Boteco: 10 cervejas Made in USA

por Marcelo Costa

Abrindo uma série de cervejas norte-americanas compradas (e, nove delas, bebidas) em Nova York com uma releitura do estilo Witbier pela Samuel Adams, de Boston, Massachusetts, com uma Imperial White que recebe adição de casca de limão e laranja, ameixa seca, coentro, anis, pimenta-da-guiné, hibisco, rosa mosqueta, tamarindo e baunilha alcançando incríveis 10.3% de álcool (o que já a coloca no estilo Belgion Strong Ale). De coloração âmbar caramelada com creme clarinho de boa formação e alta retenção, a Samuel Adams Imperial White exibe um aroma simplista para quem adiciona tanta coisa na receita. No caso, só fica timidamente as cascas de laranja, leve cravo e sugestão de banana, provável derivada da levedura. Na boca, textura sedosa, quase licorosa, e picante. O primeiro toque traz rápida doçura de caramelo seguida de picância alcoólica e de especiarias. O amargor é alcoólico abrindo caminho para um conjunto doce (mel e caramelo), frutado (banana) e muito pouco temperado. O final oferece melado e calor alcoólico. No retrogosto, bananada. Esperava mais dessa cerveja.

A segunda da lista é de Fort Collins , no Colorado, da badalada New Belgium, fundada em 1991, e que em 2011 foi a terceira maior vendedora de cerveja artesanal nos EUA. Essa Citradelic é uma Tangerine India Pale Ale que utiliza lúpulo Citra e casca de tangerina (com Mandarina Bavaria, Azzaca e Galaxy como lúpulos secundários). De coloração âmbar translucida com creme branco de boa formação e permanência, a New Belgium Citradelic exibe um aroma que se divide entre notas cítricas (tangerina e também limão) e resinosas com aconchegante doçura de caramelo na base. Na boca, textura picante e áspera. O primeiro toque aposta na citricidade do lúpulo e da casca da tangerina seguidos de rápido mel, resina e amargor potente e cristalino (50 IBUs). Dai em diante, um cerveja altamente refrescante e com muito cítrico. O final é amargo. No retrogosto, leve resina mais tangerina e limão. Boa.

Do Brooklyn, em Nova York, a fama da Broolyn Brewery se espalhou rapidamente tornando-a uma das artesanais made in USA mais conhecidas no mundo. Produzida especialmente para a Comic-Com New York 2015, a Defender IPA fez bastante sucesso, o que garantiu sua presença na linha oficial ganhando uma reedição em 2016 – com um novo super-herói em destaque. De coloração âmbar avermelhada com creme bege clarinho quase branco de boa formação e permanência, a Defender IPA 2015 exibe um aroma lupulado distribuindo herbal e cítrico (maracujá) com boa presença de malte e leve terroso. Na boca, a textura é áspera e picante. O primeiro toque traz rápida doçura seguida de amargor cítrico potente (67 IBUs honrosos) e marcante que abre as portas para um conjunto que consegue equilibrar bem o lado Red Ale com a potência amarga IPA. O final é amargo, mas suave. No retrogosto, terroso, maracujá e caramelo.

De Kansas City, no Missouri, minha terceira (da excelente) Boulevard, agora uma Imperial IPA potente e exagerada como a escola norte-americana prega: Calling IPA, com 8.5% de álcool e 75 IBUs reais e marcantes. De coloração amarela bonita com creme branco de boa formação e média alta retenção, a Boulevard Calling IPA apresenta um aroma bastante frutado com sugestões cítricas de manga, maracujá, abacaxi e laranja além de uma leve camada de caramelo na base. Na boca, textura áspera e levemente picante. O primeiro toque traz doçura caramelada logo cítrica (abacaxi, manga e laranja) e, então, amarga, bem amarga. Os 75 IBUs produzem um amargor profundo e longo, que vai ficando resinoso. Dai pra frente, o conjunto segue melado, cítrico e delicioso. O final é amargo, mas menos do que se espera. No retrogosto, resina e cítrico agradáveis. Uma delicia.

