Entrevista: Marcus Preto repassa trajetoria de garçom e jornalista a produtor de Coala Festival, Gal, Tom Zé, Erasmo e muito mais

entrevista por Bruno Capelas
colaborou Marcelo Costa

Durante muito tempo, festival de música pop no Brasil precisava de grandes estrelas internacionais para chamar a atenção e entrar no calendário das pessoas. Mas desde o meio da década passada, um evento com nome de animal australiano tem mostrado que essa receita pode ser diferente, dando destaque exclusivamente à música brasileira. Em 2022, após três anos de pandemia, o Coala Festival chega à sétima edição acrescentando novos ingredientes a uma receita que tem sido copiada pelos quatro cantos do País – é só prestar atenção no calendário de festivais dos últimos meses. Entre as novidades, estão o primeiro show da carreira de Maria Bethânia em um festival, a revalorização de Djavan e a sensação Bala Desejo, “criada” pelo time do próprio evento – todos programados para se apresentar no Memorial da América Latina entre os dias 16 e 18 de setembro de 2022.

Por trás desse (e vários outros temperos do Coala) está um nome que passou muito tempo abaixo de manchetes e linhas finas: Marcus Preto. Com passagens pelas redações da Revista da MTV, Rolling Stone e Folha de S. Paulo, há dez anos ele trocou as rotativas pela produção musical. No caso do Coala, ele divide a curadoria com Gabriel Andrade, um dos “moleques incríveis” que criou o festival em 2014. Mas há mais, bem mais, em uma carreira que começou quase por acaso, com “Tribunal do Feicibuqui” (2013), polêmico compacto que uniu Tom Zé a Emicida, O Terno e Trupe Chá de Boldo – na época, Marcus estava fazendo uma biografia do baiano e acabou se convertendo em produtor para ajudá-lo a responder as críticas que sofreu por gravar um comercial para a Coca-Cola.

Como também foi por acaso o encontro com Gal Costa, de quem faz a direção artística de shows e discos desde 2013 – Marcus foi atrás da permissão para fazer um documentário sobre o disco “Fa-Tal” e saiu da casa da cantora com a missão de ajudá-la a pensar em um repertório novo. Ele é, talvez, um dos principais culpados pela boa fase de Gal nestes anos 2000, recuperando o repertório tropicalista ao mesmo tempo em que grava Maglore (“Motor”) e Marília Mendonça (“Cuidando de Longe”).

“A Gal achava que a sofrência da Marília tinha tudo a ver com disco (music), para ela ‘I Will Survive’ era uma sofrência cantada na boate”, conta. “A gente adorava as coisas da Marília, mas jamais imaginei que a Gal fosse ter a ideia de pedir uma música pra ela”. Essa, porém, é apenas uma das muitas histórias presentes na entrevista de quatro horas que Preto concedeu ao Scream & Yell no meio de agosto, entre cervejas diferentonas e chocolate Lindt.

No extenso papo, retomando uma tradição antiga deste site, o produtor relembra bastidores de trabalho e vida pessoal com nomes como Erasmo Carlos (“o cara mais legal da música brasileira”, “mas ainda fico com medo dele quando toca o telefone”), Alaíde Costa, Emicida (“gênio de título”), Nando Reis (“ele vai ler essa entrevista!”), Mallu Magalhães, Paulo Miklos, Odair José, Gilberto Gil, Caetano Veloso (“o hype”)… e, ufa!, até o Bala Desejo, um “Doces Bárbaros” de 2022 que o paulistano da Zona Norte, “alfabetizado por disco brasileiro” e apaixonado desde cedo por Rita Lee e Guilherme Arantes, ajudou a gestar.

Não é só: também tem histórias de jornalismo, da noite paulistana – antes de escrever, Preto dividiu bandejas no restaurante Spot, numa travessa da Avenida Paulista, por quatro anos com nomes como Céu, Andréia Dias e Marcos Mion – e análises sobre essa coisa que a gente gosta tanto chamada música brasileira, em que o Coala é um ponto de partida. Uma conversa que pode parecer cheia de glamour, mas em que transparece o dia a dia. Ou, como ele próprio diz: “o glamour é uma grande mentira; direção artística é tão quebra-pedra quanto ser garçom no Spot: tem gente que atrapalha, tem que engolir sapo, tem uma parte chatona para ter uma parte legal, é igual qualquer trabalho”. Com a palavra, Marcus Preto.

Alguns dos discos que são conversados nessa entrevista…. / Acervo Pessoal

Capelas: Para começar, vamos falar de Coala. O que você destaca da edição de 2022? Como é voltar a fazer um festival depois de quase três anos parado?
Marcus: Vai ser ótimo. Mas acho que antes de falar do Coala desse ano, vamos voltar uns passinhos nessa história. Eu fui no primeiro ano do Coala, em 2014, quando eu estava fazendo o “Vira Lata na Vira Láctea” com o Tom Zé. O Criolo me convidou, porque ele estava no “Vira Lata” e falou que ia participar de um festival de música brasileira em São Paulo. Achei estranho, festival de música brasileira era um negócio que não existia em São Paulo.

Marcelo: Vou até dizer até mais: era um negócio que não existia nacionalmente, nesse formato de misturar jovens artistas e grandes nomes. O Coala é um precursor…
Marcus: Opa, tem polêmica aí, porque tomamos uns tapas logo de cara. Bem, falando de 2014: fui e achei a curadoria muito doida, parecia algo que eu tinha feito. O lineup era Trupe Chá de Boldo, O Terno, Criolo, Tom Zé… e ainda tinha Charlie e os Marretas e o 5 a Seco. Das seis bandas, quatro eram artistas que eu tinha trabalhado no “Tribunal do Feicibuqui” e no “Vira Lata na Via Láctea” – e três deles estavam no meu primeiro compacto (com o Tom Zé). Fiquei a fim de ir, fui e achei foda. Eu não sabia quem estava por trás, mas deu muito certo: o som era bom, o banheiro funcionava, os shows foram ótimos e o público era muito legal. Eles conseguiram levar a MPB para um lugar adiante – pelo menos o que eu chamo de MPB até hoje, acho que facilita o entendimento. Logo depois, a Verônica Pessoa, empresária d’O Terno naquela altura, me ligou e disse que quem estava por trás daquilo eram uns meninos de 20, 22 anos, “legais demais!”. Acabamos aquela ligação pensando em fazer um festival assim também. Eu tinha acabado de sair da Folha de S. Paulo (nota: Preto era setorista de música brasileira do caderno Ilustrada), estava super animado. Chegamos a fazer reuniões para ter o Coelho Festival, um plágio do Coala. Logo depois a Verônica foi cuidar da vida dela, eu comecei a trabalhar com a Gal e obviamente não andou. Louco isso, né? No segundo ano do festival, eu não fui. Soube que não tinha sido muito bom: o [cantor] Cícero era meu vizinho de baixo na Pompeia, e eu falei que ele tinha que ir no festival. Ele foi e não achou tão legal. Em 2016, no terceiro ano, apareceu uma mensagem no meu Facebook do nada: “Oi, nós somos do festival Coala, e a gente queria chamar você para fazer parte”. Pô, eu ia plagiar os caras, é bem mais fácil fazer parte. Entrei no terceiro ano e conheci os moleques – e eles são maravilhosos mesmo. E foi uma reunião engraçada: eles davam algumas sugestões nas primeiras reuniões e eu falava que o Coala não era daquele jeito. Eles se surpreenderam quando eu coloquei o espelho na cara deles, começaram a ver coisas do festival que não estavam vendo, foi um processo muito rico. Quando você sabe quem você é, fica mais fácil fazer uma curadoria amarrada e se diferenciar. Eu não sou e não quero fazer parte dos festivais do Brasil. O Coala não é um festival tipo o Bananada, por exemplo. Ele tem uma lógica paulistana que não funcionaria fora daqui. É como aqueles eventos que acontecem no Rio e só fazem sentido lá. Se trouxer pra São Paulo, não funciona. O Brasil é isso, né? O Se Rasgum é um festival maravilhoso em Belém, mas não sei se caberia tanto em São Paulo. O Coala faria sentido lá? Acho que não…

Marcelo: Não sei. A gente teve um primeiro momento de festivais independentes no Brasil, pré-Fora do Eixo, que eram todos meio iguais. Eram festivais midstream, com artistas médios, nunca tinha ninguém muito grande…
Capelas: E tudo era pautado pelo rock.
Marcelo: Isso. Aí quando o Coala começa a dar certo, isso muda. O Coala talvez tenha, para os festivais, a mesma função que o Los Hermanos teve: validar o samba e a música brasileira para uma geração que olhava o samba de uma maneira distante…
Marcus: O Coala MPBtizou o rock, de certa forma, nos festivais…

Marcelo: Hoje olho festivais no Sul, no Nordeste e mesmo aqui no Sudeste, e eles têm line-ups muito próximos do que o Coala é hoje.
Marcus: É muito incrível você dizer isso. Eu não sou especialista em festival, o Bill [Gabriel Andrade, um dos sócios do Coala] é bem mais que eu. Eu sou nerd do que eu gosto, que é música popular brasileira. Tento roubar tudo para a MPB. Fui alfabetizado por música brasileira, por disco brasileiro, o Brasil que tem esse lugar é muito melhor. Na época da Folha, não me chamavam para festivais, não estavam nem aí para mim. Chamavam o Thiago Ney, porque os festivais eram mais jogados para o rock, chamavam o Lúcio Ribeiro – tanto que depois ele foi ser o cara dos festivais. E agora eu estou frequentando muitos festivais como diretor da Gal, ela está fazendo todos os festivais. Houve um momento que ela ficou em dúvida se queria fazer, mas ela começou a ir e achou sensacional. Só uma vez deu ruim, porque colocaram ela errado no lineup (risos). É verdade, não é piada: a Gal tocou entre a Ludmilla e a Glória Groove. Deu pau, né?

