Entrevista: “O maracatu já toca no mundo. Agora é a hora de levar o congado para o mundo também”, diz Congadar

entrevista por Bruno Capelas

Donos de um dos shows mais impactantes do Paraíso do Rock, festival realizado no Norte do Paraná no final de setembro (saiba como foi), o Congadar já soma uma década de jornada na música independente, mas ainda permanece como boa novidade a ser descoberta. Fundado em Sete Lagoas (MG), a cerca de 70 km de Belo Horizonte, o grupo traz uma proposta sonora muito interessante: combinar rock e blues com as matrizes tradicionais do congado, ritmo folclórico bastante ligado à história do Estado. Mais do que apenas uma mistura, o grupo traz mensagens fortes em disco e palco, munido de boas guitarras, harmonias vocais e jogos percussivos bastante interessantes.

Além de rodar o País, o Congadar também lançou em abril de 2023 um novo EP, “Morro das Três Cruzes”, com quatro faixas originais – o repertório do grupo varia entre canções próprias e coleta do trabalho folclórico junto aos mestres do congado, como se pode ouvir no álbum lançado no ano passado, “Chora N’Goma”. “Se a gente for fazer tudo que tem pra fazer, dá um acervo de mais de dez discos!”, brinca o vocalista e percussionista Carlos Saúva sobre a importância desse repertório tradicional, que também aparece no trabalho de estreia da banda (“Retirantes, de 2019).

Na entrevista a seguir, Saúva e o baixista e produtor Marcão Avellar falam um pouco sobre a trajetória da banda, os planos para o futuro e a tarefa de juntar ritmos que soam diferentes, mas partem de uma mesma matriz: a diáspora africana para a América. Além dos dois, completam a formação do Congadar os vocalistas e percussionistas Filipe Eltão e Wesley Pelé, bem como os guitarristas Igor Félix e Giuliano Fernandes e o baterista Sérgio DT. Todos com uma missão nobre. “O maracatu já toca no mundo. Agora, é a hora de levar o congado para o mundo também”, conta Saúva. Com a palavra, o Congadar.

O Congadar já tem uma trajetória longa, dois discos lançados e acabou de lançar um EP, mas é uma banda ainda a ser descoberta por muita gente. Vamos começar do começo: de onde nasceu esse projeto?
Marcão: No começo dos anos 2010, eu tinha uma banda chamada Ganga Bruta, que fazia rock e blues autoral. Paralelamente a isso, o Mestre Saúva já tinha um trabalho chamado Congadar, que era um grupo que fazia releituras de músicas folclóricas.

Saúva: A gente pegava essas músicas folclóricas e harmonizava as vozes de maneiras diferentes. Partíamos das marchas de congo, do folclore mesmo, e buscávamos arranjar essas canções de outra forma, já com as caixas e com harmonias vocais.

Marcão: A gente se conheceu em 2011, quando fiz um evento e chamei o que era o Congadar na época para se apresentar. Depois do show, eu sugeri para o Saúva pra gente tentar juntar as duas bandas e ver no que ia dar. Ele me enrolou dois anos até a gente conseguir marcar o primeiro ensaio, só fomos tocar mesmo em 2013.

Saúva: E o ensaio só saiu porque ele inscreveu esse grupo numa Virada Cultural lá da nossa cidade, Sete Lagoas, sem a gente nunca ter feito um ensaio.

Marcão: O edital tinha saído e eu resolvi apostar nessa ideia. Inscrevi o projeto e ele acabou sendo aprovado. Aí não tinha mais jeito. (risos). No começo, a gente se reunia na minha casa, só com violão e uma caixa. Fomos percebendo que podia rolar algo diferente…

Saúva: A primeira música que a gente fez foi “Marimbondo Amarelo”. É uma música que deu tão certo que a gente não vai deixar de tocar nunca.

E o repertório hoje é composto por canções folclóricas ou composições autorais?
Saúva: Algumas são folclóricas, outras são autorais. No show no Paraíso do Rock a gente tocou “Chora N’Goma”, que é uma releitura das marchas de Moçambique, um estilo de congado que a gente tem em Minas Gerais. A abertura do show toda foi de congado, bem como o encerramento. Já “Marimbondo Amarelo”, por exemplo, é um lundu de folia de reis, sabe?

Marcão: Mas “Chico Rei”, por exemplo, já é nossa. O primeiro disco (“Retirantes”, de 2019) é bem dividido: tem uma parte que é releitura de marchas de congado, mas também tem músicas nossas, tem músicas do mestre Maurício Tizumba, outras são composições que amigos nossos deram. Já o segundo disco, que saiu no ano passado (“Chora N’Goma”) foi um disco muito específico, porque ele é todo de releituras.

Saúva: Foi um disco todo feito com a curadoria dos mestres de congado. Eles que chegaram e nos entregaram o repertório.