De Cooperstown, no estado de Nova York, surge a minha segunda cerveja da badalada Ommegang, uma Farmhouse Saison que leva o nome de Hennepin. De coloração amarela dourada (sem turbidez, algo tradicional do estilo) com creme branco de boa formação e longa permanência, a Ommegang apresenta um aroma com levedura em primeiro plano acrescentando notas que remetem a curral e couro e leve azedume. Há leve floral, percepção de trigo e condimentação. O álcool (7.7%) também marca presença, principalmente quando a cerveja aquece na taça. Na boca, a textura é áspera, frisante e picante. O primeiro toque traz doçura seguida de cítrico, leve acidez e picância que se mistura ao amargor, baixo. Dai pra frente, forte condimentação, acidez e cítrico num conjunto refrescante e alcoólico. O final é picante e quente. No retrogosto, acidez, adstringência, cítrico e curral.

Em Long Island, Nova York, uma rápida caminhada pela Vernon Boulevard dá acesso a três pequenas cervejarias: a experimental Big Alice, a tradicional Rockaway e esta Transmitter, que produz uma linha rotativa de rótulos em garrafas rolhadas de 750 ml. Essa Transmitter W4 é uma Dry-Hopped Gose que recebe adição de semente de cravo e sal e apresenta uma coloração amarelo palha com creme branco de média formação e boa retenção. No nariz, notas cítricas remetem a limão com leve percepção de acidez e sal. Na boca, textura áspera e frisante. O primeiro toque apresenta secura seguida de limão, sal, rápida doçura de trigo e forte acidez, que cumpre a função de amargor. Dai em diante, uma cerveja bastante provocante e interessante, com sal e cítrico muito bem colocados. O final é salgado. No retrogosto, leve limão e mais sal. Muito boa!

A sétima da série vem de Chicago, Illinois, e é da Off Color Brewing, uma artesanal com arte bem bacana e propostas interessantes como a de adicionar café numa Farmhouse Ale, o que resulta nesta Hyper Predator, uma cerveja de coloração alaranjada com creme branco de boa formação e longa permanência. No nariz, uma interessante união de notas rústicas tradicionais da levedura Saison com o marcante aroma de café, que acaba se sobrepondo e dominando a atenção do bebedor. Há, ainda, algo que remete a pimenta do reino. Na boca, a textura é áspera e frisante. O primeiro toque oferece café lembrando Cold Brew (nada de torrado!) e atropela tudo o que vem pela frente, não deixando espaço para a aridez típica do estilo Saison, que desaparece no paladar. O amargor é baixo (25 IBUs) e abre as portas para um conjunto que valoriza muito mais o café do que o estilo Saison, mas, ainda assim, é bem agradável, finalizando de forma suavemente amarga. No retrogosto, café. Boa, mas poderia ser melhor.

Da pequena Ewing, em Nova Jersey, surge a River Horse Brewing Company com uma Cherry Berliner Weisse que recebe adição de cerejas. De coloração alaranjada próxima de um vermelho desbotado com creme branco de baixa formação e rápida dispersão, a River Horse Cherry Berliner Weisse exibe um aroma arisco com sugestão de acidez, cereja e casca de uva. Há ainda leve percepção salgada tanto quanto de trigo. Na boca, a textura não é tão áspera quanto se espera. O primeiro toque traz forte toque cítrico sugerindo toranja, limão e, por fim, cerejas, seguidos de sal e acidez comportados. Não há amargor, mas a acidez suave segue em frente junto a cereja promovendo um perfil bastante refrescante, que combina muito com dias de sol quente. O final é seco. No retrogosto, acidez, cereja e refrescância. Boa.

A penúltima da série vem de Escondido, na Califórnia, e é mais um rótulo especial da badalada Stone Brewery: Ruination Double IPA 2.0, uma potente Imperial India Pale Ale de 100 IBUs produzida pela primeira vez em abril de 2015 e cuja receita utiliza um blend dos lúpulos Magnum, Nugget, Centennial, Simcoe, Citra e Azacca. De coloração alaranjada com creme branco de boa formação e média retenção, a Stone Ruination Double IPA 2.0 exibe um aroma intensamente lupulado com sugestões cítricas (manga, maracujá e pêssego), herbais (pinho) e resinosas. Ainda é possível perceber uma suave doçura de mel em meio ao ataque dos lúpulos. Na boca, a textura é sedosa e picante. O primeiro toque é cítrico e resinoso abrindo caminho para um pontentíssimo ataque de amargor, que honra os 100 IBUs adiantados pela casa. Dai em diante, mais amargor, leve mel, resina, pinho e maracujá. O final é amargo. No retrogosto, mais amargor e leve adstringência. Uma porrada deliciosa.