Com Gal Costa e Céu / Acervo Pessoal

Capelas: Parece que não aprenderam a lição do Erasmo no Rock in Rio 1985.
Marcus: Exato! Lineup é muito importante. Agora, para todo festival que quer a Gal, eu conto essa história. Naquela situação, ela ficou vendida. Ninguém a maltratou, mas não tinha a vibe, ela achou que não gostava de festival e não queria mais fazer. Expliquei que era caso isolado, e aí ela começou a gostar. E é maravilhoso: uma cantora de 77 anos, da MPB, ainda que tenha uma origem roqueira, ela é clássica, né? Mudou o perfil, faz completo sentido o que você está falando.

Marcelo: Só que aí tem duas coisas. Existe um mérito de vocês: a galera viu que é possível fazer um festival tendo a Gal no lineup. Ou Gil, ou Caetano…
Marcus: Gil é mais compreensível de estar num festival, mas Milton… Milton foi meio revolucionário. Falo com o olhar meio de dentro, meio de fora… esse ano, tem Maria Bethânia – e vai ser o primeiro festival da vida da Maria Bethânia.

Marcelo: Aí a gente chega na minha pergunta. Vejo os festivais influenciados pelo Coala, colocando a MPB nesse lugar. E os lineups começaram a ser muito parecidos, mas o Coala consegue fugir disso. O Coala consegue trazer Djavan e Bethânia, que ninguém tinha tido coragem de colocar. Como funciona isso na cabeça de vocês?
Marcus: Essa resposta eu tenho. Eu sinto que são bolas quicando. O Djavan é uma bola quicando. Mas o que é isso? Sinto que existe um grupo de artistas que foram pouco valorizados por um um período pelos cadernos culturais, pela crítica. E há um momento em que eles passam a ser valorizados, é o hype. O Caetano nunca perdeu o hype…

Capelas: O Caetano é o hype.
Marcus: Sim. Ele é uma pessoa genial, tudo que ele faz é incrível, puta que pariu. Até quando ele erra em política, ele erra acreditando com tanta veemência que faz a gente se perguntar se a gente é que está errado. Mas nem todo mundo é Caetano, e alguns são bolas quicando. O Milton, quando a gente escalou ele em 2018, estava quase virando esse Milton gigante que ele é hoje. Só que o pessoal do hype é um pouco atrasado, e o Coala bancou. O que acontece é que o público não é tão atrasado quanto o pessoal do hype, o público já estava se conectando com o “Clube da Esquina” de novo. Na minha época, o disco mais importante era o “Transa”. Depois, quando a gente fez a lista na Rolling Stone, era o “Acabou Chorare”. Agora, [na votação do Discoteca Básica], é o “Clube da Esquina”. É óbvio que os discos não mudaram, estão gravados há decadas, mas as pessoas mudaram. E eu saquei que o “Clube da Esquina” ia virar, o Milton ia virar o cara mais foda da música brasileira. Acho que o Djavan está chegando nisso. São ciclos: consumiu-se Novos Baianos até enjoar, uma hora muda. Claro que não serão descartados, uma hora tudo volta. Mas acho que o Djavan está nesse momento agora, as pessoas estão consumindo o Djavan – e isso não tem a ver com o que ele estava produzindo, mas com o que o público estava consumindo. Detectar isso é fundamental. Já a Bethânia é diferente: é uma tentativa de quatro anos atrás, e nunca rolou. Convencer uma mulher de personalidade tão definida desde o começo da carreira a fazer um festival era quase impossível. Fomos tentando, ano após ano, aí veio a pandemia e conseguimos fechar. Vai rolar agora. E tem outra diferença: é uma artista que todo mundo que vai no Coala conhece um pouco e quer muito ver, mas não tem dinheiro para pagar aquele ingresso, que é caro. Como Milton é, como Marisa Monte é.

Marcus Preto com Lô Borges e Milton Nascimento / Acervo Pessoal

Capelas: O Milton também ficou mais pop nesse processo nos últimos anos. A turnê do “Semente da Terra”, que é a turnê comunista do Milton, depois a turnê do Clube da Esquina…
Marcelo: Para mim, quando o Coala anunciou o Djavan, era óbvio que era uma bola quicando. Teve o disco do BID [“JAH-VAN”, de 2018], que teve uma repercussão muito boa. O Djavan sempre sofreu com as coisas das letras, não era uma coisa positiva, mas quando chega esse disco do BID, houve uma recepção boa das pessoas, e aí a galera começou a olhar diferente para ele.
Marcus: É engraçado, porque são artistas que tem um repertório sofisticado e popular, muito tocados em bar. O Milton sofreu com isso também. E o jornalista, gente mais velha, da minha geração, tem preconceito com esses caras.

Marcelo: A geração anterior à nossa é bem pior…
Marcus: É bem pior! As pessoas cagavam para esses caras. Lembro de chegar uma biografia do Milton em uma redação que eu trabalhei e alguém virar “nossa, Milton?”. Como se o Milton não fosse um dos maiores gênios da música mundial. Para essa pessoa, que era ignorante, o Milton era o cara da música do barzinho ou da formatura, é “Coração de Estudante”, é “Nos Bailes da Vida”. A falta de conhecimento dos jornalistas da nossa geração, da anterior, é incrível. O preconceito que havia com Gonzaguinha, outro exemplo, é um negócio que não existe mais nessa geração, o que é incrível.

Capelas: O que é uma prova que eu não pertenço à minha própria geração. (risos)
Marcelo: Mas você tem uma alma velha, Capelas.
Marcus: As gerações mais novas acham tudo diferente da gente. E tem aquilo: a minha geração negou os anos 1980, mas a memória afetiva recoloca as coisas no lugar. É uma luta de gerações: a música fica, ela está gravada, e alguém vai ouvir sem preconceito e parece até que é outra música. O Djavan é isso: estou ouvindo a discografia dele de novo e tem umas paradas incríveis nos anos 1970, claro, mas nos anos 1980 também.

Marcelo: Como foi fazer esse convite para ele?
Marcus: Em agosto de 2021, eu e os meninos do Coala estávamos morando junto com o pessoal do Bala Desejo numa casa em Santa Teresa [Rio de Janeiro], para gravar o disco. A gente estava falando do Djavan, o Bill gosta muito dele, e aí o Guilherme Marconi, que é outro sócio, se agilizou. Eu não sou sócio, sou contratado. O Guilherme é muito rápido, muito assertivo, e falou para irmos atrás. Eu mandei um áudio para a Suzy Martins, empresária dele, que eu já conhecia. Ela respondeu com um monte de senões. Passou um tempo e eu insisti, acabamos fechando. Demorou, mas fechamos. E rolou um sofrimento: a gente fechou, mas não podia divulgar a particição dele ainda. Só íamos soltar o terceiro dia, que era o dele, depois que a gente esgotasse os dois primeiros dias. Além disso, ele tinha algum show próximo em São Paulo e ele não podia divulgar nada em São Paulo por um tempo. Logo na sequência disso, veio o Rock the Mountain [festival em Petrópolis] e fechou com ele depois, mas divulgou antes. Rolou esse sofrimento: a gente conseguiu convencer o Djavan a fazer festivais, mas [esse pioneirismo] não ficou na nossa conta.

Capelas: O Coala começou com um dia. Em 2018, vira dois dias. Agora, vão ser três dias, com a sexta-feira, pegando horário comercial para manter a filosofia do festival de não ir até tarde. Enquanto isso, alguns festivais de grande porte no Brasil não estão fazendo edições de três dias, fazem só dois e olhe lá. Como foi a decisão de fazer esse terceiro dia?
Marcus: São decisões dos meninos do dinheiro. Eles tomam as decisões e nós vamos em frente. Eles sempre contam sobre a primeira edição, que eles não sabiam como era fazer um festival. “Se a gente soubesse, a gente não teria feito”, eles falam. Eles ficaram no prejuízo, na segunda edição mais ainda, mas foram entendendo o que funciona, são muito bons. O Gui é ligado na coisa do sertanejo: ele tem aquele know-how que não é o know-how do coitadinho do indie. É o know-how de gente que sabe fazer para gente exigente, chata.

Marcelo: Sertanejo tem aquilo: é um evento que se você não fizer dentro da expectativa, vai dar problema.
Marcus: Total: o cara não é condescendente com a banda, ele vai no evento para se divertir, é uma festa. Se a festa não está boa, tchau. O Gui trouxe esse know-how para o Coala. Mas bem, eles foram entendendo que dava para abrir mais um dia, e o Memorial comporta a demanda. Mas agora não sei como vai ser: no futuro, vamos abrir mais um dia? Quatro dias? Uma quinta-feira?

Capelas: Uma segunda? A Rosalía abriu o precedente
Marcus: Uma segunda seria bom demais! É expansão. Talvez a gente poderia fazer dois Coalas por ano.

