Boteco: Cinco estados brasileiros, 11 cervejas

por Marcelo Costa

Abrindo mais uma série cervejeira por São Paulo, com a Dogma, que, apesar de ser da capital e ter seu próprio tasting room no bairro de Santa Cecilia, produz comercialmente na fábrica da Startup Brewing, em Itupeva, no interior do estado. Das cervejarias favoritas da casa, a Dogma ressurge aqui com sua Brut IPA, a Hop Brut, uma cerveja bastante seca (por isso o nome) que, neste caso, apresenta uma coloração dourada cristalina com creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, bastante frutado e cítrico (algo de abacaxi e pessego), azedume cítrico (limão e uva verde) e uma doçura que sugere baunilha, ainda que não exista adição na receita. Na boca, doçura herbal leve no primeiro toque seguida de azedume suave (limão), frutado (abacaxi, pêssego, uva verde), bastante secura e absolutamente nada de amargor e de (7.5% de) álcool. A textura é suave, quase meladinha. Dai pra frente, uma Brut IPA deliciosa, com muita presença de lúpulo (oferecendo cítrico e herbal), secura e azedinho. No final, secura intensa e herbal. No retrogosto, herbal e casca de limão. Baita.

A segunda da Dogma é mais uma da badalada linha Lover da casa, que valoriza os lúpulos únicos (várias delas já passaram por aqui e aqui e aqui também). Desta vez, o foco é o lúpulo australiano Vic Secret. O resultado é uma cerveja dourada translucida com creme branco de ótima formação e retenção. No nariz, pegada cítrica em primeiro plano sugestionando abacaxi (destacado) e maracujá com, ainda, leve percepção herbal e também de pêssego. Há, ainda, leve doçura de mel. Na boca, doçura de mel rápida no primeiro toque, mas, ainda assim, seduzida por algo que remete a anis, que adentra o percurso em meio a sugestão de abacaxi, pinho e pêssego. O amargor é marcante, mas nada intimidante. Já a textura é sedosa e bastante picante (percebe-se um tiquinho dos 8.2% de álcool facilmente dançando sobre a língua). Dai pra frente, mais uma baita Lover, mas, aparentemente, inferior. No final, bastante doçura, amargor leve e meladinho. No retrogosto, pêssego, mel e amargor leve.

Da São Paulo para Rio Negrinho, em Santa Catarina, cidade que abriga a micro cervejaria Locomotive Brew, que marca presença com sua Juicebox, uma New England IPA com triplo dry-hopping. De coloração amarela bastante turva, escura, não muito bonita, e creme branco espesso de boa formação e retenção, a Locomotive Brew Juicebox apresenta um aroma intensamente frutado, tropical, com sugestão de laranja em destaque e leve remissão a manga na base. Há percepção de doçura, mas ligada à fruta. Na boca, doçura frutada remetendo a laranja no primeiro toque seguido de mais tropicalidade, cítrico, laranja, manga e amargor presente, mas comportadíssimo, 52 IBUs que não incomodam o bebedor. A textura é cremosa e levemente picante. Dai pra frente, uma deliciosa NE IPA tropical, com amargor baixíssimo, cremosidade envolvente e muito, muito sabor. No final, laranja e picância. No retrogosto, picância de levedura, casca de laranja, laranja e notas tropicais. Uma delícia.

A segunda dos catarinenses da Locomotive Brew é a Soft Clouds, uma New England IPA que destaca o uso dos lúpulos Simcoe e Amarillo. De coloração amarelo turva, bastante feia tal qual caldo de cana passado devido a oxidação, e com creme branco de boa formação e retenção, a Locomotive Brew Soft Clouds começa a acertar o caminho no aroma, que apresenta uma sugestão caprichada de doçura frutada remetendo a pêssego e manga. Na boca, doçura açucarada no primeiro toque com algo que remete a baunilha seguida de uma pegada de amargor e, então, bastante frutado com predomínio de pêssego, mas também percepção de manga. Os 33 IBUs parecem um pouco baixos pro conjunto (é possível chegar a 50, mas não intensos, ainda que se destaquem mais do que o esperado em uma NEIPA). A textura, por sua vez, é cremosa, suave. Dai pra frente, segue-se o perfil de uma cerveja bastante saborosa, ainda que, aparentemente, desiquilibrada. No final, doçura e amargor leve. No retrogosto, mais doçura e pêssego e manga.

