Entrevista – Skank se despede dos fãs em últimos shows: “Chegou a hora de cada um seguir o seu caminho”, diz Henrique Portugal

entrevista por João Paulo Barreto

O Skank está no fim de uma turnê nacional apresentando os últimos shows da banda que encerra as atividades com um show no Mineirão, em Belo Horizonte, no dia 26 de março – antes eles se apresentam em São Paulo nos dias 17, 18 e 19 de março. São os últimos quatro shows do Skank. Ok, talvez para muitos leitores esse momento não chegue a causar tanto impacto. Afinal, possivelmente, não seja o “último show” dos mineiros. Parafraseando uma das melhores músicas de seu melhor disco, “Cosmotron”, de 2003, sempre “resta um pouco mais/ navios colossais/ que nunca deixaram o cais”. Dói menos acreditar nisso.

Porque sim, muitas vezes não significa que os fãs não vão mais poder assistir seus artistas preferidos se apresentando ao vivo novamente. Basta observar ocasiões especiais nas quais bandas como Los Hermanos tocam novamente para seus fãs fiéis ou a esperada reunião da formação original dos Titãs, que inicia esse ano uma turnê com quase todos os seus integrantes. Mas, após mais de 30 anos de carreira, o impacto de ver o encerramento oficial de uma das bandas que moldaram o pop-rock brasileiro nos anos 1990, efervescente década que trouxe Raimundos, Pato Fu, Chico Sciense e Nação Zumbi, Angra, Cascadura, Charlie Brown Jr., Dead Fish, Planet Hemp, para citar apenas algumas, é grande.

“A decisão (de encerrar) foi tomada em 2019”, relembra Henrique Portugal, dono dos teclados da banda. “Se imaginarmos que tenho mais tempo de vida com o Skank do que fora da banda, já é um sinal que foi um ciclo vitorioso”, comemora o músico. Sobre a possibilidade de novas reuniões comentada acima, o músico pontua a necessidade de caminhos independentes para ele e os amigos de banda. “Chegou a hora de cada um seguir o seu caminho e realizar projetos pessoais dentro ou fora da música que a agenda do Skank acabava impedindo. Mas a nossa música continua, só não faremos mais shows. Temos um baú de coisas que com certeza iremos lançar aos poucos. Mas ainda não tivemos tempo para pensar nestes próximos passos”, explica o músico criando expectativas positivas no fã colecionador.

Em um período atual no qual “ídolos” surgem a partir de reality shows e de programas de TV nos quais talentos são julgados por notas oriundas de avaliações duvidosas; com um cenário midiático no qual a quantidade de seguidores em redes sociais e curtidas em canais do YouTube determinam se algo é ou não um sucesso; dentro de uma fase de consumo frívolo como a atual, chegar a um momento no qual testemunhamos terminar, por escolha própria de seus integrantes, uma banda advinda de uma época na qual a busca pelo alcance midiático atravessava outras barreiras e exigia um pouco mais de dedicação para além de algoritmos cibernéticos, é algo que gera uma reflexão. E, aqui, não é o saudosismo falando. Longe disso. É uma constatação. Junto às bandas citadas acima e que acompanham o Skank no alicerce do cenário musical do pop-rock brasileiro dos anos 1990, a despedida dos mineiros como grupo musical se torna um momento marcante.

“Passamos por todas as alterações do mundo da música nos últimos trinta anos. Começamos no modelo físico, onde distribuímos 500 CDs independentes para formadores de opinião e jornalistas especializados, via carta registrada, pois ainda não existia SEDEX. Vimos a chegada da internet e fizemos a seleção das músicas do nosso álbum ‘Ao vivo em Ouro Preto’ através do nosso site”, relembra Henrique.

Surgindo na cena brasileira de modo oficial em 1992, com o lançamento do disco homônimo, no qual canções como “In(Dig)Nação” embalou o movimento dos caras pintadas contra o escroque Collor, o Skank se tornou um fenômeno de vendas em 1994, com o disco “Calango”. Com sucessos como “Pacato Cidadão”, ”Jackie Tequila”, “Te Ver” e “Esmola”, o trabalho ultrapassou a marca de 1 milhão de discos. “Calango” prepararia o terreno para algo ainda mais impressionante, que foi o lançamento de “O Samba Poconé”, álbum lançado em 1996 e que teve mais de 1 milhão e 800 mil CDs vendidos. Hits como “Garota Nacional”, “É uma Partida de Futebol” e “Tão Seu” alavancaram esse ápice.

