Boteco: 10 países 10 cervejas

por Marcelo Costa

De Brookvale, no subúrbio de Sydney, na Austrália, surge a Nomad, cervejaria criada em 2014 que começa a despontar no cenário local. A primeira de duas a passar por aqui é a Freshie Salt & Pepper, uma Gose com sal marinho e pimenta da Tasmânia. O liquido é dourado levemente turvo e surpreende, já que a garrafa é toda preta e não deixa ao bebedor antecipar a cor, que se destaca na taça. O creme é branco ralinho e rapidamente se dispersa (como em toda Gose). No nariz, um aroma delicadamente frutado e cítrico com leve presença de condimentação (coentro) que pode enganar num teste cego (ainda que haja um discreto toque salgado que a diferencie de uma Witbier). Na boca, a textura começa arisca, picante e vai amaciando. O primeiro toque oferece frutado cítrico suave seguido de salgado comedido. O amargor é baixo, a acidez é rara e o conjunto, daqui pra frente, soa refrescante e saboroso, ainda que menos Gose do que uma Gose tradicional. O final é refrescante. No retrogosto, coentro e leve cítrico.

Da Austrália para a Alemanha com um clássico da Baviera, a Franziskaner Weissbier Kristallklar, uma tradicional German Kristallweizen (ou seja, uma Weiss filtrada) de coloração dourada com creme branco de ótima formação e média alta retenção. No nariz, tudo o que se espera do estilo: sugestão frutada que remete a banana, percepção condimentada que sugestiona cravo mais doçura de trigo e algo que traz a memória pão e biscoito. Na boca, a textura é cremosa e levemente picante. O primeiro toque não engana: estamos diante de uma Weiss com banana em destaque seguida de leve picância de cravo e doçura de caramelo. O amargor é baixo, mas eficiente, abrindo as portas para um conjunto bastante agradável, que segue o perfil frutado e condimentado que aroma e primeiro toque adiantam. O final é altamente refrescante. Já o retrogosto mantém as características principais do estilo: banana, cravo e doçura suave. Boa!

Da Alemanha para o Brasil com mais uma Heilige a passar por este espaço (após três parcerias confusas com a Suricato, uma Saison mediana e uma boa colaborativa com a Seasons), a Double Red Ale lupulada da casa, que antes só existia em torneira, e foi engarrafada para o clube cervejeiro WBeer. De coloração âmbar avermelhada com creme bege claro de boa formação e média alta retenção, a Heilige Double Red Ale exibe um aroma com bastante doçura de caramelo queimado. Ainda é possível perceber uma leve condimentação (canela) e um toque cítrico interessante, que não se abre, mas acrescenta à paleta aromática. Na boca, a textura é áspera e picante. O primeiro toque oferece caramelo seguido de leve cítrico. Os 55 IBUs não conseguem se sobrepor ao caramelo, que domina o conjunto, ainda que o lúpulo oferece boas notas cítricas e herbais. No final, doçura. No retrogosto, caramelo e leve cítrico. Boa!

Do Rio Grande do Sul para o Brabante Flamengo belga, mais propriamente Beersel, com um rótulo da cervejaria que leva o nome da cidade, ainda que a cerveja seja produzida na Huyghe, responsável pela mítica linha Delirium Tremens. No caso desta Oud Beersel Bersalis Kadet, trata-se de uma Blonde Ale de coloração mais pra âmbar clara do que dourada com creme branco de boa formação e retenção. No nariz, predomínio de malte sugerindo biscoito, trigo, pão e caramelo acompanhados de uma leve percepção herbal. Na boca, a textura é metálica e levemente frisante. O primeiro toque reforça o domínio do malte, com doçura caramelada seguida de amargor bem leve e refrescante. Dai pra frente surge um conjunto discreto, maltado (um pouco em excesso) e refrescante, que finaliza de maneira seca. No retrogosto, um leve traço metálico, biscoito e caramelo.