Capelas: As pessoas têm grana para isso?
Marcus: O Coala não chega a ser caro… claro, no Brasil de hoje é tudo caro. Mas se você for olhar o valor do passe ali, talvez seja mais barato ir nos dois dias do que na Rosalía, só que vendo sei lá quantos artistas incríveis. Entende?

Capelas: Por outro lado, tem a lógica de ver xis artistas brasileiros, mas artista brasileiro vai estar por aí de novo. Artista internacional não.
Marcus: Por isso acho que faz sentido o pensamento do sertanejo, que é o de ir para uma festa. Você não está indo ver os artistas, você está indo para o melhor lugar na cidade naquele dia ou final de semana. É essa a lógica: os shows são legais, com artistas brasileiros todos juntos, aqui eu tô com os meus amigos, a gente vai beber até morrer, e ainda volta de metrô para casa.

Marcelo: Sem falar que Gal, Milton, Djavan… são shows caros. Para ver um deles sozinho, você vai pagar caro.
Marcus: Teve uma coisa curiosa nesse festival: quando anunciamos a Bethânia, numa terça-feira, foi muito boa a venda. Ela foi a primeira artista a ser anunciada. Os meninos queriam anunciar a Gal logo na sexta-feira. Achei que ia dar errado, que não ia vender bem porque é o mesmo público. Eu estava completamente enganado: as pessoas se atraíram por ver as duas artistas no mesmo evento. A Gal está em todos os festivais, não é raridade, mas quando a gente anunciou ela no mesmo evento que a Bethânia, a gente vendeu mais do que antes. É como se você juntasse as informações na cabeça das pessoas e pronto, elas sabem para que festa estão indo.

Capelas: É uma coisa engraçada das festas em São Paulo hoje: sempre rola uma lista com todas as bandas que você vai ouvir na noite. Acho chato: a graça para mim é ser justamente surpreendido, sabe.
Marcus: Mas rola uma conexão do público, de [olhar um evento e] entender que “esse mundo é meu”. As pessoas estão precisando muito disso. A gente está nessa merda, então ir em um lugar que se você for com um broche do Lula você não corre o risco de tomar tiro ou soco, pô, é uma paz. Acho que tem essa parada da conjunção. É o mesmo público. É muito louco.

Marcelo: Qual é a sua expectativa para esse Coala, que é o maior de todos? Além disso, tem vários nomes espetaculares, tem Gil…
Marcus: Era a Alcione, aí veio o Gil!

Capelas: A Alcione também era uma aposta mais ousada…
Marcus: Ela também era uma ideia antiga nossa: queríamos colocá-la com algum artista jovem. A ideia inicial era com um artista que não existe mais, vamos dizer assim. Acabamos fechando com a Céu em 2022, mas aí a Alcione teve um problema de saúde, vai ter que operar e aí cancelamos as coisas. Aí veio o Gil.

Marcelo: É engraçado pensar que vocês cogitaram a Alcione, aí vem agora a MC Tha e grava um disco só com canções de Alcione, é a bola quicando de novo.
Marcus: É a bola quicando o tempo todo, é fácil. Você deve se ligar [desse tipo de coisa] toda hora, “por que estão falando esse cara?” A [cantora] Malía me chamou para dirigir um show dela: foi em casa, começou a cantar e sabia todo o repertório da Alcione. Perguntei de onde ela tinha tirado aquilo e ela disse que as amigas todas eram fãs. Ali eu saquei que a bola estava quicando: pô, a Malía tem vinte e poucos anos. Por outro lado, é engraçado, o Gil é meio onipresente no Coala.

Capelas: Tem uma coisa interessante nessa chamada fórmula do Coala. Tem os medalhões da MPB. Tem nomes novos, mas que seguem essa estética de brasilidades, que pode ir de Rodrigo Amarante até Marina Sena. E tem uma presença forte do rap. Alguns rappers dialogam muito com essa tradição da MPB, como Emicida e Criolo, mas esse ano vocês escalaram alguns nomes que não têm esse diálogo de forma óbvia, como o Black Alien, o BK. Como é juntar esses pontos?
Marcus: É um cuidado como se faz numa discotecagem, é a ordem dos fatores. É o que eu falei da Gal entre a Ludmilla e a Glória Groove. Naquele festival, tinha Silva no mesmo dia. Se fosse Gal, depois Silva, pode ir para a Ludmilla depois sem problema. Acho que o rap é a música brasileira mais importante dos nossos tempos. Por isso fico roubando o rap para a MPB. O Emicida tá meio que em tudo que eu fiz, ele está no “Tribunal do Feicibuqui”, está no Paulo Miklos, está na Gal, está no Erasmo Carlos. É um cara de bom trânsito, assim como o Criolo. No Coala, a gente tinha uma piada que era assim: “putz, queremos fazer o show de alguém da MPB, mas precisava de uma participação? Pô, ou pode ser o Tim Bernardes ou o Criolo”. (risos). Eles cabem de fato em todos os shows, o Tim é tropicalista como o Caetano, que pode estar com Odair José e Tom Jobim ao mesmo tempo, e o maior hit dele ser uma música do Peninha. E o Criolo é naturalmente agregador das coisas. Ele nem vale muito como essa coisa do rap, porque ele é do rap, mas ele é tudo, é inacreditável. A Céu também é meio coringa, ela transita, ela funciona bem com todo mundo.

Com Criolo e Emicida / Acervo Pessoal

Marcelo: O que me surpreendeu de uma maneira legal, na sua fala, é essa liberdade. Eu fiz poucas curadorias, e a maioria delas era bem fechada num conceito. A da Heineken [sequência de shows no MAC USP em 2016] foi a mais pirada, porque teve Metá Metá, raps, teve Warpaint, umas coisas gringas. E o engraçado é que a head do projeto, com quem eu tinha pouca relação, me abraçou justamente depois do show d’As Mercenárias. Pô, foi a Mercenárias que a surpreendeu!
Marcus: Pô, isso é bonito. Curadoria é isso: você até que já sabe os nomes, tem algo meio parecido, mas às vezes aparece algo assim no meio…

Marcelo: E o legal é que você diz que no Coala tem total essa liberdade. Vocês têm essa liberdade que outros festivais não tem. Outros poderiam ter pensado em Djavan ou Bethânia, mas vocês compram.
Marcus: É que esses moleques do Coala são muito incríveis. Não sou de elogiar as pessoas não, mas eles são mesmo. Eles são muito abertos. Na hora que eu falei para o Bill de Alcione, ele só falou “foda, mano”. Já as ideias de artistas novos são principalmente dele. Quando eu era jornalista, ouvia muita música nova, mas agora faço isso bem menos, principalmente porque estou cuidando dos discos que estou fazendo. E é por isso que o Coala funciona: o Bill é um cara muito interessado na galera nova, ele ama rap, traz os nomes todos. O que faz as coisas caberem é o encadeamento.

Capelas: Isso me chamou a atenção. Lineup de festival costuma ser show atrás de show, e às vezes entra um DJ. Não é o caso do Coala: tem meia hora de DJ entre cada show – e está no lineup já. Por quê?
Marcus: É para preparar palco, mas também é para preparar a transição. É o Bll também quem vai atrás os DJs, é o pensamento dele. Assim como a ideia de começar o dia com um show forte é dele. Eu achei estranho no começo. No meu primeiro ano, o dia começou com Silva e ele já era muito grande na época. A gente quer que as pessoas cheguem cedo para curtir o festival. É para consumir o festival inteiro – inclusive cerveja! Naquele ano, acho que veio a Aíla depois do Silva. Se fosse Aíla, depois o Silva, as pessoas não iam chegar cedo.

Marcelo: Isso é uma coisa que eu sempre valorizei no Coala, de colocar um artista já com um tamanho legal abrindo o dia. É fazer a pessoa chegar cedo mesmo…
Marcus: Já teve Liniker ou Letrux sendo a segunda banda do dia, Céu. Alguns artistas às vezes não entendem porque estão abrindo o dia, que costuma ser uma posição meio desvalorizada. Aí a gente explica, mostra como foi nos anos anteriores e fecha a conta na cabeça deles. É um lugar nobre. O artista entende que tem que trazer a galera cedo, e para isso “alguém foda tipo eu”.

Marcelo: Estou lembrando aqui. Em 2018, começou com Francisco el Hombre, aí teve Àttooxxá, depois Academia da Berlinda… e lembro que esse foi um show que ficou meio apagado.
Marcus: É algo que se corre o risco ao adotar esse formato. Se colocasse a Academia primeiro e Àttooxxá depois, não ia ficar apagado, mas ia ficar mais vazio. É melhor que mais gente tenha visto? Acho que sim.

Marcelo: Vamos deixar o capítulo Coala um pouco de lado e falar da tua “obra” agora.
Marcus: Pô, é a primeira vez que alguém junta esses discos (físicos numa mesa) e chama de obra.

Marcelo: É um trabalho que começa com o “Tribunal do Feicibuqui”, que a gente já discutiu muito aqui.
Capelas: Teve a entrevista com a Apanhador Só.
Marcus: Lembro! A Batedor Só? Eles falaram de um jeito feio, fiquei puto na época.