De Santa Catarina para Fortaleza, no Ceará, casa da Bold Brewing, que produz suas latas na Cervejaria Dádiva, em Varzea Paulista, São Paulo, primeiro com a Julius Shine, uma New England Single Hop IPA com duplo dry-hopping que utiliza uma variedade nova de lúpulo, o Julius, plantado em Minnesota, nos EUA. De belíssima coloração amarela, juicy, com um creme branco espesso de ótima formação e retenção, a Bold Brewing Julius Shine apresenta um aroma espetacular que combina notas frutadas (uma caixa de laranja, com um pouco de percepção de casca, mas também pêssego e maracujá), doçura (baunilha e açúcar de pão doce) e um delicado floral. Na boca, doçura rápida seguida primeiro de picância de levedura e depois uma oferta generosa de frutas (predomínio de laranja, mas também pêssego e abacaxi). O amargor é um pouco elevado para os padrões Juicy, mas desce que é uma beleza. Já a textura é cremosa, sedosa e picante. Dai pra frente, uma NEIPA absolutamente incrível, frutada, picante, sedosa, saborosa. No final, leve anis, pêssego e resina. No retrogosto, um tiquinho de resina, abacaxi e laranja. Ela perde um pouquinho no final, mas é sensacional.

A segunda dos cearenses da Bold Brewing é a Big Break, uma Double Oatmeal NE IPA com muita aveia mais os lúpulos Galaxy, Citra, Mosaic e El Dorado. De (novamente) belíssima coloração amarela, juicy tal qual um suco de laranja exprimido na hora, com um creme branco espesso de ótima formação e retenção, a Bold Brewing Big Break apresenta um aroma frutadíssimo que combina sugestões intensas de tangerina e manga, destacadas, mais pêssego e limão sutis, mas facilmente perceptíveis. Há, ainda, leve doçura, mas menor que a sentida na Julius Shine. Na boca, doçura frutada (tangerina) no primeiro toque seguido de uma pancada deliciosa de frutas (tangerina, laranja, manga e pêssego) com amargor mais comportado do que a anterior (e mais adequado ao estilo). A textura é suave e levemente picante. Dai pra frente, uma DIPA incrível, mas, por mais que o conjunto sugira muito mais equilíbrio que a maravilhosa cerveja anterior, no geral a Julius Shine parece brilhar mais que a Big Break, que é incrível, ainda mais comparada com o que está disponível no mercado nacional, mas que aqui perde pra sua irmã. No final, doçura e limão. No retrogosto, mais limão e então abacaxi, manga, tangerina e pêssego.

De Fortaleza para o Rio de Janeiro com a primeira de duas Three Monkeys, produzidas em Guapimirim: a primeira é a Hop Dust Citra, terceira cerveja de uma série de New England Double IPAs feitas com Lupulin Powder, uma espécie de lúpulo em pó concentrado – as anteriores foram a Hop Dust e a Hop Dust Shock. De coloração amarela, juicy tal qual um suco de laranja exprimido na hora, com um creme branco espesso de ótima formação e retenção, a Three Monkeys Hop Dust Citra apresenta um aroma com intenso frutado saltando pra fora da taça, começando com casca de laranja e limão com toques de pêssego, manga, lichia, abacaxi e grapefruit. Na boca, um suco de limão e grapefruit no primeiro toque seguido de mais frutas (as duas mais laranja, casca de laranja, pêssego e manga). O amargor (55 IBUs) é bastante confortável, os 7% de álcool não aparecem e a textura é suave, cremosa. Dai pra frente, uma DIPA classuda, com azedinho que remete a limão, leve sugestão de grapefruit e muita refrescancia. Uma delicia que finaliza azedinha e levemente herbal. No retrogosto, limão e casca de laranja.

A segunda da Three Monkeys é mais uma da linha I’m Sour da casa: já passaram por aqui a I’m Sour, a I’m So Sour e a I’m Fucking Sour, e agora é a vez da I’m Damn Sour, uma keetle sour com pitaya e maracujá que apresenta uma coloração âmbar alaranjada com creme branco de boa forma. No aroma, a Three Monkeys I’m Damn Sour oferta uma pancada de maracujá “temperados” com frutas vermelhas e pitaya. Há, ainda, leve doçura cítrica. Na boca, maracujá, muito maracujá no primeiro toque, seguido de mais maracujá, uma pitada de frutas vermelhas e adstringência. Não há amargor, mas a acidez da fruta enche a boca d´agua. A textura é levemente frisante, picante. Dai pra frente, um suco delicioso de maracujá com leve presença de frutas vermelhas e acidez moderada – assim como as demais da série, a impressão é que a acidez vem mais da fruta do que da levedura. No final, azedinho e secura. No retrogosto, adstringência leve, maracujá e refrescancia.

