Pau Amarelo Ou Tributo A H. Romeu Pinto” (1991) – canções da banda apareceriam no repertório do Pato Fu, como “O Filho Predileto De Rajneesh (Ou O Apetite Da Mulher)” e (a inédita) “A Necrofilia da Arte”. O sucesso regional de “Rock Forte” foi “Manha e Malícia”, da banda Pouso Alto, que trazia em suas fileiras Samuel Alvarenga (futuro Samuel Rosa) e Henrique Portugal, que juntos fariam ainda mais sucesso com o Skank (futuramente). “Rock Forte“ ainda destaca o hard rock competente da Kamikase (“Machado de Guerra” foi um hino do gueto metal), Agencia Tass (que chegou a lançar um disco ]cheio pela RGE em 1989) e a stoniana Serpente. O álbum nunca foi lançado em CD nem em digital, mas causou um alvoroço nas Minas Gerais.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne.

Leia também:
– Rock Brasil, 10 Perolas (Picassos Falsos, Black Future, Mercenarias, Nau), 30 Anos (leia aqui)
– Rock Brasil, 10 Discos (Legião, RPM, Ira!, Ultraje, Sepultura), 30 Anos (leia aqui)
– Assista ao documentário sobre o disco “Rock Grande do Sul, 30 Anos” (leia aqui)
– O rock nacional anos 80 e a Censura Federal (Blitz, Lobão, Ultraje) (leia aqui)

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