Nota: em 2013, Tom Zé gravou um comercial para a Coca-Cola e foi criticado na internet por ter se vendido a uma grande corporação. As críticas foram a deixa para a gravação de “Tribunal do Feicibuqui”, um EP gravado junto com Emicida, O Terno, Trupe Chá de Boldo e Filarmônica de Pasargada. Na mesma época, a banda Apanhador Só lançava seu segundo disco, “Antes Que Tu Conte Outra”, contendo a canção “Líquido Preto”, uma espécie de anti-jingle para a Coca-Cola. E, em entrevista ao Scream & Yell na época, o grupo criticou Tom Zé pelo comercial e pelo EP, gerando uma discussão em uma das maiores polêmicas da história do site.

Marcelo: Mas vamos lá. Como você faz essa transposição de ser um jornalista de música no principal jornal do País para virar produtor?
Marcus: Eu estava saindo, já. Eu fui demitido [da Folha], na verdade. Mas é legal falar antes como é que eu entro no jornalismo. Eu era garçom do Spot, um restaurante aqui de São Paulo. A Céu era garçonete comigo, a Andréia Dias era garçonete comigo, o Leo Cavalcanti foi garçom lá depois de mim… vou me superar: o Marcos Mion foi garçom lá também!

Capelas: Pô, vocês já bolaram a ideia de fazer um show especial “nos tempos do Spot”?
Marcus: Eu tenho muito amor por aquele lugar, talvez a coisa mais importante que aconteceu na minha vida tenha sido o Spot. Eu conheci Caetano Veloso lá, Waly Salomão lá, Antonio Cícero lá. Real: o Waly era meu amigo, ele ia pro Spot me esperar na saída. Eu conheci uma galera muito importante para a minha formação, de um cara semianalfabeto que foi alfabetizado por LPs. Era muito doido: chegava um desses caras lá e ninguém os conhecia, mas eu colava na mesa e ficava ali conversando, querendo saber tudo, eu praticamente entrevistava o cara na mesa. Teve histórias maravilhosas. Teve uma vez que chegou a Lygia Fagundes Telles na fila. Eu comecei a arrancar as pessoas da frente, o gerente falava que tinha fila e eu respondi: “pô, é Lygia Fagundes Telles”. Dai que ela volta um tempo depois com o “Invenção e Memória” (2000) autografado para mim. O livro ia sair só na semana seguinte, eu choro, óbvio. Conheci também muita gente da geração mais nova, Zélia Duncan, o Arnaldo Antunes, a Vanessa da Mata. Aliás, tem essa história: eu conheci a Vanessa quando ela não tinha nem disco ainda. Um dia, do nada, ela chega e diz que estava sem produtora. Perguntou se eu queria ser produtor dela. Topei. Fiquei um ano com ela, sem saber nem direito o que fazer, fiz o show dela no Prata da Casa, com a curadora do Sesc Pompeia enlouquecida comigo, eu não sabia nada. “ECAD? O que é isso?”. Deu um ano, eu falei para a Vanessa seguir o caminho com alguém que sabia das coisas, porque eu estava com ela e tinha que ainda trabalhar à noite de garçom. Imagina?

Capelas: E como é que isso vai desembocar no jornalismo?
Marcus: Um dia, o Ricardo Teté, que é músico e escritor, me conta que estava escrevendo para a Revista da MTV. Ele era amigo de uma garçonete do Spot. Olhei para a cara dele e falei: “você escrevendo numa revista? pode isso?”. “Não, é que o Antonio Prata está lá, ele é o diretor de redação”. Os dois tinham estudado no Equipe, acho, em alguma dessas escolas chiques. Eu sou da Vila Maria, zona norte de São Paulo, é outro universo. Pedi para o Ricardo me apresentar, afinal, o Waly Salomão já tinha dito que meus textos eram foda. Isso foi em 2000, comecinho de 2001, eu já estava há quatro anos no Spot, imagina a ansiedade. No fim, o Ricardo não me apresentou. Cobrei e nada. Até que um dia o Ricardo aparece no Spot e diz que o Antonio Prata saiu da revista. Tomei um porre, fiquei puto. Naquela época, tudo ficava aberto na Paulista de madrugada. Fui na banca, comprei a revista e tinha todos os emails das pessoas que trabalhavam lá. Mandei um email bêbado direto para a chefa. Acordei, não lembrava que tinha mandado o email, mas tinha uma resposta dela: “quero te conhecer”. E assim eu virei jornalista.

Capelas: Quem era a chefa?
Marcus: Era a Monica Figueiredo, ela tinha feito a virada da Capricho nos anos 1980, 1990, deixou a coisa gigante. Ela é filha do Abelardo Figueiredo, que era o cara que fazia os shows de Sinatra, Ella Fitzgerald para o Brasil nos anos 1960, 1970. E ela me contratou. Foi assim que eu entrei para o jornalismo, veja só que preparo! Fiquei dez anos na área da música. Em 2012, eu estava na Folha e bastante em atrito com a editora que estava lá. Ela queria sangue e eu não queria. É sério: em 2011, tinha saído o “Recanto”, da Gal. O disco era todo composto e produzido pelo Caetano, eu ia fazer a entrevista. Antes de sair da redação, a editora virou para mim e falou: “eu quero sangue, vê lá hein?”. Eu já estava meio panicado, olha que loucura. A Folha é uma pressão maluca. Não sei como é hoje, mas era. Obviamente, eu não trouxe sangue da entrevista. Se você for ler a matéria, é maravilhoso: o texto diz uma coisa, mas a linha fina e o título dizem o oposto. E com quem eu fui trabalhar depois? Com a Gal. Bem… naquela época, eu estava fazendo uma biografia do Tom Zé.

Marcelo: Sério? Isso saiu?
Marcus: Não, é uma biografia que nunca sairá. A história é doida: no meu aniversário, fui para o Ritz com o pessoal da Folha comemorar. Chegou na roda uma menina que era a Fernanda Diamant, na época da Editora 34 – depois ela veio a ser mulher do Otávio Frias Filho [dono e diretor da Folha]. Eu não a conhecia, mas ela disse que o Ronaldo Evangelista estava fazendo uma biografia do Tom Zé, mas que, por algum motivo, ele decidiu não fazer. Eu abracei a causa. O Tom Zé já me curtia porque eu tinha escrito coisas que ele já tinha gostado. Então, toda quarta-feira, antes de ir para a Folha, eu ia para a casa do Tom Zé fazer entrevistas. Eu tenho, sei lá, umas cem horas de entrevistas com ele. Uma hora, eu saí da Folha, a pressão foi aumentando. Logo depois que eu saí, um dia o Adriano Cintra me liga: “pô, você viu que merda que rolou com o Tom Zé?”. Era sábado, eu tinha ido lá na quarta, não estava sabendo de nada. “A galera está acabando com ele no Twitter”, falou o Adriano. Eu não uso Twitter: toda vez que usei, fui demitido ou fui quase demitido, então parei de usar. Liguei para a Neusa [mulher de Tom Zé] e ela respondeu assim: “Tom Zé está mais indisponível do que Greta Garbo”. Acabei indo lá e ele estava com uma cara cabisbaixa, não queria mais fazer música, falou que ia parar. Depois ele desmentiu que disse isso, mas ele disse. Falei para ele: “Tom Zé, se você pegar essa gente que está te xingando, põe música e canta. Faz que nem o ‘Imprensa Cantada’, remenda essa gente toda”. Ele achou legal, mas achou melhor não, falou que tinha que chamar banda… Acho que na época ele estava com pouca grana, não ia ter como pagar música, produção. Naquela época, eu tinha feito um frila para a “Serafina” [revista encartada na Folha de S. Paulo] sobre umas bandas novas. Era Trupe Chá de Boldo, Filarmônica de Pasárgada e O Terno. Falei pra ele que tinha feito essa matéria com três bandas que amavam ele, que citavam como referência, sugeri de chamá-los para gravar, mas saí de lá meio derrotado. No dia seguinte, às cinco e meia da manhã, aqueles horários de Tom Zé, toca o meu telefone: “E aí, Marquíssimo, já ligou para os meninos?”. E aí começou o “Tribunal do Feicibuqui”.

Capelas: A biografia, no fim, nunca vai sair… por que você virou personagem dela?
Marcelo: O Tom Zé é um cara difícil de acompanhar. Já entrevistei ele duas vezes, e nas duas foi igual: eu fazia uma pergunta, ele abria uma resposta de dez minutos, em que ele viajava numa coisa completamente nada a ver. Na hora que ele fechava a pergunta, porém, você percebia que ele tinha respondido, mas era um caminho doido.
Marcus: É por isso que eu tenho cem horas de gravação com ele. E as respostas dele não rendem aspas, é difícil de entregar a informação. Ele nunca responde simplesmente que não foi a tal lugar, ele vai te explicar com uma história que explica porque ele não foi em tal lugar em tal época. E biografia tem disso: o Ruy Castro me disse uma vez que fazer biografia de gente viva era uma péssima ideia. Das duas, uma: ou você vai fazer um livro ruim ou vai brigar com a pessoa, se tem carinho por ela – e eu tenho carinho pelo Tom Zé. Acabei optando por nenhuma das duas coisas. É isso: se você expuser sua vida real, você briga com um monte de gente que você ama. O Ruy Castro estava certo. Mas foi isso: eu fui fazer uma biografia e acabei fazendo o “Tribunal do Feicibuqui”. Foi tipo o email para a Mônica Figueiredo, foi muito por acaso. E com a Gal foi igualmente por acaso.