Da Bélgica para os Estados Unidos com mais uma representante da Founders Brewing, de Grand Rapids, Michigan, a passar por este espaço. Desta vez é a Azacca IPA, cerveja lançada no primeiro semestre de 2015 e que se notabiliza pelo uso do lúpulo norte-americano Azzaca. Trata-se de uma cerveja de coloração âmbar alaranjada com creme bege clarinho de boa formação e média alta retenção. No nariz, notas cítricas deliciosas sugerem tangerina, manga, toranja e maracujá além de leve aceno herbal (grama) sobre uma base suave de caramelo. Na boca, a textura é levemente picante. O primeiro toque oferece rápida doçura de caramelo logo atropelada por uma salada de frutas cítricas e, então, uma boa dose de amargor, que não soa os 70 IBUs que a casa adianta (50 está de bom tamanho), mas é longo e arrastado. Dai pra frente, mais cítrico, mais amargor, mais doçura num conjunto bastante caprichado. O final é seco e amarguinho. No retrogosto, toranja, manga, tangerina, caramelo e amargor. Delícia.

Dos Estados Unidos para Grängesberg, na Suécia, casa da Brutal Brewing, que já havia passado por aqui com a refrescante Flat Tire e agora é representada pelo Pistonhead Full Amber, uma Vienna Lager com dry-hopping de lúpulos Citra e Cascade. De coloração âmbar caramelada com creme bege espesso de boa formação e média retenção, a Pistonhead Full Amber exibe um aroma que busca combinar as esperadas notas de doçura maltada do estilo com o frutado cítrico derivado do dry-hopping além de leve percepção de especiarias (canela e pimenta). Na boca, textura levemente picante. O primeiro toque traz caramelo e logo no segundo seguinte uma interessante pegada cítrica. O amargor é médio (35 IBUs) e surpreende abrindo as portas para um conjunto maltado, levemente amargo e cítrico. No final, amargor suave e caramelado. Já o retrogosto acrescente leve frutado, aridez terrosa e amargor leve.

Da Suécia para a República Tcheca com a décima Primator, de Náchod, cidade de pouco mais de 20 mil habitantes (a cerca de duas horas da capital Praga), a passar por este espaço: e a India Pale Ale da casa, com um dos países responsáveis pela disseminação do estilo Pilsener rendendo-se a escola norte-americana. De coloração âmbar translucida com creme branco de boa formação e permanência, a Primator India Pale Ale exibe um aroma com mais malte do que lúpulo remetendo a palha seca, biscoito, caramelo e grama cortada. Na boca, textura quase melada com picância posterior. O primeiro toque traz rápida doçura com assertividade herbal construindo um perfil interessante que adianta a porrada de 66 IBUs de amargor, que abre caminho para uma IPA meio desajeitada, mas, ainda assim, India Pale Ale. O final é amargo e caramelado. No retrogosto, picância, amargor e leve doçura. Interessante.

Da República Tcheca para Okinawa, no Japão, casa da Orion Breweries Limited, cervejaria fundada em 1957 que, hoje, é a quinta maior do país, representando 1% do mercado japonês. Uma mudança estratégica foi decisiva para a popularização da Orion: eles começaram fazendo cervejas nos estilo alemão, e mudaram para um estilo norte-americano, o Standard American Lager, da qual essa Orion Draft Beer (com malte de trigo, arroz e amido de milho na receita) é representante. Na taça, uma cerveja de coloração dourada exibe um creme branco de boa formação e média retenção. No nariz, sugestão de feno, trigo, arroz e leve doçura caramelada. Na boca, a textura é levemente áspera. O primeiro toque traz caramelo e arroz. É possível perceber leve metálico também. O amargor é baixo e abre caminho para um conjunto simples com caramelo, arroz e amargor suave (além do metálico).

Do Japão para o Reino Unido, mais precisamente para Preston, cidade de 132 mil habitantes no distrito de Lancashire, casa da moderna fábrica da Samlesbury Brewery, nascida em 1972 para produzir Heineken e, hoje, responsável por Bitters famosas na ilha como a Boddington’s Bitter e esta Bass Pale Ale, que após a fábrica ser vendida para a InBev, passou a circular pelos países “dominados” pela mega empresa, Brasil incluso. A Bass Pale Ale é uma Bitter tradicional com coloração âmbar caramelada e creme bege clarinho de boa formação e longa retenção. No nariz, as notas clássicas do estilo: biscoito, caramelo, malte e mel. Há, ainda, percepção leve de nozes. Na boca, a textura é levemente frisante com um pouco de metálico. O primeiro toque oferece caramelo seguido de biscoito e amargor herbal bem suave. Dai pra frente, uma Bitter tradicional oferecendo caramelo e amargor na medida para se degustar o dia todo (na Inglaterra). O final é quase inexpressivo, com doçura e amargor discretos. O retrogosto oferece um pouco mais de animo em uma cerveja básica.