A década de 1990 se encerraria com um dos melhores discos da banda, “Siderado”. Lançado em 1998, o trabalho teve parte de sua produção realizada no lendário Abbey Road Studios, em Londres, e trazia canções como a afetuosa “Resposta”; a pegada reggae de volta às origens “Romance Noir”, além contagiante faixa título. Mas foi em 2003 que a banda trouxe seu canto dos cisnes batizado de “Cosmotron”. Com faixas que traziam Chico Amaral, letrista parceiro de Samuel Rosa, em um inspirado momento de criação, o disco lançado há 20 anos revitalizaria a banda como um exemplo do poder da música pop. São músicas como “As Noites” e sua atmosfera lúdica e de revistar do tempo; “Amores Imperfeitos” e “Resta um Pouco Mais”, em suas análises de fim de relacionamentos sem nenhum traço de autopiedade ou mágoas; “Formato Mínimo”, composição de Samuel ao lado de Rodrigo Leão, a trazer aquela letra com personagens em descobertas de uma juventude que muita gente rememora. Além, claro, dos hits “Vou Deixar” e “Dois Rios”. O Skank ainda lançaria mais três trabalhos de estúdio em 2006, 2008 e 2014, mas o impacto de “Cosmotron” viria a definir a banda em seu melhor momento após o furacão pop da década de 1990.

Voltando ao peso citado no começo desse texto, Henrique fala sobre essa ideia de ciclo que se encerra. “Acho que tudo na vida devemos pensar que tem um início e um final. O que está acontecendo agora, com a turnê de despedida, é encontrar, em todo Brasil, as pessoas que fizeram parte desta caminhada e, também, aquelas pessoas para quem a nossa música se tornou a trilha sonora de momentos especiais em suas vidas. É muito bom quando alguém nos conta alguma história relacionada às músicas do Skank”, afirma Henrique.

Ao comentar com Henrique a história de que conheceu o Skank ainda criança, apresentado por turistas mineiros através de uma fita K7 em um período de férias escolares no litoral sul da Bahia no distante verão de 1993, este repórter escuta do músico um relato sobre como enxerga os fãs fiéis daquele começo de estrada. “Adorei o seu relato a respeito de como você conheceu o Skank. Tivemos o carinho e apoio na divulgação de muitos conterrâneos que levaram uma fita K7 ou o nosso CD independente para a praia. Por conta disso, falamos que não temos fãs, mas, sim, cúmplices do início da nossa carreira”, pontua.

“Este é um show para o público. Não estamos lançando nada, apenas agradecendo o carinho que sempre tivemos andando por este Brasil. Hora de cantar nossas músicas conhecidas e se emocionar. Depois de tanto tempo, construímos uma história muito bonita e que temos muito orgulho. A turnê de despedida é exatamente para encontrar todo mundo que de certa forma nos ajudou nesta caminhada”. Nesse papo com o Scream & Yell, que produziu um tributo ao Skank em 2017 com nada menos do que 32 versões exclusivas, Henrique aprofunda esse sentimento de completude dentro desses trinta anos de banda. Confira!

Henrique. permita-me me alongar um pouco nessa primeira pergunta. Tenho 41 anos de idade. Mais ou menos em janeiro de 1991, eu tinha nove anos e passava férias escolares na pousada que meus avós administravam no Arraial d’Ajuda, litoral sul da Bahia. O estabelecimento estava sempre repleto de hóspedes mineiros que veraneavam em Porto Seguro e no Arraial. Lembro bem de um casal de Belo Horizonte que conversava com meu irmão três anos mais velho do que eu e comigo. O rapaz mineiro, Cláudio, ao ver que a gente se interessava por música, disse que tinha uma fita k7 e ia colocar para ouvirmos. Antes de apertar o play no deck do 3 em 1, lembro-me bem dele dizendo que ainda íamos ouvir muito falar daquela banda. Como vocês já devem ter adivinhado, o som que saiu daquelas caixas foi o de uma apresentação de vocês antes do lançamento do disco de 1992. Não me recordo exatamente qual era a música, mas posso dizer que eu e o meu irmão passamos a guardar essa história em um imaginário de muito carinho e sempre costumávamos repetir o causo quando algum show de vocês ia rolar em Salvador. E não foram poucos. Desde divisões de palco com grupos de axé (Cheiro & Skank, Eva & Skank, até apresentações de vocês no “H”, programa do Luciano Huck aqui na orla). Estava em todos. E desde aquele período, os CDs do Skank passaram a rodar de modo constante no player que, ainda nos anos 1990, decorava a sala. Não tardou muito para eu me tornar, também, fã dos Beatles, com a enxurrada midiática advindas do lançamento do “Live at BBC” em 1993 e do” Anthology 1”, em 1994. E saber que vocês tinham a banda de Liverpool como som favorito só ajudou a aumentar o carinho tanto pelos britânicos quanto pelo Skank. Bom, eu fiz esse preâmbulo para lançar uma primeira pergunta: após três décadas, tendo marcado a Cultura Pop brasileira, o rock nacional e uma geração inteira (como é o meu caso), qual o peso para vocês ao contemplar esse momento de percepção em que a banda chega ao fim?
Adorei o seu relato a respeito de como você conheceu o Skank. Tivemos o carinho e apoio, na divulgação, de muitos conterrâneos que levaram uma fita K7 ou o nosso CD independente para a praia. Por conta disso, falamos que não temos fãs e sim cúmplices do início da nossa carreira. Se você me permitir, vou fazer uma pequena correção cronológica. O nosso primeiro show foi em Junho de 1991 no Aeroanta em São Paulo e lançamos o nosso CD independente no final de 92. Essa deliciosa história que você descreveu deve ter sido no início de 1993. Mas isto pouco importa. O que vale é que, depois de tanto tempo, construímos uma história muito bonita e que temos muito orgulho. A turnê de despedida foi exatamente para encontrar todo mundo que de certa forma nos ajudou nesta caminhada.