Capelas: Sério? Conta melhor essa história.
Marcus: Sim. A Dandara Ferreira achou umas imagens em vídeo do show “Fa-Tal” lá na Cinemateca Brasileira. O Leon Hirzsman filmou mais de uma sessão na época e está lá num copião, não sei se pegou fogo dessa vez, mas na época dava para ver. Lá tem muito material do “Fa-tal”, sem áudio, mas o áudio a gente tem pelo disco. Não sei se vai casar o mesmo dia do áudio com a imagem, mas algum áudio existe. E pensei em fazer um documentário disso, ia ser foda. Aí marquei uma reunião com a Gal, ela desmarcou. Marquei, ela desmarcou. Marquei de novo, ela desmarcou de novo. Eu não a conhecia, só tinha entrevistado umas vezes, mas aí marcamos até um dia que ela foi. Eu apresentei a ideia, ela achou bom, topou fazer, e aí eu me preparei para sair. Aí ela: “Quê isso? Já vai embora? Paulista, né? Falou de trabalho, acabou o trabalho, já quer ir embora”. Ela tinha acabado de vir morar em São Paulo. Aí a gente começou a conversar, uma hora deu uma brecha, aí eu me preparei para sair de novo, achei que estava alugando ela. “Ó o paulista de novo”, ela reclamou. Já que era pra ficar, fiquei e perguntei do disco novo, porque ela tinha feito o “Recanto” e o ao vivo do “Recanto” logo depois. Ela respondeu que ia fazer um disco de regravações, uma coisa bem de cantora. Respondi: “Gal, não dá para você lançar esse disco agora, você está vindo do ‘Recanto’, que te colocou de novo no seu lugar, um lugar de posição máxima na música brasileira, não dá para voltar ao que era antes”. Ela ficou meio assim, perguntou o que eu achava. Disse que ela tinha que fazer um disco de galera nova, trazendo novos compositores para fazer música para ela, bora abraçar. “Ah, então você vai ter que trabalhar!”. E aí foi tipo a Vanessa da Mata me chamando para ser produtor dela. Fui para fazer um filme, acabei fazendo um disco – e obviamente que o filme não existiu. No fim das contas, são nove anos de parceria, já temos três discos de estúdio, dois ao vivo, mais o do Gil e do Nando [“Trinca de Ases”]. E pô, a Rita Lee e a Gal Costa eram as minhas cantoras prediletas de sempre. O cantor predileto não era o Caetano, mas sim o Guilherme Arantes. Sou da Zona Norte de São Paulo, era Rita e Guilherme, né?

Marcelo: Você nunca fez nada com o Guilherme, né?
Marcus: Não! O Guilherme está em vários discos meus, compôs para vários discos. E eu fiz o projeto Na Sala de Estar no Sesc Pompeia com ele, foi muito bom. Mas disco, projeto grande, não.

Capelas: O Guilherme é uma bola que está quicando há um tempão e ninguém quer pegar. É um caminhão de hits que ele tem…
Marcus: Desde sempre eu tento, mas ninguém pega, é uma loucura. É lindo, eu não sei, enfim, tem muita coisa, eu continuo nessa luta.

Marcelo: Mas deixa eu perguntar: mesmo depois de ter feito vários discos com a Gal, você ainda se dá um beliscão quando ela tá na tua frente? Porque já não é uma novidade…
Marcus: Tem nove anos que a gente começou. Essa reunião do Fa-Tal foi em agosto de 2013 e eu comecei logo no dia seguinte, com toda a sede do mundo. Cara, todo relacionamento chega uma hora que fica normal, porque você tem que lidar com o ser humano que está ali. Mas mesmo trabalhando com ela há um tempão, quando ela canta uma música que eu nunca ouvi ela cantar eu volto a ser aquele fã, o tiete. As músicas que eu estou acostumado a ver ela cantar viraram material de trabalho, é normal – claro, com toda a grandeza que aquilo tem. Mas esses dias, por exemplo, ela cantou “Mil Perdões” numa live. Eu voltei lá para a zona norte, aquilo está encapsulado num lugar da minha memória afetiva.

Capelas: Eu tenho uma coisa bem nerd que é ficar imaginando repertórios para artistas. Tenho uma playlist que pensa como seria o Roberto gravando um disco à la “American Recordings”, do Johnny Cash. Você pode fazer isso na vida real com a Gal. Como é isso na tua cabeça? Como é trazer compositores novos para ela cantar, seja em músicas inéditas, como a da Marília [“Cuidando de Longe”], ou canções que já tinham sido lançadas, como “Motor”, da Maglore, que estava meio solta num disco que pouca gente ouviu?
Marcus: Eu fazia isso na época do Spot! Eu já tinha dez shows da Gal prontos na minha cabeça quando eu era garçom. Às vezes eu tinha que enrolar, nem sempre você tinha gente para atender, então eu deixava a lista num cantinho, ia atender, voltava e anotava. Quanto à Gal, posso falar de cada caso, porque é algo muito menos teórico e muito mais intuitivo. A intuição vem primeiro, depois vem o conceito. É engraçado, né? Talvez outras pessoas sejam diferentes. Com a Maglore, por exemplo: eu estou vendo um show deles no Bixiga, no Mundo Pensante, e de repente começa a tocar “Motor”. Na hora, mando um recado para ela direto do show: “Gal, estou aqui no show de uma banda que você não conhece, de um baiano, e tem uma música que é muito ‘Vapor Barato’. Ouve aí”. Mandei pra ela – com essa ressalva do baiano para ela já simpatizar mais – e ela: “linda, vamos botar”. Não falei nada pro Teago porque desse primeiro “sim” para a música estar no show pode tudo acontecer – e quase sempre o resultado é não rolar. A banda vai tocar, vai entrar a voz dela, talvez não funcione, não entre no show… tanto que eu convidei o Teago pro show e ele não pode ir. Aí o Helinho [Hélio Flanders] foi, filmou e o Teago meio que soube só quando aconteceu.

Com Hélio Flanders, Teago Oliveira e Duda Beat / Acervo Pessoal

Capelas: É a história que ele conta no “Ao Vivo” da Maglore.
Marcus: Sério?

Capelas: O Teago conta que a Maglore está fazendo um show em São Luís e de repente recebe um vídeo no celular com o Hélio falando assim: “amiga, Gal tá cantando sua música”.
Marcus: Sim, foi isso mesmo. Essa música é a cara dela. Depois, o Chico Chico gravou, a Pitty gravou. Inclusive quando a gente falou que ia gravar, o Rafael Ramos disse que a música ia estar no disco novo da Pitty. Mas a Gal já estava cantando, a culpa já não era mais minha. No caso da Marília Mendonça, foi diferente. A ideia veio da Gal. Estávamos no avião, pensando no que viria a ser o “A Pele do Futuro”. A Gal queria fazer um álbum de disco music. Ela já queria que o “Estratosférica” tivesse sido um disco de disco music, só que aí o Kassin fez “hahaha, claro, daqui a pouco a gente faz” e não fez. E o Pupillo, no “A Pele do Futuro”, acabou fazendo. Claro, a gente não ia fazer um disco inteiro de disco music, mas se ela tinha a vontade, vamos fazer. Acabaram sendo duas músicas assim. “Sublime” era um samba triste, do Dani Black, bem lento, e o Pupillo sacou que ali dava para fazer uma disco. E o próprio Dani Black gostou. Eu achei maravilhoso que o Dani depois ia poder gravar do jeito dele e as pessoas iam tomar um susto. A outra era música da Marília, “Cuidando de Longe”. A Gal achava que a sofrência da Marília tinha tudo a ver com disco music. Para ela, “I Will Survive” era uma sofrência cantada na boate e pediu para a gente pedir uma música para a Marília. A Gal é foda, sabe: às vezes, ela te dá uma ideia que você nunca teria coragem de dar para ela, porque ela ia dizer não e rir da sua cara. A gente adorava as coisas da Marília, mas jamais imaginei que a Gal fosse ter essa ideia. E você vai dizer não para uma ideia dessa? Claro que não: eu saí do avião já ligando para o Paulo Monte, da Som Livre, para saber como fazia para falar com a Marília. Inicialmente, a Gal ia cantar sozinha, mas a demo da Marília era tão boa que a Gal decidiu chamá-la para um dueto. Mas é isso: cada coisa é de um jeito. A Gal é muito surpreendente, quando você acha que ela vai amar algo ela odeia.

Com Márcia Castro e Marilia Mendonça / Acervo Pessoal

Marcelo: A Gal vai cantar o “Fa-Tal” no Primavera Sound, em novembro. De onde veio essa ideia?
Marcus: Era uma ideia antiga, mas que a pandemia fez não acontecer: em 2021, ia fazer 50 anos das Dunas do Barato, as Dunas da Gal, em Ipanema, que inspirou todo aquele momento do “Fa-Tal”. No final de 2020, quando as coisas estavam querendo melhorar, veio uma demanda de fazer o “Fa-Tal” no Rio de Janeiro, era um projeto grande. Tinha que ser um show da Gal, ela era a musa daquele momento. A galera saía da praia e ia para o Teatro Thereza Rachel ver a Gal, naquela época que Gil e Caetano estavam exilados. Não deu certo porque aí veio a segunda onda. Mas achei foda: às vezes, para o artista, é difícil refazer um negócio desses, a gente chegou a tentar que o Caetano fizesse um show do “Transa” no Coala – e é claro que ele não quer fazer.

