Disco político de Joyce ganha reedição

por Marcelo Costa

Lançado em 1976 na Itália, o álbum “Passarinho Urbano”, da cantora Joyce, acaba de ganhar edição caprichada em CD, com as letras do repertório político do disco e um texto explicativo da cantora. Em 1975 Joyce estava na Itália em turnê com Vinicius de Moraes e Toquinho. No Brasil, a MPB sofria com a forte censura que, quando não proibia de todo uma música, retalhava a canção.

O produtor italiano Sergio Bardotti, responsável pelas versões em italiano das canções de Chico Buarque, fez a proposta para Joyce de um novo disco, para a série Folk Internazionale, da gravadora italiana Fonit Cetra, com base em canções urbanas do Brasil.

A cantora havia feito sua estreia musical com o álbum “Joyce” (1968), seguido de “Encontro Marcado” (1969) e “Nelson Ângelo & Joyce” (1972). “Passarinho Urbano” viria a ser seu quarto disco, mas até então a cantora não havia tocado direito violão em seus discos. “Optamos pelo formato voz e violão, uma experiência nova para mim”, explica a cantora no encarte.

Para o repertório, Joyce procurou canções que estivesse com vontade de cantar naquele momento. A escolha acabou revelando um repertório com base na MPB fortemente censurada no Brasil da época, com canções de Milton Nascimento, Edu Lobo, Caetano Veloso, Capinam, Mauricio Tapajós, Paulo César Pinheiro, Paulinho da Viola e Chico Buarque.

Lançado com capa dupla em 1976 na Itália, o disco tinha um longo texto explicativo do produtor, apresentando os compositores, os instrumentos usados na gravação e a tradução das letras. No Brasil, Passarinho Urbano foi lançado em 1977, passando desapercebido, talvez por seu forte conteúdo político.

Já na capa, Joyce parte para a provocação, com um desenho estilizado que traz a cantora entornando uma Coca-Cola, em um período em que a Ditadura reforçava a nacionalização. Musicalmente, a bela voz da cantora é o fio condutor das canções, 18 no total, algumas inclusive “a capella” em formato vinheta. O disco abre com “Jóia”, de Caetano Veloso, segue com “De Frente Pro Crime”, de João Bosco e Aldir Blanc (“Tá lá o corpo estendido no chão”, diz a letra) e ganha força em uma versão desnuda e pungente de “Pesadelo”, um dos ataques mais fortes da dupla Mauricio Tapajós e Paulo César Pinheiro contra a censura: “Você corta um verso, eu escrevo outro / Você me prende vivo, eu escapo morto / De repente, olha eu de novo / Perturbando a paz, exigindo o troco”.

Joyce ainda recheia o álbum com canções de outros tempos, como “Pelo Telefone”, samba de Donga de 1917 e “Marcha de Quarta-Feira de Cinzas”, de Carlos Lyra e Vinicius (1964). O repertório político ainda inclui o samba “Opinião”, de Zé Kéti, “Bodas”, de Milton Nascimento e Ruy Guerra e “Acorda Amor”, de Chico Buarque em sua encarnação como Julinho da Adelaide.

Julinho, filho da dona Adelaide, foi a maneira que Chico Buarque conseguiu para fugir da censura por algum tempo. Duramente censurado, no começo dos anos setenta, tudo que o cantor mandava para a censura com seu nome era proibido, Chico optou por lançar um disco apenas com regravações. Colheu músicas de Caetano Veloso, Noel Rosa, Tom Jobim e Paulinho da Viola (entre outros). O disco “Sinal Fechado” ainda trazia uma parceria de Leonel Paia com um novo sambista, o Julinho, nada mais que um codinome que Chico usou para tapear a censura. O golpe deu certo e “Acorda Amor” não foi censurada, apesar de seu forte conteúdo político, em uma letra que falava de batidas policiais e pessoas que eram detidas e não voltavam mais.

O título do álbum, “Passarinho Urbano”, é inspirado em um poema de Mario Quintana, que Joyce musicou, o famoso poema que diz “eles passarão, eu passarinho”. Quando o disco foi lançado no Brasil, em 1977, Joyce estava vivendo nos Estados Unidos, em Nova York. Para a cantora, Passarinho Urbano é “como a fotografia de um tempo em que, para a juventude de uma geração, era mesmo preciso cantar”.

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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