O Livro Secreto das Mentiras & Medo

“O Livro Secreto das Mentiras & Medo”, de Diedra Roiz
por
Maira Reis

Há livros que você começa a ler e nem sabe explicar como conseguiu chegar ao final dele. Têm momentos em que você se irrita com o enredo, que se tornou sem graça e desmotivador. Mas mesmo assim, por algum motivo inconsciente, você continua lendo e revirando cada página. Afinal são somente mais vinte folhas para terminar, não é?

A culpa é de quem? Dos personagens. Eles são sempre cria de confusões internas que divagam racionalmente tentando se aproximar do dia a dia do público leitor. Ao começar a ler um livro e deparar com um conflito comum, você estará diante da forma mais simplista de narrar aventuras de personagens de romance. Só que o escritor deverá tomar muito cuidado para que as “novas formas de convenções” de vida não façam com que as tentativas de aproximação humana sejam idealizadas.

“O Livro Secreto das Mentiras & Medos”, de Diedra Roiz (Sem Editora, 167 páginas), começa sua narrativa com Vic, cardiologista, que não encontra uma maneira certa e confortável para lidar com seus desejos e esperanças. Ela pertence ao autodenominado quarteto fantástico, formado por ela e os amigos Thé, Gui e Igor.

O enredo é basicamente um envolto de relações amorosas fúteis de Vic com mulheres e encontros à boate com Thé, Gui e Igor. Alguns personagens secundários aparecem – como Luana (namorada de Igor) e Pietra (paixão adolescente de Vic). O livro deixa bem explícito a falta de amizade profunda entre os amigos, resultado em uma sensação de vazio e interesse subliminar, um subterfúgio total para a falta de maturidade e complexidade dos personagens.

Diedra Roiz já é bem conhecida (e reconhecida) com alguns prêmios em concursos literários, como 2° lugar no Concurso Nacional de Contos Lésbicos e obteve menção honrosa no 7° Concurso Guemanisse. Como talentosa escritora, ela apresenta um elemento surpresa, ao proporcionar uma incrível reviravolta na obra e na vida da personagem principal, que se apaixona por uma nova personagem.

O texto fica mais poético. As complicações de Vic com relação à nova personagem são mais humanas e há uma aproximação verídica de amizade entre Vic e Gui – em certos momentos até com Pietra. Vic amadurece a cada página, percebendo que não há motivos para esconder de si e do mundo o que realmente lhe é inato. Ela sente todas as verdadeiras sensações humanas, principalmente ciúmes ao se deparar com Jaque e uma ex-namorada numa festa de casamento. Vic engrandece deixando de ser chata e infantil para ser fabulosa e mulher, ganhando toda adoração do público. Isto explica o porquê você continua a ler alguns livros até a última página: vale a pena.

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– Maira Reis é jornalista. Assina o blog Cleopatra Faz Oral e a coluna Tea and Cookie

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Leia um trecho do “O Livro Secreto das Mentiras & Medos”

“…Felizmente, não estava de plantão no hospital. Apenas consultas relativamente simples no consultório. Nada de grave.
No final da tarde, não aguentava mais. Falei, quase sem forças: – Graça, pede pro último paciente entrar, por favor.
Só então olhei para a ficha na minha frente. Estranha e irônica coincidência: Pietra.
Ela entrou com um sorriso indecifrável no rosto. Levantei e cumprimentei com dois beijinhos. Ofereci: – Senta.
Pietra obedeceu. Cruzando o belíssimo par de pernas que já não fazia nenhum efeito sobre mim.
– Tá aqui. Tudo que me pediu.
Me entregou os exames que havia feito.
Com alívio, disse: – Muito bom. Outra coisa.
Ao que Pietra retrucou com um carinhoso: – Não falei, Vi? Que tinha alguém capaz de me manter viva, era você?
Tentei esboçar um sorriso. Algo que naquele momento era dolorosamente difícil. Quase impossível.
Obviamente, ela reparou: – Que foi?
De onde veio a minha reação? Não sei. Poderia ter balançado a cabeça em negação. Poderia ter respondido que não era nada… No entanto, foi como se Pietra possuísse a chave capaz de abrir as comportas do que existia em mim de mais verdadeiro.
Meus lábios tremeram, e aquilo que não havia conseguido fazer a noite inteira aconteceu: as lágrimas desceram.
Pietra não me tocou ou se aproximou. Tirou da bolsa uma caixinha de lenços de papel e me ofereceu.
Limpei as lágrimas. Inutilmente. Voltaram a cair. Durante um bom tempo. Em que ela permaneceu calada, me olhando fixamente.
Quando finalmente me acalmei, Pietra disse: – Não precisa falar nada. Mas se quiser, Vi…Estou aqui.
Mais do que estranho e surpreendente. Inacreditável aquele regresso. Eu ali com a amiga e confidente da adolescência. A primeira a me causar aquele tipo de sentimento. Aliás, única… Até então.
Porém, na verdade, não havia muito a dizer: – Vou me casar mês que vem.
Com um tom de voz indefinível, Pietra constatou: – É. Ouvi dizer.
Olhei de forma interrogativa.
A explicação imediatamente veio: – Sua secretária me contou.
Alguns segundos de hesitação, como se pensasse se deveria ou não acrescentar. Até que não se conteve: – Ela parece bem mais empolgada do que você.
Uma súbita necessita de tentar explicar apareceu: – É meu amigo. Também é gay. Um casamento de fachada, entende?
Pietra não demonstrou compreensão. Pelo contrário. Uma perplexidade descrente parecia movê-la: Sinceramente? Não, não entendo. Você me disse… Que tinha alguém.
Lá estava eu, mais uma vez tendo que me justificar: – É uma situação muito… Não é fácil. Você conhece a minha família. Sabe como são.
Ela sorriu? Ou o erguer do canto da boca era apenas um esgar?
– Vi, conheço você.
A frase soou enigmática. De um jeito que não me deixava escolha, além de perguntar:
– O que quer dizer
Pietra respirou fundo, antes de finalmente responder: – Você nunca primou pela coragem. Muito menos pela franqueza. Diria que continua como sempre: perita em se esquivar, especialista em enganar os outros e a si mesma.
Na voz dela, uma mágoa que não esperava, sequer sabia da existência. Ficamos nos encarando, em silêncio.
Até os olhos de Pietra se desviaram.
Recolheu os exames de cima da minha mesa, pegou a bolsa, caminhou em direção à porta, colocou a mão na maçaneta.
Então parou.
Virou para mim novamente: – Desculpe a sinceridade.
Percorri a distância em ter nós rapidamente. Precisava ouvir de perto. Frente a frente: – o que está realmente me dizendo?
Um sorriso doce, suave, profundo. Acompanhou a explicação: – Que você está instinto no erro.
Assim que Pietra saiu, dispensei Graça.
Fiquei andando de um lado para o outro da sala, tentando restaurar a ordem em minha mente. Inútil insistir.
Acabei indo para casa…”

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