Marcelo: A gente tem um certo preconceito no Brasil. A Virada Cultura fez muito desses, o Macalé foi incrível
Capelas: O Erasmo fez o “Carlos, Erasmo…” ao vivo no Municipal, foi uma coisa linda. Na última Virada pré-pandemia a gente teve a Joyce fazendo o “Feminina” às 8h da manhã na Barão de Limeira, vazio, mas uma coisa linda…
Marcus: É de chorar. Eu vi esse da Joyce, eu vi vários.

Marcelo: Mas ainda assim, vejo que muita gente tem preconceito, que as pessoas não querem fazer.
Marcus: É gente que não tem muito amor a esse negócio que a gente tem amor, o disco, o clássico. É a mesma Gal? Não! É a mesma banda? Não! É outro Brasil, se for igual está errado, tem que ser diferente mesmo.

Marcelo: E o legal é ser diferente. É isso que você falou antes: as músicas são iguais, mas as pessoas mudam. Sem falar que tem gente que ama o “Fa-Tal” mas nasceu, sei lá, em 1990, e nunca iria ver esse show. Tem uma ligação emotiva com aquilo ali que pode transpor qualquer coisa da comparação, claro. É esse objeto que para a gente é uma coisa sagrada.
Marcus: O Milton fez o show do “Clube da Esquina”, que não é o show do disco, exatamente, mas é aquele universo, e eu chorei de cabo a rabo no show. É lindo demais. Se você gosta de música, você gosta dessas coisas. Enfim, vieram com essa ideia do “Fa-Tal” e não rolou. Aí o Pedro Antunes, que está no Primavera Sound, me ligou para perguntar o clássico: “e aí, vamos fazer o Doces Bárbaros?”, como se fosse muito fácil. Não ia ser eu que ia dizer que não ia rolar, mas enfim…

Capelas: Acho mais fácil rolar um Doces Bárbaros do que o Jorge Ben fazendo “A Tábua de Esmeralda”.
Marcus: Entre as impossibilidades, tem uma hora que é impossível. É tão impossível ressuscitar a Elis Regina quanto o Raul Seixas. “A Tábua de Esmeralda” é impossível, o Jorge é um cara que não gosta de olhar para as coisas lá de trás. Lembro que eu estava na gravação do “Acústico MTV” dele, porque eu tinha acabado de começar na revista. O cenário era lindo: umas transparências com uns retratos antigos, aqueles óculos lindos da capa do “Ben”, de 1972, umas fotos muito legais. Ele chegou na hora, viu e perguntou: “o que é isso aqui? pode tirar”. Ele derrubou o cenário todo, não teve cenário, porque ele não quis. Um tempo depois, eu estava trabalhando na Folha, era já o final daquela MTV clássica e resolveram fazer um Luau MTV com ele. Mostraram para ele como ia ser, claro. Na véspera, o motorista errou o caminho e passou em frente ao local que ia ser feito o luau. Ele perguntou onde estava o palco. “Não, Jorge, não tem palco”. “Ah, então não vou fazer, não tem palco!”. Os caras tiveram que levantar um palco de madrugada para ele fazer. E no fim das contas, ele não deixou lançarem. Eu nem dei matéria sobre isso. Ainda na Folha, uma terceira história com o Jorge, porque ele é uma figura divertidíssima desse negócio, meio Roberto Carlos. É difícil entrevistar o Jorge, ele não gosta, mas eu insisti, insisti, insisti. Eu estava tentando convencer o empresário a falar bem na época que saiu aquela caixa dele com treze discos da Philips. “Pô, Jùnior, é bonito, tão saindo os treze discos…” “Treze?! Pelo amor de Deus não conta para ele que são treze senão não vai sair a caixa!” (risos)

Capelas: Genial! Vamos voltar: então o Pedro te ligou para fazer o Doces Bárbaros…
Marcus: Não ia ser eu quem ia falar para ele que não ia rolar. Ele foi tentar, mas percebeu que não ia rolar, ao menos não para esse ano. Aí ele perguntou o que mais poderia rolar com a Gal. Contei dessa proposta de fazer uma revisão do “Fa-Tal”, mas não sabia se ela ia topar. Até porque o “Fa-Tal” era um show de teatro: um show 50% de voz e violão num teatro é uma delícia. Agora, no Primavera Sound… A gente tem que repensar, talvez tenha que ser inteiro com banda, são shows diferentes. Tem que ter peso desde o começo. Mas a gente ainda está definindo, os ensaios vão ser imediatamente antes do show. Enfim: o Pedro gostou da ideia, eles negociaram, convenceram a Gal, e aí achamos que vai dar certo. Ela ficou com receio no começo, “pô, é o ‘Fa-Tal’, eu não sou mais aquela”. Jura, Gal? Ninguém que estava no “Fa-Tal” é mais a mesma pessoa, inclusive muita gente morreu, é uma nova vida, é muito novo.

Capelas: É engraçado isso, porque é a Gal indo para um novo estilo de festival, diferente do Coala. Mas ao mesmo tempo, a Gal vai levar um público diferente para o festival. Meu pai tem lá seus 60 anos e está indo para ver a Gal e a Bjork.
Marcus: São as duas que eu estaria indo para ver. Vai ser bonito. Com um pensamento de 2022, indo para 2023, e como show de festival. Se não o artista entra numa roubada, e aí ela não quer mais fazer. Tem que ser gostoso para ela, mas também para quem está lá.

Capelas: Qual é a diferença de produzir Gal ou Tom Zé para produzir um artista novato? Você começou com os dois e depois é que pegou artistas novos, como a Mallu…
Marcus: A Mallu eu já era apaixonado de entrevistar, ela é muito impressionante, muito instintiva. Eu não sou instintivo: comigo, as coisas surgem na sensação, mas depois vira pensamento. Eu gostava dela, queria fazer algo com ela, mas desse disco que a gente trabalhou junto [“Vem”, de 2017] eu fiz pouca coisa. Ela estava em Portugal e eu no Brasil, o Marcelo foi quem fez a direção musical. Dos discos que eu fiz, esse é o que eu menos fiz coisa, porque era à distância, eu ia para o estúdio com os músicos do Brasil, era meio assim. Quero um dia poder fazer um disco com ela, de mergulho, esse foi pouco.

Capelas: O que é para você produzir um disco? Tem produtores que olham muito para o som, a estética do som, e tem produtores que olham muito para o repertório, caso, sei lá, do Nelson Motta com a Elis.
Marcus: Eu faço aquilo que a gente chama de direção artística, para facilitar. Mas é um negócio que caiu em desuso, parece uma coisa de gravadora, como se precisasse ter um cargo. E direção artística nem é o que os caras de gravadora fazem hoje. A nomenclatura ficou toda estranha, e por isso eu coloco produção, porque é mais claro na cabeça das pessoas. Nunca vi o [Carlos Eduardo] Miranda trabalhar, mas me falaram que era parecido, menos da técnica e mais da produção. Mas cada disco que eu fiz é um emprego diferente. Com alguns, você faz acompanhamento de músicos, dá umas ideias, como foi o caso da Mallu, até porque ela tava ali na mesma casa que o produtor musical dela. Eu tinha muito pouca margem de manobra, eram as ideias deles e às vezes eu colocava alguma questão que eu poderia contribuir.

Marcelo: Paulo Miklos, por exemplo.
Marcus: O Paulo já foi diferente. A Renata, mulher dele, por quem eu sou apaixonado, me procurou pelo Facebook. Disse que queria falar comigo, e começou a falar do disco. A ideia do disco que ele tinha na época era outra, na verdade. Disco é isso, você vai mudando ao longo do processo. Depois de dois meses que a gente estava trabalhando, ele me chama para um café e conta: “ó, vou sair dos Titãs e esse vai ser meu primeiro disco pós-Titãs”. Eu estava fazendo a Gal, levei ele e a Renata ao show do “Estratosférica Ao Vivo”, e apresentei os dois ao Pupillo. Ele amou o Pupillo e aí decidimos chamar ele. Inclusive, vamos falar do Pupillo.

Com Pupillo e Paulo Miklos / Acervo Pessoal

Capelas: É um parceiro frequente teu, né?
Marcus: Eu conheci o Pupillo quando estava fazendo o “Coitadinha Bem Feito” (tributo masculino a Angela Rô Rõ), que foi logo depois do Tom Zé. O pessoal da Joia Moderna me chamou para fazer um disco de mulheres cantando. Eu quis fazer um disco de uma compositora. Disco de mulher cantora é um clichê, né? Quis fazer o contrário: uma compositora, só com homens cantando e pensei na Ângela Rô Rô, ela é incrível. Era aquele esquema pau-de-sebo, em que cada um faz a própria faixa, me manda e eu toco o barco. Era o esquema que rolava lá na Joia Moderna. O Pupillo já tinha feito a do Lirinha, que ficou foda, incrível. A gente se conhecia de vista da Tracks, uma loja de discos do Rio de Janeiro. Ele me lia na Folha, mas a gente não se conhecia propriamente. Nessa época, encontrei ele de novo no Sesc Pompeia e ele perguntou como estava o disco. Elogiei a faixa dele e contei que estava travado por causa do Otto. O Otto é aquela pessoa que todos conhecemos e amamos: ele chegou a ponto de marcar com o Edgard Scandurra em São Paulo para gravar. A produtora comprou a passagem, ele entrou no aeroporto no Rio, uma menina que ele tava namorando na época ligou, ele saiu… e deixou o Edgard Scandurra esperando ele no estúdio.

