Faixa a Faixa: Uyara Torrente (A Banda Mais Bonita da Cidade) apresenta seu primeiro disco solo, “Montada Em Seu Cabelo”

introdução por Marcelo Costa
Faixa a faixa por Uyara Torrente

“Uyara é a melhor vocalista da geração dela. Como uma Maria Bethânia dos novos tempos”, escreveu o jornalista Ismael Machado – aqui no Scream & Yell cinco anos atrás – após assistir a uma apresentação d’A Banda Mais Bonita da Cidade, grupo que revelou Uyara Torrente. Agora, a artista paranaense assume uma faceta solo com “Montada Em Seu Cabelo” (2023), seu primeiro disco, que conta com 10 faixas e soa uma surpresa agradabilíssima, seja na escolha delicada do repertório, seja na opção cuidadosa dos arranjos.

Com produção dividida entre Marano e Du Gomide, “Montada Em Seu Cabelo” combina canções autorais (como “com uma série de regravações bastante interessante, que passa por duas faixas de Lucas Vasconcellos (uma, “Eu Vou Sequestrar Você”, de seu disco solo, “Teoria da Terra Plena”, e a outra, “Pudera”, uma parceira com Letrux especialmente feita para Uyara) hits imensos de Lulu Santos e Nelson Motta (“Sereia’) e Hermes Aquino (“Nuvem Passageira”), assim como um belo resgate de “Caracajus”, de Chico Cesar (faixa presente no ótimo “Estado de Poesia”, de 2015).

“Fazer esse disco foi como montar um quebra cabeça de mim mesma”, afirma Uyara. “Cantar definitivamente tinha virado minha vida, minha melhor vida, mas junto com essa afirmação, vinha também a curiosidade de entender então que cantora eu era para além da Banda Mais Bonita (que sempre foi meu grande suporte), que músicas? Que estética?”, se questiona Uyara. O resultado é um álbum eletroacústico que não passa despercebido pelo ouvinte, chamando a atenção tanto para a voz de Uyara quanto pelos arranjos, interessantes. Abaixo, Uyara Torrente comenta, faixa a faixa, as escolhas de seu disco de estreia solo.

01) ELA VEM: Tinha vindo essa imagem na minha cabeça, como uma miração, uma mulher meio mítica, onírica, que vinha montada em seu próprio cabelo, que tinha ao mesmo tempo sorriso e raiva. Cantarolei umas frases e mandei pro Vitor (Paiva), que trouxe ainda mais complexidade pra essa personagem, uniu às minhas imagens míticas, sentimentos humanos. Gosto dessa personagem, da contradição, da completude, da autonomia. vontade de amar e vontade de matar, vontade de dançar e vontade de vingar. ela – É – e ponto.

02) SOL DE MEIO DIA: Pra mim uma é uma clássica balada pop, romântica, apaixonante, aliás, especialidade de Leo Fressato, o compositor. Quis cantá-la no primeiro instante que ouvi. Todo mundo tem uma história de quase amor, de quase possibilidade, gosto das possíveis identificações que público pode vir a ter. Me encanta também o arranjo criado para ela, uma onda meio Cassiano, a catarse na suavidade.

03) EU VOU SEQUESTRAR VOCÊ: Também foi uma dessas músicas que quis cantar imediatamente, assim que ouvi. Amo a trajetória, a dramaturgia da música, na letra e na melodia. Uma história sendo contada por imagens tão sensoriais, me arrepiava enquanto ouvia, tinha os sentidos todos aguçados, pensei – preciso cantar essa música.

04) PUDERA: O processo de pudera foi curioso, porque às vezes os encontros são imediatos e às vezes são como uma paquera, um ir se reconhecendo. Fiquei muito honrada de ter uma música composta pelo Lucas e pela Letícia (Letrux) especialmente para o meu disco, e fui me encontrando com e na música, e quando o encontro se deu foi definitivo. A letra se aproxima muito das conversas que tenho comigo mesma, dentro da minha cabeça. Os entendimentos, os processos de aceitação, do que deixar ir, do que afirmar.

05) NUVEM PASSAGEIRA: Essa música ficou anos guardada dentro de mim, tenho uma memória de infância, não sei se era uma trilha de novela ou o quê, mas esse refrão aparecia direto na minha cabeça, durante a vida toda, quando fui gravar o disco o nome dela se iluminou como um letreiro, voltei pra letra, afirmei as identificações que sinto, e pronto, fazia todo sentido.

06) PEQUI: Foi a última música a entrar pro disco, a princípio seriam 9 músicas, mas um dia no estúdio enquanto a gente se organizava pra começar os trabalhos do dia, o Du Gomide (um dos produtores do disco e compositor da música junto com Raissa Fayet) começou a tocar a cantar meio baixinho, e eu ouvi de longe e pedi se ele poderia tocar novamente, fui achando tão interessante e já visualizando um caminho de arranjo. Acho que de certo modo ela era aquela peça do quebra cabeça que estava faltando.

07) SEREIA: Também tem esse lugar de memória infância, Sereia foi um grande sucesso nos anos 90, todo mundo amava, acho que tem um lugar no imaginário das pessoas, e sinto também que tem uma geração que não conhece, então acho bonito demais acariciar a memória de quem viveu a música nos anos 90 mas também de apresentá-la, de certo modo, para quem ainda não conhece. Sinto que as imagens da letra se transferem, se traduzem também na escolha do arranjo, na escolha do tempo, em cada instrumento dessa versão.

08) NOSSA FORÇA: A versão original de Nossa Força vem de um contexto da Ayahuasca, foi composta pelo Marano (que é também diretor e produtor musical do disco) como “música de trabalho” (música usada em rituais de Ayahuasca) e embora eu compreenda, afirme e respeite esse lugar, sentia que a letra poderia extrapolar esse ambiente, sentia que ela poderia ser mais “universal”, como um tipo de mantra pessoal, poderia ser realocada para cada pessoa diante de suas trajetórias. Todo mundo em algum momento disse pra si mesmo “não tenha medo”. Antes de gravá-la, já me sentia estimulada pela letra, e acho precioso quando isso acontece.

09) CARACAJUS: Estava ouvindo “Estado de Poesia” do Chico César assim que o disco saiu, e de repente fui completamente sugada pela segunda música, sabe aquela sensação que tudo em volta parou e só existia aquelas imagens, aquelas palavras? – Preciso cantar essa música- e por mais pretencioso que isso parecesse naquele momento, esse desejo continuou aceso em mim, como um fogo. E aí está.

10) LUZES: Luzes pra mim é uma música épica, um chamamento à luz, ao fogo, a qualquer fagulha, possibilidade de iluminação. Acho de uma poesia emocionante, como não poderia deixar de ser sendo uma composição de Paulo Leminski.

Foto de Marco Novack

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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