Ao vivo: Skank se despede com show de três horas no Mineirão para 50 mil pessoas com participação de Milton Nascimento

texto e fotos por Alexandre Biciati

São mais de trinta anos de estrada; nove discos de estúdio e uma coletânea, três discos ao vivo e seis DVDs lançados, material que totaliza mais de 6,6 milhões de cópias vendidas mundialmente; isso sem contar dezenas de videoclipes e mais de trinta trilhas sonoras para a TV; um Grammy Latino e uma variedade de prêmios da música como VMB, Multishow e até um Leão de Ouro. E claro, shows pelos quatro cantos do país, além de turnês internacionais. O Skank coleciona números e muito prestígio que chancelam uma carreira consistente e inovadora na cena pop rock brasileira, que teve início em Belo Horizonte em idos de 1991 com um som fortemente influenciado pela música jamaicana.

Ao longo das três décadas que se passaram, o Skank ficou mais melódico, mais experimental, se afastando da sonoridade que carrega no próprio nome, mas ostenta a mesma formação desde o primeiro show. Os craques Samuel Rosa (guitarra e voz), Lelo Zanetti (baixo), Henrique Portugal (teclados) e Haroldo Ferretti (bateria), fundaram a banda e juntos decidiram em 2020 decretar o fim das atividades. Sem decadência e sem brigas. Assim o Skank define o processo de encerramento da banda. A separação é motivada exclusivamente pelos desejos individuais de experimentar novos caminhos musicais e pessoais.

A derradeira turnê, entretanto, só pôde acontecer este ano e o Skank decidiu pendurar as chuteiras em casa, na capital mineira, onde tudo começou. Mais precisamente, no campo de Mineirão que, além de velho conhecido por ter sido cenário de videoclipe e gravações ao vivo, também é palco de outra grande paixão dos músicos no esporte.

Para um público de 50 mil pessoas, que lotou pistas e arquibancadas, o conjunto percorreu toda a carreira com hits que vão desde o primeiro disco homônimo de 1992, até o último, “Velocia”, lançado em 2014. Foram mais de 3 horas de um show que emocionou a todos que compareceram para celebrar a vitoriosa trajetória do grupo que ajudou a sedimentar a presença mineira no pop nacional.

Às 19h30, as luzes do “Gigante da Pampulha” começaram a perder intensidade e os telões laterais intercalaram imagens aéreas de um drone entrando no estádio com cenas da banda caminhando para o palco. O quarteto entrou acompanhado pelo tradicional trio de metais e pelo guitarrista Doca Rolim.

A música escolhida para abrir o último show foi a balada “Dois Rios”, cujo primeiro verso foi cantado com voz trêmula denunciando a emoção de Samuel Rosa. O clima foi quebrado logo em seguida com o riff de “Uma Partida de Futebol”, que colocou o estádio para pular pela primeira vez. Mantiveram o ritmo enérgico revisitando o álbum “Calango” (1994) com “Esmola” e “Pacato Cidadão” antes da primeira pausa.

A banda então parou por um tempo para admirar o público como quem contempla o resultado de uma vida juntos. A plateia aplaudiu e gritou sem parar até que Samuel Rosa voltasse ao microfone. Ele relembrou os primeiros shows em bares e festas de faculdade, quando imaginavam durar, se muito, três anos: “Tinha tudo para dar errado e estamos aqui trinta e dois anos depois. O ponto final tinha que ser na nossa cidade”. Anunciou então “Uma Canção é Pra Isso” (“Carrossel”, 2006), cuja letra justifica o ofício. “Nós envelhecemos e estamos emocionados por termos feito diferença na vida de tantos de vocês”, declarou.

O rock “É Proibido Fumar” contou com a tradicional participação da plateia intervindo (!) no refrão. A primeira do disco “Siderado” (1998) foi o ska “Saideira” com direito a correria de Lelo e Samuel pelo palco. De “Maquinarama” (2000) veio “Canção Noturna” e do disco “Estandarte” (2008), “Ainda Gosto Dela”. Samuel avisou no início do show que estavam gravando o DVD que seria o registro final, ao que logo corrigiu: “Final não, definitivo”. Pediu então a participação da plateia para “abalar as estruturas do estádio” que respondeu imediatamente a cada nova investida.

Na grade, os fãs mais dedicados seguravam cartazes com mensagens de carinho, pedidos de músicas e autógrafos. Os fã-clubes, devidamente uniformizados, também marcaram presença no gargarejo. O show seguiu com duas do álbum “Cosmotron” (2003): “Amores Imperfeitos” e “Formato Mínimo”, que contou com coreografia ritmada do público garantindo certamente belas imagens. Antes de retornarem às origens, tocaram “Ela Me Deixou”, música do trabalho de “Velocia” (2014).

Samuel Rosa, durante todo o show, dedicou atenção à plateia prestigiando desde a arquibancada até os fãs que exibiam suas cartolinas insistentemente na pista. “Vocês estão ouvindo bem daí?”, dirigiu-se aos lugares mais distantes. O vocalista não ignorou nem as camisas de clubes que avistou do palco. Agradeceu aos torcedores de Cruzeiro, Atlético Mineiro, América e destacou até a presença de uma camisa do Valeriodoce: “Alô, Itabira”, saudou.