Marcelo: O Otto é maravilhoso, cara.
Marcus: É… eu pedi desculpa pro Edgard, foi foda. E contei isso para o Pupillo. Ele: “deixa que o Otto eu resolvo”. E quatro dias depois tinha aparecido a música no meu email.

Marcelo: Pernambucanos se entendendo.
Marcus: O disco saiu, chegamos a sair na capa do Estadão, e aí o pessoal do Sesc Vila Mariana me ligou sugerindo fazer o show. Eles definiram os cantores, quais seriam, e eu falei que a única coisa que eu fazia questão era ter o Pupillo como produtor do show. Como ia ter o Otto, falei que o Pupillo ia resolver inclusive essa parte. Depois disso, a gente se reencontrou, pois o Pupillo está no “Estratosférica”, porque o Kassin chamou ele para ser o baterista. Na mesma época, a Gal ia fazer um show cantando Lupicínio para a Natura Musical. O Kassin ia fazer a direção musical, mas ele queria fazer dois, três ensaios, enquanto a Gal gosta de ensaiar muito, old school. Acho bonito, mas imagina o Kassin perder três semanas do estúdio dele no Rio? A Gal ia ter que pagar todo o dinheiro da Natura para dar certo. Como não rolou com o Kassin, chamei o Pupillo. O Silva veio direto dos EUA para ser o tecladista, e fechamos a formação com o Fábio Sá e o Guilherme Monteiro. E aí começou minha relação com o Pupillo. O que eu quero dizer? É que existe muito preconceito comigo porque eu não sou músico. Antes do Spot, eu até estudei três anos de violão na Universidade Livre de Música. Eu era ruim, ruim de uma vergonha enorme. Minha mão direita era ruim de ritmo, embora a esquerda até fizesse uns acordes bonitos, de bossa nova. Se eu tivesse sido da geração 2010, teria alguma função, porque dava para ser [um músico meio] errado. Mas naquela época, músico tinha que tocar bonito e eu desisti. E o Pupillo é o único cara que me aguenta: eu sou insuportável, mas ele me aguenta. Ele tem mais paciência comigo. A gente briga, mas a gente resolve as coisas no mesmo dia. E ele não tem esse preconceito comigo. E ele respondeu que talvez fosse porque as pessoas têm muito preconceito com ele, porque ele não toca harmonia, ele toca ritmo. Talvez seja uma inconfidência, mas talvez seja bom que as pessoas saibam disso. O Pupillo é um cara brilhante, ele canta as notas do acorde, ele sabe muito de harmonia, talvez só não saiba tocar um violão tão bem.

Marcelo: O Raul [Seixas] era isso, né? Ele não sabia muito de harmonia, mas sabia pedir… “um solo de ovo frito”, né?
Marcus: Eu sou assim, mais ovo frito. O Pupillo não: ele canta as notas, ele sabe exatamente o que ele quer. E ele tem muito repertório: é um cara muito bom, porque ouviu Roberto Carlos, Jovem Guarda, brega, ele não é só o cara da banda mais legal dos anos 1990, ele é um cara da lama. Ele está ali bêbado, conhece todo aquele repertório, ao mesmo tempo que conhece pra caralho de música gringa, música eletrônica, ele tem um repertório incrível. Isso muitos produtores têm, mas paciência para lidar comigo são poucos.

Capelas: E você levou o Paulo Miklos para conhecer o Pupillo.
Marcus: É o que o Pupillo é o parênteses mais importante de todos que eu posso fazer. Porque, de fato, é o cara que está praticamente em tudo que eu fiz. No Erasmo ele é produtor, na “A Pele do Futuro” é produtor, no “Estratosférica Ao Vivo” ele é produtor, no Paulo também. E no “Estratosférica” ele tá como músico. Mas aí tem mais coisa, a gente fez um do Erasmo recente de Jovem Guarda, a gente fez trilha de filme…

Capelas: Vamos chegar lá, calma.
Marcus: Mas é isso: sempre é meu plano A chamar o Pupillo. É fundamental, e às vezes dá ruim, mas a química da parceria é muito boa hoje. Quantos parceiros já deram certo e depois deram errado? Tá, mas vamos voltar ao Paulo Miklos. O disco todo foi feito na casa do Pupillo, em um processo em que o Paulo estava saindo dos Titãs, fazendo filme, série, X-Factor, ganhando kikitos e mais kikitos. O problema da pessoa ter múltiplos talentos é que ela não consegue focar. E ele não focava no disco. Muitas composições foram feitas no estúdio, na nossa frente. As letras ele até trazia adiantadas de casa, mas as músicas ele às vezes trazia só um riffzinho e o resto acontecia no estúdio. A parceria dele com o Tim Bernardes, eu tenho foto da hora dos dois sentados na escada, o Tim botando a melodia na hora. “A Lei Desse Troço” tinha esse riff de violão brasileiro, e o Emicida escreveu na hora, lembro dele sentado canetando tudo. E ele é ótimo de título. “A gente mora no agora” é um título dele. “Tribunal do Feicibuqui” é dele, o disco da Alaíde também é título dele. Ele diz que não é bom de título, os títulos dele parecem tratados, mas ele diz que eu sou bom de editar os títulos dele.

Com Erasmo Carlos e Tom Zé / Acervo Pessoal

Marcelo: E o Erasmo, como foi?
Marcus: Esse é um sonho. O Paulo Monte, da Som Livre, um dia me liga e pergunta: “quer trabalhar com o Erasmo?”. Antes disso, já tinha rolado dele fazer uma música para o disco do Paulo Miklos e tinha rolado uma música que eu tinha pedido para a Wanderléa, de um disco que não aconteceu. Acho que 30%, 40% dos discos não acontecem. Seja por grana, ou porque as pessoas não querem mais. Eu sou fã da Wanderléa, não ouço muito a fase 1960 dela, gosto mais da fase 1970, mas respeito a fase inicial. E eu queria fazer um disco setentão dela, que é pouco conhecido. O Erasmo já tinha passado por uma revalorização dessa fase, mas a Wanderléa não. E ela tem discos muito legais, como o “Maravilhosa” (1972), o “Vamos que já vou” (1977), feito com o Egberto Gismonti. Eu queria muito fazer e me ofereci. Naquela época, já tinha feito dois da Gal, já tinha feito Tom Zé, não era algo tão aventureiro assim. A Wanderléa topou e eu fui atrás de repertório, fui mostrar umas músicas novas e na reunião seguinte ela já sabia cantar. Não sei se é estudo ou se ela é muito musical, e ai o Rafa [Rafael Ramos], da Deck, me chamou e perguntou se eu estava fazendo o disco da Wanderléa. Disse que sim, eu e o Pupillo estávamos. Comprei um “Maravilhosa” que custava uns R$ 300 e dei para o Pupillo só para convencer ele. E o Rafa pirou, a gente chamou uns músicos incríveis, ia ter Davi Moraes, era uma equipe muito legal. Marcamos o estúdio e aí a Wanderléa por alguma razão ligou para o Rafael do nada e desistiu. “Rafa, não sei como falar com o Marcus, mas não quero mais fazer o disco, quero fazer um disco de chorinho”. “Como assim, Wanderléa, eu quero fazer esse disco!”. “Ah, mas ninguém nunca me viu cantar chorinho…”. Bem, aí o Rafa não quis, eu também obviamente não quis. No fim das contas, acho que ela gravou esse disco de chorinho, está para sair. Mas não é o disco que eu via para a Wanderléa chegar chegando. Um repertório mais pop, mas num arranjo classudo setentão bonito, só músicas inéditas. Acho que ela merece e não rolou.

Capelas: Que doideira isso.
Marcus: Mas bem, Erasmo. Tinha uma música do Erasmo nesse projeto. Passou um tempo e o Paulo Monte, da Som Livre, me chamou. Eu fiquei maluco, porque eu sou muito fã do Erasmo. Fui fã dele depois de ser do Caetano, foi quando saiu aquela caixa maravilhosa, “Mesmo Que Seja Eu”. Fiquei muito apaixonado, eu gostava muito da “Banda dos Contentes” (1976), é um disco incrível, gosto do “Projeto Salvaterra” (1974). E eu adoro os discos dos anos 1980 dele, o “Mulher” (1981), o “Amar Para Viver ou Morrer de Amor” (1982), ali tem um monte de canção bonita, mas os arranjos são datados. Enfim, topei para o dia que o Erasmo quisesse, a hora que ele quisesse. O Paulo me passou o telefone dele e falou que ele ia me ligar. Meu Deus. O Erasmo é um cara que eu fico nervoso até hoje quando toca o telefone, de não saber o que fazer, de nem saber atender. Imagina, tocar o telefone e estar escrito “Gal”. Pô, é estranho, né? E o Erasmo é um cara que até hoje eu não sei bem como lidar. A Paula Lavigne fala que as pessoas tem efeito quando chegam perto do Caetano… bem, eu tenho efeito com o Erasmo, não perdi não.