Fechando essa série com duas cervejas do clube Madlab, da Wäls, editadas para os associados em agosto de 2019: a Dr. Jekyll e a Mr. Hyde, que, depois misturadas, rendem uma terceira cerveja. Do começo com a Dr. Jekyll, cuja receita traz milho, ácido cítrico e uma levedura experimental. De coloração mais para o dourado, mas com traços de amarelo palha, e creme branco efervescente, que sobe rápido e desaparece mais rápido ainda, a Wäls MadLab Dr. Jekyll apresenta um aroma levemente frutado, com remissão a espumante e sugestões de uva verde, casca de limão, abacaxi, acidez e doçura leve. Na boca, doçura frutada no primeiro toque (uva verde e abacaxi), leve acidez e efervescência de espumante na sequencia, leve remissão a Brut IPA, mas sem pegada de lúpulo. O amargor praticamente não existe, 15 IBUs de figuração. Já a textura cumpre tudo que aroma e paladar adiantavam, com efervescência leve, mas marcante. Dai pra frente, uma cerveja levemente ácida, mas distante de um perfil Sour, e interessante. No final, uva verde e abacaxi. No retrogosto, leveza, doçura e refrescancia.

A outra do clube MadLab, da Wäls, é a Mr. Hyde, cuja receita base é idêntica a da Dr. Jekyll, com apenas a adição de flor de cunhã, folha lilás comestível de sabor neutro também conhecida pelo nome de feijão-borboleta, diferenciando uma da outra. De belíssima coloração lilás e creme branco que sobe rápido e desaparece mais rápido ainda, a Wäls MadLab Mr. Hyde empilha as mesmas notas que a Dr. Jekyll, mas de maneira muito mais sutil, quase insipida, com uva vermelha, acidez, doçura presentes, ainda que aparentemente nulos. Na boca, um perfil bastante diferenciado da anterior, com certa doçura no primeiro toque, uva discreta na sequencia (o abacaxi e a casca de limão decidiram não participar desta cerveja) e leveza de água saborizada. Nada de amargor, pelo contrário, se colocassem 0 IBUs seria mais justo. A textura apresenta acidez bastante sútil, e leveza. Dai pra frente, uma cerveja que parece mais água saborizada com flor. Não é ruim, soa até interessante pela proposta, mas deixa bastante a desejar como cerveja. No final, quase nada. No retrogosto, refrescancia.

Agora a junção das duas, a Dr. Jekyll e a Mr. Hyde na mesma proporção na mesma taça. A coloração lilás cristalina da Mr. Hyde se torna mais translucida na junção, e o creme branco se o padrão de formação e desaparecimento, ainda que aqui consiga segurar um tiquinho a mais. No aroma, o meio do caminho entre as notas mais presentes da primeira e a quase nulidade da segunda, ou seja, uma certa moderação na versão Dr. Jekyll, que ainda mantém nuances de uva vermelha, casca de limão e abacaxi, mas um tiquinho mais distantes. No paladar, a mesma sensação: doçura leve no primeiro toque com presença de uva na sequencia, abacaxi e casca de limão diluídos, e algo que remete a jabuticaba, ainda então não presente nas duas. A efervescência também diminui, e o amargor se mantém distante. Já a textura pende mais a primeira, com leve efervescência que não marca presença na segunda. Dai pra frente, uma cerveja melhor que a Mr. Hyde, e no nível da Dr. Jekyll. A brincadeira toda soa interessante, mas o resultado é meio decepcionante tanto quanto óbvio. No final, uva vermelha leve. No retrogosto, refrescancia e doçura.

Dogma Hop Brut
– Produto: Brut IPA
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 7.5%
– Nota: 4.00/5

Dogma Vic Secret Lover
– Produto: Imperial IPA
– Nacionalidade: São Paulo, SP
– Graduação alcoólica: 8.2%
– Nota: 3.69/5

Locomotive Brew Juicebox
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Rio Negrinho, SC
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3.75/5

Locomotive Brew Soft Clouds
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Rio Negrinho, SC
– Graduação alcoólica: 6.8%
– Nota: 3.41/5

Bold Julius Shine
– Produto: New England IPA
– Nacionalidade: Salvador, CE
– Graduação alcoólica: 6.3%
– Nota: 4.34/5

Bold Julius Shine
– Produto: New England Double IPA
– Nacionalidade: Salvador, CE
– Graduação alcoólica: 8%
– Nota: 4.07/5

Three Monkeys Hop Dust Citra
– Produto: New England Double IPA
– Nacionalidade: Rio de Janeiro, RJ
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 4.02/5

Three Monkeys I’m Damn Sour
– Produto: Sour
– Nacionalidade: Rio de Janeiro, RJ
– Graduação alcoólica: 6.3%
– Nota: 3.47/5

Wäls MadLab Dr. Jekyll
– Produto: Sem estilo definido
– Nacionalidade: Belo Horizonte, MG
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3.40/5

Wäls MadLab Mr. Hyde
– Produto: Sem estilo definido
– Nacionalidade: Belo Horizonte, MG
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2.77/5

Wäls MadLab Dr. Jekyll & Mr. Hyde
– Produto: Sem estilo definido
– Nacionalidade: Belo Horizonte, MG
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3.12/5

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– Top 2001 Cervejas, por Marcelo Costa (aqui)
– Leia sobre outras cervejas (aqui)

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