Dentro da música, vocês testemunharam diversas mudanças no Brasil e no mundo. De fenômenos como “Calango”, com hinos da altura de “Jackie Tequila” e “Pacato Cidadão”; “O Samba Poconé”, com fenômenos como “Garota Nacional” e “É uma Partida de Futebol”, passando por “Siderado” e “Cosmotron”, meus dois discos preferidos da banda. A minha pergunta vai por esse caminho de entender a visão de vocês para todas as mudanças que a banda viu no mercado fonográfico, passando pela presença massiva da TV aberta (Faustão, Gugu, MTV etc) na divulgação do trabalho, avançando pela década seguinte, quando a internet se tornou a principal ferramenta de divulgação. Escrevo sobre música e cinema ainda para um veículo impresso, e queria saber a opinião de vocês sobre o consumo musical hoje em dia. Vocês acreditam nessa potência de mercado na atualidade, com ídolos sendo fabricados por programas que definem quem tem talento e quem não tem?
Passamos por todas as alterações do mundo da música nos últimos trinta anos. Começamos no modelo físico, onde distribuímos quinhentos CDs independentes para formadores de opinião e jornalistas especializados, via carta registrada, pois ainda não existia SEDEX. Vimos a chegada da internet e fizemos a seleção das músicas do nosso álbum “Ao vivo em Ouro Preto” através do nosso site. A chegada das redes sociais e do Youtube nos levou a criar o SKANKPLAY, onde os nossos fãs podiam tocar e criar um videoclipe único de uma de nossas canções. Foram geradas sessenta mil versões deste videoclipe que nos deu um Leão de ouro em Cannes. Mas tudo isto foi consequência da nossa vontade de inovar em busca de estar cada vez mais próximos das pessoas que gostam do nosso trabalho. Falando dos programas de TV, acho importante falar de música e o tanto que as pessoas gostam de se expressar através da música. Isto é o mais importante.

Lembro que o show em Salvador estava agendado para 2020, mas precisou ser adiado (junto com a turnê) por conta da pandemia. Em algum momento nos últimos três anos houve dúvidas sobre a ideia de encerrar a banda?
A decisão foi tomada em 2019. Se imaginarmos que tenho mais tempo de vida com o Skank do que fora da banda, já é um sinal que foi um ciclo vitorioso. Chegou a hora de cada um seguir o seu caminho e realizar projetos pessoais dentro ou fora da música, que a agenda do Skank acabava impedindo. Mas a nossa música continua, só não faremos mais shows. Temos um baú de coisas que com certeza iremos lançar aos poucos. Mas ainda não tivemos tempo para pensar nestes próximos passos.

O Skank chega ao fim sem qualquer amargura, desafeto ou declínio artístico de seus integrantes. Há uma sensação de missão cumprida? Como definir esse sentimento de conclusão?
Acho que tudo na vida devemos pensar que tem um início e um final. O que está acontecendo agora, com a turnê de despedida é encontrar, em todo Brasil, as pessoas que fizeram parte desta caminhada e também aquelas pessoas que a nossa música se tornou a trilha sonora de momentos especiais em suas vidas. É muito bom quando alguém nos conta alguma história relacionada às músicas do Skank.

Impossível não seguir “down into the memory lane” ao perguntar a vocês quais um top dos momentos mais especiais para a banda. Para mim, lembro-me de vê-los em uma reportagem visitando o Abbey Road Studios durante a produção de “Siderado”, com direito a uma sensação de deslumbramento ao perceber-se no mesmo local onde foi gravado o “White Album”. Quais seriam os momentos mais especiais para vocês nestas décadas de banda?
Eu diria que para fazer uma lista destes momentos gastaríamos algumas páginas do jornal. Posso dizer que realizamos muitos sonhos. Sempre procuramos fazer o melhor buscando os melhores profissionais para que a nossa música sempre tivesse um ótimo acabamento. Gravamos, mixamos e masterizamos em muitos lugares por este mundo. Seja em Londres, Nova York, Woodstock, Los Angeles ou Paris. Tocar em quase vinte países, fazer programas de rádio e televisão na América Latina e Europa. Uma história que, algum dia, talvez a gente conte em detalhes.

Essa turnê de despedida é um presente para o público, então.
Este é um show para o público. Não estamos lançando nada, apenas agradecendo o carinho que sempre tivemos andando por este Brasil, principalmente em Salvador onde fomos gravados por vários artistas e temos muitos amigos. Hora de cantar nossas músicas conhecidas e se emociona.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

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