Da Inglaterra para a Argentina com a segunda cerveja Barba Roja a passar por este espaço (a primeira foi a Double Bock Winner!), a Orange Beer, uma Radler que recebe adição de extrato de laranja e tem apenas 2.5% de álcool – como pede o estilo. De coloração âmbar caramelada com creme bege clarinho de baixa formação e rápida dispersão a Barba Roja Orange Beer exibe um aroma que remete diretamente a suco de laranja (desses de caixinha) oferecendo ainda um delicado toque de doçura maltada caramelada. Na boca, a textura é levemente frisante. O primeiro toque oferece doçura caramelada seguida de acidez cítrica (laranja) e um amargor baixíssimo. Dai pra frente o conjunto alterna doçura (caramelo) e cítrico (laranja) com suave remissão a geleia de laranja. O final é doce e cítrico, percepção que o retrogosto replica de maneira refrescante. Boa para o estilo.

Balanço
Se você está atrás de uma Gose, talvez se decepcione com a Nomad Freshie Salt & Pepper, que não é nem Gose e nem apimentada, mas ainda assim interessante e refrescante. Só ficou devendo no estilo (ou está desejando pegar os bebedores iniciantes sem assusta-los). Já a a Franziskaner Weissbier Kristallklar é tudo o que você espera de uma cerveja de trigo da Bavária: banana, cravo e leve doçura de trigo. Não é novidade, mas se você acha que é fácil fazer uma boa cerveja de trigo tenta fazer em casa (hehe). A brasileira Heilige Double Red Ale é bem interessante, mas o lúpulo não consegue se sobrepor ao malte, o que não atrapalha o resultado final – só decepciona quem esperava mais presença de lúpulo. A Oud Beersel Bersalis Kadet é uma belga esquecível, maltada demais. Honrando o nome Founders, a Azacca IPA oferece um conjunto bastante equilibrado entre frutas cítricas, doçura maltada e amargor. Uma delícia. A sueca Pistonhead Full Amber é uma Vienna Lager lupuladinha, nada muito excessivo, mas interessante. A Primator India Pale Ale soa mais interessante pelo histórico: tchecos tentando fazer American Indian Pale Ale. O resultado é médio, mas abre caminho para um interessante tema de discussão sobre influências e coisas assim. Já a Orion Draft Beer é uma Premium American Lager japonesa com trigo, arroz e milho. Interessante para beber uma vez. Uma vez. Já a inglesinha Bass Pale Ale é uma Bitter como outra qualquer. Não acrescenta nada, nem tira nada do estilo que é bacana lá na Inglaterra. Lá na Inglaterra. Fechando o passeio, uma Radler argentina que honra o estilo com doçura e cítrico. Boazinha!

Nomad Freshie Salt & Pepper
– Produto: Gose
– Nacionalidade: Austrália
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 3,29/5

Franziskaner Weissbier Kristallklar
– Produto: German Kristallweizen
– Nacionalidade: Alemanha
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 3,31/5

Heilige Double Red Ale
– Produto: Red Ale
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3.29/5

Oud Beersel Bersalis Kadet
– Produto: Blond Ale
– Nacionalidade: Bélgica
– Graduação alcoólica: 4.5%
– Nota: 2,58/5

Founders Azacca IPA
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 7%
– Nota: 3,42/5

Pistonhead Full Amber
– Produto: Vienna Lager
– Nacionalidade: Suécia
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,17/5

Primator India Pale Ale
– Produto: India Pale Ale
– Nacionalidade: República Tcheca
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 2,98/5

Orion Draft Beer
– Produto: Standart American Lager
– Nacionalidade: Japão
– Graduação alcoólica: 5%
– Nota: 2.31/5

Bass Pale Ale
– Produto: Bitter
– Nacionalidade: Inglaterra
– Graduação alcoólica: 4.4%
– Nota: 2,73/5

Barba Roja Orange Beer
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: Brasil
– Graduação alcoólica: 2.5%
– Nota: 2,39/5

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