Marcão: Para nós, era importante eles participarem. O Saúva e os meninos são de um bairro lá de Sete Lagoas chamado Santa Luzia, que também é conhecido como Garimpo. É onde tem as principais manifestações culturais negras da nossa cidade: samba, congado, folia de reis…

Saúva: As matrizes africanas, os primeiros centros de umbanda e candomblé são do Garimpo. A cultura negra da cidade nasceu mesmo ali, na busca do cristal, porque lá tinha um garimpo de cristal. E a partir daí veio essa história toda.

Marcão: E o segundo disco veio disso: nós pedimos um repertório e os mestres dessa cultura, os capitães de guarda de congo, foram mandando pra gente.

Saúva: Se a gente for fazer tudo que tem pra fazer, dá um acervo de mais de dez discos! (risos).

Não precisa pensar em fazer música…
Marcão: Não, não. Mas a gente acha importante: em abril, nós lançamos um EP (“Morro das Três Cruzes”), que tem quatro músicas originais. É algo que faz parte: quando a gente estava acabando de gravar o Chora N’Goma”, o Saúva falou de fazer algo autoral…

Saúva: E já tem uma ideia para o próximo que a gente não vai falar agora… mas já começou a ser feito!

E é para quando esse próximo disco cheio?
Saúva: É pro ano que vem.

Marcão: A gente já marcou de gravar em julho do ano que vem. Não sei ainda, se vai ser só releitura ou música própria, ele está nascendo…

Saúva: (risos) Não tivemos ideia nenhuma ainda…

Marcão: Tivemos sim, já tem duas músicas prontas! (risos)

Como é unir a matriz tradicional do congado com o rock, especialmente olhando para um rock que não é necessariamente clássico? E como fazer isso sem parecer apenas uma simples soma, sem sofisticação, buscando respeitar a sonoridade original?
Marcão: Cara, se você for olhar, tanto o rock quanto o congado vem tudo de um lugar só: o continente africano. Eles vieram para cá e foram para lá – lá, eles fizeram o blues, o jazz, o rock. Mas se você olhar a base, ela é a mesma. Quando a gente estava começando a banda, eu comecei a pirar nessa ideia e comecei a escutar spirituals, que é a base do blues e do jazz. Fui olhar as letras e percebi que o que eles falam nas letras de lá é muito parecido com o que se fala nas letras do congado: questões de espiritualidade, ancestralidade, muitas letras sobre luta, liberdade, tem toda a questão do canto de resposta…

Saúva: Tem até o lance das melodias não serem tão longas, serem melodias pequenas, que se repetem. Você vai encontrar isso nos dois lugares.

Marcão: Se você for olhar, a gente só juntou os dois cantos do continente e a África, demos uma prensada.

Voltamos pra Pangeia.
Marcão: É isso aí.

Ao mesmo tempo, essa não é uma fusão nova. Nessa redescoberta do Clube da Esquina nos últimos anos, para mim tem ficado evidente o quanto existe essa combinação de ritmos tradicionais com o rock ali também.
Marcão: É importante a gente falar aqui do Giuliano Fernandes, que não veio aqui para o Paraíso do Rock. Ele é um dos produtores da banda, ele produz o show e também toca guitarra na banda. Antes do Congadar, ele tocou com o Lô Borges por dez anos, entre 2002 e 2012, gravando discos como “Um Dia e Meio” e o “BHanda”. Pô, ele conheceu o Clube da Esquina de dentro, vendo como a composição desses caras funciona. E isso veio intrinsecamente para o som da banda também, e acho que isso também dá um toque. Acaba sendo uma expressão da mineiridade.

Como diria o poeta, “todo artista tem de ir aonde o povo está”. O Congadar é uma banda grande, com seis integrantes. Como tem sido circular com esse show?
Marcão: Nós temos essa formação de seis pessoas, mas temos uma outra formação com oito pessoas, então você imagina… Recentemente, fizemos um show completo na Autêntica [casa de shows em Belo Horizonte], que foi maravilhoso. Eu sou suspeito para falar da Autêntica, porque eu sou amigo dos meninos, mas é para mim uma das melhores casas do Brasil, sem sombra de dúvida – e quando eu falo, é porque realmente é. Mas a gente viaja normalmente em seis, que é a nossa formação enxuta.

Saúva: Pois é, né? Com seis é a formação enxuta… nós esprememos, mas não dá.

Marcão: Não tem como. A gente já fez show com duas caixas e duas vozes, mas não tem a mesma potência. As três caixas se conversam, as vozes também se conversam. A gente tem conseguido rodar, a gente vai de carro se precisar. Fizemos o Forró da Lua Cheia ano passado, fizemos vários festivais no interior de São Paulo, Ribeirão Preto, Franca, Uberlândia, Araguari. E vamos embora, não temos medo de estrada não.

Para quem está lendo a conversa e ainda não ouviu o Congadar, tem algum recado final para dar antes do leitor apertar o play?
Saúva: Uma coisa que a gente replica por aí é uma frase do mestre Maurício Tizumba: o maracatu já toca no mundo. Agora, é a hora de levar o congado para o mundo também. Essa é a nossa missão: levar o congo pelo mundo.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.



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