A escolhida para representar a fase reggae/dancehall foi “Jack Tequila” (1994) que culminou em um dos momentos mais íntimos entre banda e plateia. Durante a música, Samuel Rosa desceu do palco e foi até a grade onde tirou fotos com os fãs e autografou memorabilia. Um momento sem dúvida inesquecível para quem esteve tão perto do ídolo.

Continuando nos primórdios, Samuel explicou que foi só com o segundo disco (“Calango”, 1994) que uma música, finalmente, estourou nacionalmente. Foi a vez de “Te Ver”, sucesso absoluto e música indispensável num show histórico. “Nós não temos pulseirinha, somos uma banda raiz”, brincou Samuel se referindo à famigerada pulseira de leds usada nos shows do Coldplay. Não fez falta, a plateia acendeu as lanternas dos celulares e fez-se um show de luzes durante “Acima do Sol” (2001), trilha na novela “As Filhas da Mãe”.

Na pista, a turma ansiava saber se haveria alguma participação, se tinha vazado alguma informação, mas ainda tinha muita bola pra rolar. Do terceiro disco de 1996, “Eu Disse a Ela” foi cantada com entusiasmo. Mais uma vez, a banda pediu a participação do público, desta vez, para rodar as camisas, o que resultou num mar de empolgação. Era a vez de “Três Lados”, grande single de “Maquinarama” (2000). A agitação continuou com as animadas “Vou Deixar” (2003), “Garota Nacional” (1996) e “Mandrake e Seus Cubanos” (1998).

“A gente teme muito ser efêmero nesse mundo da música. Eu tinha várias dúvidas (…) com 24, 25 anos. Hoje a gente sobe [aqui no palco] com todas as respostas. Isso é incrível!”, compartilhou Samuel Rosa. Uma luz intimista com foco no vocalista tomou conta do palco para “Esquecimento” (2014) e mais uma vez o mar de leds surgiu decorando o Mineirão. De forma espirituosa, os fãs iluminaram também os copos vermelhos, surpreendendo a própria banda. Mantendo o clima em tom menor, “Sutilmente” (2008) e “Algo Parecido” (2018), levaram o público às lágrimas, provando que o Skank é também trilha sonora da intimidade de cada um.

Em “Vamos Fugir” (2004), a audiência acompanhou com palmas. A música, de Gilberto Gil e Liminha, gravada na coletânea “Radiola” e que foi trilha de comercial, precedeu o ponto alto do show. A banda saiu e voltou para o bis na companhia de Milton Nascimento, que também se despediu do show business em 13 de novembro no Mineirão com o show “A Última Sessão de Música” – show este que também contou com a participação de Samuel Rosa. “Bituca é a razão da nossa existência, de estarmos aqui hoje”, introduziu. Milton sentou ao lado de Samuel Rosa e juntos cantaram “Resposta” (“Siderado”, 1998). Um sem-número de celulares submergiu para registrar o momento épico.

O show caminhou para o encerramento com “Mil Acasos” (2006), “Ali” (2000), “Simplesmente” (2020), lançada especialmente para a turnê e “O Beijo e a Reza” (1994). Samuel recordou ainda que, no começo da carreira, existia a máxima de que banda mineira deveria fazer sucesso primeiro em São Paulo e Rio de Janeiro. “O Skank não, a gente fez sucesso aqui primeiro”. Foi a deixa para relembrar os hits do primeiro disco: “Baixada News” e “Tanto”.

Antes do encerramento, o vocalista explicou que precisariam repetir duas músicas por ocasião das gravações – fato até comum em shows que rendem DVD. A plateia, que já tinha curtido 3h de show, naturalmente, não se opôs. “Finjam que estão ouvindo pela primeira vez!”, brincou. As regravadas foram “Sutilmente” e “Mil Acasos”.

Antes que o final do show chegasse o Mineirão entoou o canto de “Eu não vou embora” na melodia de “Seven Nation Army”, emocionando mais uma vez os músicos no palco. O espetáculo encerrou com “Tão Seu” (“O Samba Poconé”, 1996) e sem maiores cerimônias. Os quatro se dirigiram à beira do palco e saudaram a multidão que ovacionou e gritou o nome da banda por minutos a fio.

Como disse o próprio Samuel, o Skank encerra as atividades, mas permanece no coração e na memória dos brasileiros. A banda deixa seu grande acervo e um indefectível legado na música popular brasileira. Fica aquela sensação de que a banda a qualquer hora pode estar de volta. E é bem provável que aconteça. Mas tem um lado ótimo deste episódio que é o de podermos assistir, a partir de agora, o potencial criativo de Samuel, Haroldo, Henrique e Lelo em um lugar diferente.

Que venham novas músicas, novas parcerias e novas boas histórias! Viva o Skank!

Alexandre Biciati é fotógrafo: www.alexandrebiciati.com



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