Para fechar a série de 10 cervejas compradas em Nova York, um rótulo mítico e muito especial: Goose Island Bourbon County Brand Stout 2015, adquirida por 19 dólares no Urban Barley, loja bacana de cervejas especiais na 6ª avenida, em Manhattan. Essa é a mesma safra que chegou ao Brasil este ano num lote limitado de 672 garrafas custando R$ 100 a unidade. Um pouco de história: criada pelo mestre cervejeiro Greg Hall para festejar o milésimo lote da Goose Island em 2007, a Bourbon County transformou-se em uma das cervejas mais desejadas no mundo. engarrafada sempre em novembro, sua venda gera filas em torno da cervejaria, em Chicago. Trata-se de uma receita single hop (Willamette) que une os maltes 2-Row, Caramel, Chocolate, Debittered Black, Munich e Roast Barley, e que passa ao menos 150 dias “descansando” em barris antes usados para fermentar Bourbon. Hoje existem ao menos 12 variáveis da série.

A linha tradicional da Goose Island Bourbon County atende pelo nome de Brand Stout e, em números do Untappd, e a safra 2015 já está se aproximando das 84 mil garrafas consumidas (sem contar as de guarda, que sabe lá quando o comprador vai abrir). De coloração marrom bastante escura com creme bege escuro de baixa formação e rápida dispersão, a Goose Island Bourbon County Brand Stout 2015 apresenta um aroma espetacular que remete a chocolate ao leite, ameixa, madeira, Bourbon, café e melaço. Conforme vai aquecendo na taça, os 14.3% de álcool vão mostrando as asinhas. A textura é quase licorosa, com o álcool distribuindo aqui e ali picadas. O primeiro toque oferece coco e melaço seguidos de chocolate, café, madeira e Bourbon. O amargor (60 IBUs) é esquecível perto da potência de sabor e álcool, que finaliza riscando um traço de melaço na gargante seguido por álcool. No retrogosto, melaço, ameixa, chocolate e Bourbon. E amor.

Balanço
Da série “muito álcool por tudo”, a Samuel Adams Imperial White impressiona com seus 10.3% de graduação alcoólica, mas decepciona com a pouca complexidade do conjunto tanto quanto com a percepção baixíssima dos itens adicionados. A New Belgium Citradelic é uma delicinha cítrica que pode ser uma das melhores cervejas do mundo num dia de verão. Amargor cítrico e resinoso pegam bem! A Brooklyn Defender IPA é uma bela Red IPA, maltada e amarga. Ainda melhor é a Imperial IPA da Boulevard, uma porrada de cítrico e amargor que consegue manter certo equilíbrio, e encanta. A artesanal Transmitter marca presença com a W4, sua excelente Gose, cítrica e salgada. A Off Color Hyper Predator exibe uma ótima proposta que soa um pouco desequilibrada, por valorizar muito o café e esquecer o lado Saison. Ainda assim é bem gostosa. A River Horse Cherry Berliner Weisse é uma Sour bem refrescante, que não acrescenta muito o estilo, mas cumpre bem a sua função. A Stone Brewery manja de cervejas exageradas e a Ruination Double IPA 2.0 é uma delas, uma Imperial IPA potente e intensamente amarga. E ainda assim saborosa! Gostei! Fechando a série com a absolutamente incrível Goose Island Bourbon County Brand Stout 2015, uma cerveja espetacular!

Samuel Adams Imperial White
– Produto: Belgian Strong Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 10.3%
– Nota: 3,12/5

New Belgium Citradelic
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 6%
– Nota: 3,31/5

Broolyn Defender IPA
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 6.7%
– Nota: 3,35/5

Boulevard Calling IPA
– Produto: American IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 8.5%
– Nota: 3,61/5

Ommegang Hennepin
– Produto: Farmhouse Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 7.7%
– Nota: 3,23/5

Transmitter W4
– Produto: Gose
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 5.2%
– Nota: 3,65/5

Off Colour Hyper Predator
– Produto: Farmhouse Ale
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 6.5%
– Nota: 3,35/5

River House Cherry Berliner Weisse
– Produto: Lichtenhainer
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 4.2%
– Nota: 3,15/5

Stone Brewery: Ruination Double IPA 2.
– Produto: Imperial IPA
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 8.5%
– Nota: 3,85/5

Goose Island Bourbon County Brand Stout 2015
– Produto: Russian Imperial Stout
– Nacionalidade: EUA
– Graduação alcoólica: 14.3%
– Nota: 4,95/5

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