Selton e Barbara Eugenia ao vivo

Texto e fotos por Bruno Capelas

Em um sábado no qual São Paulo oferecia a seus habitantes uma programação cultural com opções tão díspares como Criolo, Vanguart, Team Ghost, Limp Bizkit e a 37ª Mostra Internacional de Cinema da cidade, o Beco 203, na Rua Augusta, foi palco para shows baseados em dois belos discos lançados no Brasil em 2013. Aos ítalo-brasileiros do Selton coube o trabalho de iniciar a noite mostrando o repertório do álbum “Saudade”, enquanto, logo depois, a cantora carioca Bárbara Eugênia abriria o coração ao revelar as músicas de “É o Que Temos”, seu segundo disco.

Entrando no palco com mais de uma hora de atraso (perto das 21h30, quando o evento anunciava a presença da banda às 20h), a Selton fez um show pop sem ser vulgar para ninguém botar defeito, pronto para iniciar um burburinho capaz de tornar a banda grande também no Brasil. Sim, também: formada em 2006 por quatro amigos gaúchos que faziam intercâmbio em Barcelona, o grupo hoje faz bastante sucesso na Itália, para onde se mudou logo após uma temporada curta fazendo covers de Beatles no Parque Guell (um dos lugares mais bonitos da capital catalã, projetado por Gaudí) em troca de algumas moedas.

Na terra de Eros Ramazotti e Andrea Bocelli, Ramiro (vocal, guitarra e ukelele), Eduardo (baixo e voz), Ricardo (voz, teclado e guitarra) e Daniel (bateria e voz) cantam em inglês e italiano, mas em “Saudade”, lançado no meio do ano, eles voltaram ao idioma pátrio, em um belo resultado trilíngue, que pode ser visto e ouvido no Beco. Em menos de uma hora, a banda pegou o público pela mão, o tirou pra dançar e despertou sorrisos com expedientes simples, como refrões fáceis (“Across the Sea“, “Ghost Song“) e conversas curtas, mas que são bastante eficazes em uma cena cada vez mais marcada pela timidez e pela distância entre artista e plateia.

A coesão da banda é tão impressionante que, nos dois momentos em que convidados subiram ao palco, algo pareceu se perder naquela energia. Alexandre Kumpinski e Felipe Zancanaro, da Apanhador Só, dividiram com a banda a sua “Não Se Precipite”, que, apesar da adição do coro da Selton, gerou uma sensação de anti-clímax no local. Bárbara Eugênia, por sua vez, fez um dueto dançante e cheio de dengo com Ramiro em “Baby”, de Devendra Banhart, não exatamente inspirado, mas ainda assim interessante.

Dona de referências espertas, como se comprova na cover marota de “Qui Nem Giló”, de Luiz Gonzaga ou nas belas harmonias vocais que remetem tanto à era do rádio da MPB como aos Beach Boys e aos Dirty Projectors (“Vado Via”, em italiano e português, parece retirada do repertório da última), mas sem deixar de soar autoral, o Selton conquistou um lugar no coração do público e na lista dos melhores shows do ano com folga, daqueles que a gente já sente saudade meia hora depois de acabar.

Na sequência, Bárbara Eugênia teve trabalho para fazer engatar sua apresentação após a festa do Selton. Também, pudera: o clima da cantora é distante da farra dos gaúchos, mais próximo do blues, da canção de cabaré e da música romântica brasileira (leia-se: brega), e talvez se encaixasse melhor em um teatro que em uma casa noturna. Afinal, não foram raros os momentos em que se podia ouvir o público conversando durante o show.

Aos poucos, e apesar dos gritos de “linda!” vindos da plateia, que a deixavam mais tímida, Bárbara soube virar o jogo, com especial ajuda de sua banda, encabeçada por Astronauta Pinguim (teclados) e Jesus Sanchez (do Los Pirata, no baixo). Isso para não falar no guitarrista Guri Assis Brasil, homem forte da Pública que recentemente lançou álbum solo e não se intimidou em ocupar um lugar que, em disco, é de ninguém menos que Edgard Scandurra. A participação em palco de Guri começou discreta, mas nas quatro canções finais, não por coincidência também as melhores de “É o Que Temos” (“Jusqu’ à la mort”, “Ugabuga Feelings”, “Porque Brigamos”, esta uma versão de “I Am… I Said” recuperada do repertório da ex-mulher de Odair José, Diana, e “You Wish, You Get It”), seus solos fizeram a diferença, transformando em fogo o que eram as faíscas propostas por Bárbara Eugênia.

Não que Bárbara não tenha brilhado sozinha: sua interpretação para “Eu Desatino”, de Ângela Rô Rô, é algo intenso, e mostra um caminho interessante a ser seguido. Entre a força e a fragilidade, entre o amor romântico e a liberalidade, a cantora é uma persona em palco, mas precisa se soltar um bocado mais, como fez ao revisitar a canção de uma das melhores blues women que o Brasil já teve. Seja como for, é um belo começo.

No momento em que cavalos, camelos e outros bichos tomam conta dos holofotes da nova música brasileira, a noite do último sábado no Beco 203 revelou que é possível arejar o pop nacional sem seguir a cartilha pós-hermânica. Selton e Bárbara Eugênia nasceram no meio de um monte de gente, mas são parte do melhor que temos hoje em dia. A gente agradece.

Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista, escreve para o Scream & Yell desde 2010 e assina o blog Pergunte ao Pop.

Leia também:
– “Saudade”, do Selton, é um dos grandes discos nacionais de 2013 (aqui)
– Show: Vanguart lança “Muito Mais Que o Amor” um degrau acima da concorrência (aqui)
– Show: Fernanda Takai e Graveola promovem noite mineira em São Paulo (aqui)
– Show: Apanhador Só amplifica ao vivo um dos melhores discos de 2013 (aqui)
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