Três livros: “Piano Vermelho”, “Infinita Highway” e “Noturnos”

Resenhas por Adriano Mello Costa

“Piano Vermelho”, Josh Malerman (Editora Intrínseca)
Um som poderoso que causa danos tremendos a quem escuta aparece na África sem maiores explicações. O exército estadunidense fica preocupado com o que pode ser uma nova arma a ser utilizada contra o país e por conta desse poder pensa evidentemente em reverter isso a seu favor. O cenário é os anos 50 e depois de algumas tentativas de descobrir mais sobre o som, o exército resolve apelar para músicos que também são soldados e serviram na Segunda Guerra Mundial. Esses músicos formam os Danes, uma banda de Detroit que teve um grande sucesso e hoje paga as contas gravando outras bandas no próprio estúdio. Essa é a premissa de “Piano Vermelho” (“Black Mad Whell”, no original), lançado em 2017 e que ganha edição tupiniquim pela editora Intrínseca com 320 páginas e tradução de Alexandre Raposo. Obra do escritor e músico Josh Malerman, “Piano Vermelho” é o sucessor de “Caixa de Pássaros”, um thriller psicológico que rendeu boas vendas e críticas. Intercalando passagens ocorridas na África e as que vieram após isso, o autor tenta montar um mosaico de mistério sobre o que realmente representa o som, contudo faz isso de maneira nada objetiva, inserindo capítulos que servem somente para crescer o número de páginas e nada mais. A narrativa simples e sem muitos floreios – que podia ser um mérito quanto ao ritmo – não rende o esperado e deixa a obra com aquele sabor de descartável. Para dizer que não há bons momentos, a amizade dos membros dos Dunes rende bem e podia ter sido mais explorada em contrapartida ao mistério que expõe. E depois de heroicamente se chegar ao final do livro, a revelação do tal mistério é bem chinfrim. Emulando questões temporais, existenciais e pessoais, aumenta ainda mais o sentimento de tempo perdido quando se chega ao final do último parágrafo.

Nota: 3 (Leia um trecho diretamente do site da editora)

“Infinita Highway: Uma Carona com os Engenheiros do Hawaii”, de Alexandre Lucchese (Belas Letras)
Dentro do rock nacional surgido na abertura política dos anos 80, a banda Engenheiros do Hawaii era difícil de compreender. Tendo a figura controversa de Humberto Gessinger à frente, o trio vendeu mais de 100 mil exemplares de todos os discos da estreia de 1986 (“Longe Demais das Capitais”) até 1993 (“Filmes de Guerra, Canções de Amor”) e estourou com “O Papa é Pop”, de 1990, que a levou para estádios, programas dominicais e tudo mais. Humberto colocou em livro em 2009 (“Pra Ser Sincero”) uma boa parte das aventuras desde o primeiro show, mas isso do ponto de vista dele, o que deixou de fora fatos menos louváveis em uma trajetória. Lançado em 2016, “Infinita Highway: Uma Carona com os Engenheiros do Hawaii”, do jornalista gaúcho Alexandre Lucchese, tem a missão de dissecar esse fenômeno de modo mais amplo e explicar tamanha adoração pelo grupo e seu dono até hoje, uma vez que Humberto continua fazendo shows cheios pelo Brasil, mesmo que em intensidade menor. Com extenso trabalho de pesquisa, 328 páginas e publicação da editora Belas Letras, o livro apresenta a banda desde a formação em 1985, que seria para um único show, até “Simples de Coração”, disco de 1995 que foi o último do baterista Carlos Maltz. Entre o vislumbre, a inadequação e o profissionalismo, Lucchese nos mostra perfis de artistas talentosos, mas pouco a vontade com o processo da música como negócio. Narra também as saídas de Carlos Stein (que depois fundaria o Nenhum de Nós), de Marcelo Pitz (baixista da estreia) e principalmente de Augusto Licks, o ótimo e experiente guitarrista que transformou a música do grupo. É um livro indicado para fãs, mas que não consegue avançar além, trazendo observações repetidas sem meter o dedo nas feridas com a intensidade que se esperava, além de ter decisões questionáveis como inserir depoimentos de fãs totalmente desnecessários. Assim como a banda, alterna boas e interessantes passagens com outras tão chatas como as músicas mais enfadonhas do grupo.

Nota: 5 (leia um trecho do livro)

Leia também
– Alexandre Lucchese: “Os guris não deviam ser fáceis de trabalhar” (aqui)
– Download: Scream & Yell lança tributo aos Engenheiros do Hawaii (aqui)
– Ao vivo: Humberto Gessinger segue em frente dignamente (aqui)
– Humberto Gessinger: “Não há planos para nenhuma volta dos EngHaw” (aqui)
– Carlos Maltz: “Eu não sou uma pessoa muito equilibrada, sabe?” (aqui)

“Noturnos – Histórias de Música e Anoitecer”, de Kazuo Ishiguro (Cia das Letras)
Kazuo Ishiguro nasceu no Japão, mas ainda criança se mudou para a Inglaterra com a família. Lá virou escritor e produziu obras como “Os Vestígios do Dia”, “Não Me Abandone Jamais” e “O Gigante Enterrado”, vendendo alguns milhões de exemplares pelo mundo com eles. Em 2017 ganhou o prêmio Nobel de Literatura, o que levou a Companhia das Letras a republicá-lo. Uma dessas republicações foi “Noturnos – Histórias de Música e Anoitecer” (“Nocturnes – Five Stories of Music and Nightfall”), lançado originalmente em 2009. O livro é um “Ishiguro menor”, digamos assim, composto por cinco contos que apresentam a música como condutora, seja por um praticante em início de carreira, seja por um artista calejado fazendo o impensável para obter sucesso ou mesmo um amante de velhas canções estadunidenses perdido pela vida e jogado no meio de uma complicada situação. Com tradução de Fernanda Abreu e 216 páginas, essa reedição (a editora já o havia lançado aqui em 2010) dá chance para novos leitores conhecerem um trabalho que se não carrega o tom sublime das obras mais famosas do autor, apresenta uma prosa repleta de melancolia que, por mais triste que possa ser, ainda carrega alguma beleza. Em todos os contos temos a vida passando e deixando feridas abertas, algumas que já doeram tanto que hoje já nem se sente mais nada, o tempo cuidou de amortecer tudo. Dos cinco contos, os maiores destaques ficam com “Crooner” e “Celistas” onde essa melancolia assume tons de acentuada desilusão e que a música retrata isso de maneira tão delicada. “Noturnos” serve também para que novos leitores se aproximem mais da obra de Kazuo Ishiguro, buscando ir além. É um livro para ler com uma bebida na mão e um disco antigo tocando na vitrola suavemente.

Nota: 7,5

Leia também
– “O Gigante Enterrado” é um trabalho construído com audácia e ousadia por Kazuo Ishiguro, (aqui)

– Adriano Mello Costa assina o blog de cultura Coisa Pop: http://coisapop.blogspot.com.br

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