Capelas: E como foi essa ligação?
Marcus: Lembro que eu estava na casa do Silva, lá em Vitória, porque eu ia fazer o “Brasileiro”, que também não rolou. A gente tinha feito o disco em que ele canta Marisa e depois íamos trabalhar mais, mas não deu certo ali. Bem: toca o telefone e eu não sabia o que fazer. Eu nunca tinha falado com o Erasmo. Quer dizer, tinha entrevistado como jornalista…

Capelas: Mas é outra relação, né?
Marcus: É outra relação. E foi muito doido esse dia da entrevista. O Erasmo me fez aprender a gostar de cerveja, porque eu não gostava de cerveja. Fui fazer uma entrevista com ele, na época da Folha, do disco “Rock’n’Roll” (2009), que é um discaço. Tava calor, eu fui na casa dele e a gente estava sentado na parte de fora, perto da piscina. Ele me ofereceu uma cerveja, eu disse que não, aí ele: “pô, então acabou a entrevista!”. Ele fala sério, é muito bom de piada, é difícil sacar [que ele está brincando]… Eu aceitei, tomei a cerveja, estava um puta calor. Começamos o papo, e aí ele foi servir mais cerveja. Eu recusei e ele: “Então acabou a entrevista, foi curta, né?”. Aí foi… e eu acabei nunca mais não bebendo cerveja. Gênio. Ele tem umas sacadas muito boas, ele é muito legal. É um gigante gentil, o apelido que a Lúcia Turnbull deu para ele, é a pura verdade. É exatamente o que ele é. É um cara amoroso, ele cuida da parada. Quando ele pede uma música para alguém, ele fala assim: “ó, eu vou gravar. Se a música vier ruim, eu vou gravar. Estou pedindo uma música para o cara, o cara parou, pensou em mim, então se eu pedi eu vou gravar.” É louco, porque ninguém tem esse pensamento na indústria. Ele é muito adorável. E aí ele ligou pra mim, esse dia na casa do Silva, “ô bicho, a gente ia fazer o negócio da Wanderléa lá, né? Não aconteceu, então vamos fazer o nosso!”. Fui para a casa dele, ele me mostrou a música do Tim Maia (“New Love”, que virou “Novo Love”). Quando o Tim Maia foi morar nos EUA, ele cantou a música em inglês para uma namorada, gravou em cera e enviou para o Brasil. E aí todos foram se encontrar para ouvir lá na Tijuca, nos anos 1950. Dava para ouvir, poucas vezes, porque depois o disco se desfazia, e o Erasmo disse que queria gravar essa música – em português, ele ia fazer uma versão. Já tinha essa. Aí ele tinha uma da Marisa Monte, uma melodia dela, mas eu achei engraçado porque parecia algo que eu tinha ouvido já. Mandei pra ela e ela confirmou: a melodia tava no segundo disco dos Tribalistas. Aí teve música do Camelo (“Sol da Barra”), Nando Reis, Samuel Rosa, Arnaldo Antunes, teve música que ele fez sozinho. Teve “Seu Sim”, que a música é da Adriana Calcanhotto, o Erasmo mandou uma letra gigante, ela fez um copidesque e botou música. E aí de novo eu chamei o Pupillo, porque eu sabia que ia ficar foda, que o Pupillo conhece os discos do Erasmo de cor, e aí fizemos duas vezes já. Mas não sei se era essa a pergunta, enfim…

Marcelo: Acho que a ideia era materializar um pouco uma sensação. Para nós dois (eu e Capelas) e nossos leitores, todos fãs de todos esses artistas, a gente tem essa curiosidade de saber como é trabalhar com esses caras.
Marcus: É engraçado. Naquela época, eu estava bem próximo do Caetano Veloso e da Paula Lavigne, eles estavam numa fase bem de música nesse período. Quando eu estava fazendo o “Trinca de Ases”, eu saía dos ensaios e ia para a casa da Paula, e o Caetano estava sempre lá. Quando rolou a história do Erasmo, o Caetano falou: “você vai pirar, é o cara mais legal do meio musical brasileiro”. Olha essa frase: um cara que conhece todo mundo no meio musical. E é a pura verdade. E tem aquilo, né, as letras que a gente gosta (dos discos do Roberto) muitas vezes são só dele. As letras dos discos do Erasmo são praticamente são só do Erasmo, tem só pequenas participações do Roberto.

Marcelo: Um dos grandes momentos do show que vi recentemente do Roberto é quando ele fala: “essa daqui é uma das maiores verdades que eu já compus com meu parceirinho Erasmo: tudo que eu gosto é ilegal, imoral ou engorda”.
Marcus: Essa é muito boa, né? Essa letra é obviamente do Erasmo. É o tipo de coisa que, conhecendo ele, você saca que ele escreveria. E o Erasmo tem isso: todo mundo em volta é muito apaixonado por ele há muito tempo. Ninguém acha um saco, não: a galera cuida. O filho dele, o Leo, é uma figura fundamental. O pior inimigo do artista às vezes é ele mesmo – na verdade, isso é uma coisa do ser humano. Mas muitas vezes, sempre tem alguém que sabota o cara, como a família ou o empresário. O Leo [Esteves], o filho dele, é o antisabotador: é o cara que mais pilha o Erasmo para o lugar certo, leva, cuida. Ao mesmo tempo que pensa no bem-estar do pai dele, ele também pensa no artista incrível que o pai dele é. É muito raro, e é muita sorte ter um filho assim – e o Erasmo merece essa sorte.

Marcelo: O Renato Russo não deu a mesma sorte.
Marcus: Poucas pessoas deram!

Marcelo: Você chegou a falar do Arnaldo Antunes. E ele está no seu projeto mais recente, o “Meu Álbum de Amores”, que chegou aos cinemas em agosto.
Marcus: É um projeto novo-velho, eu já nem lembrava, nem o Arnaldo, nem o Odair. Cinema tem outro tempo, ainda mais com a pandemia no meio. O Rafael Gomes tinha me chamado para fazer a trilha do “Música Para Morrer de Amor”, que originalmente era uma peça dele chamada “Músicas Para Cortar os Pulsos”. Aquela foi uma trilha que eu posso dizer que produzi real: as pessoas faziam ao vivo. Quase toda a música do filme acontecia ao vivo: tinha a Clarice Falcão tocando violão pedindo dinheiro no MASP, tem o Tim Bernardes na Teodoro Sampaio tocando um negócio, tinha o Milton no Coala, que o menino invade o palco. Foi engraçado: a gente avisou todo mundo, inclusive o próprio Milton, que o Ícaro Silva ia invadir o palco no meio do show e gritar “Isabela, foi muito bom te conhecer”. No dia, combinamos com a produção do Coala também. A gente só esqueceu de avisar o roadie do Milton! E aí entra o Ícaro, o roadie começa a olhar e fica sem saber o que fazer, e aí a galera do festival ficou meio sem saber se era o Ícaro Silva… bem, esse foi o espírito do filme. E aí o Rafael me chamou de novo, pensando num filme que ia ter trilha do Arnaldo Antunes, o Arnaldo até já tinha mandado a primeira música. Inicialmente, era uma série de TV, mas eles decidiram transformar num longa. E a história é sobre um menino branco que é dentista e é filho de um dentista, meio playboyzinho, assim, e de repente chega um menino preto na casa dele e se apresenta como irmão dele, dizendo que o pai tinha morrido e tinha deixado uma casa no nome dos dois. E aí o cara diz que o pai do menino dentista é o Odilon, um cantor popular dos anos 1970, que fez um disco só, e aí ele começa todo um processo de redescoberta. E tinha a trilha sonora original, que seria o disco desse Odilon. E aí a gente começou a produzir. E eu pensei: “pô, o Arnaldo é foda, mas ele não é bem o espírito”. E aí eu chamei o Odair José para fazer junto com o Arnaldo, o Rafa achou foda, o Odair até participa do filme. E pô, o Odair é um gênio, puta que pariu. Eu mandava para ele de manhã o resumo: “na música quatro, fulano brigou com não sei quem e agora está se jogando nas drogas e está trepando com todo mundo e nanana…”. No dia seguinte ou ainda no mesmo dia, chegava uma música pronta com a letra, com tudo que eu tinha dito. Eu mandava para o Rafa, o Arnaldo repetia a melodia e fazia a segunda parte, às vezes mudava umas ideias. O Odair fazia música e a primeira parte, o Arnaldo a repetição e o resto da letra. E a gente mandava pra galera da produtora, que é gente de cinema, que não necessariamente pira em música ou tem fetiche no Odair, no dia seguinte todo mundo já sabia cantar as músicas. O Odair é um cara inacreditável, muito pouco valorizado. Minha primeira crise de pânico na Folha tem a ver com isso. Eu fiz uma entrevista com ele, uma daquelas que eu tive que me controlar para não chorar porque foi um papo lindo, emocionante. Ele já tinha sido revalorizado por conta do livro do Paulo César (de Araújo, “Eu Não Sou Cachorro, Não”), mas a galera do rock ainda não tinha abraçado. Ele ainda estava na transição, não tinha voltado a fazer coisas novas. Na hora que eu chego na redação com a matéria, veio a facada. Naquela época, já não fazia sentido usar a palavra “brega”, porque a entrevista tinha outro assunto. E aí chega a editora e fala: “pô, já botei o título: ‘Brega e Chique’”. No carro, voltando para casa, comecei a passar mal.

Marcelo: Eu entendo essa angústia.
Marcus: Pô, o título desdizia toda a batalha que havia ali de compreensão de uma pessoa. É muito difícil, é muito coitadinho esse tipo de editor, de jornalista, que vai no chavão. Pô, vai ler primeiro o texto.

Capelas: É o básico do jornalismo, né? Lê primeiro o texto pra depois pensar no título, discutir a referência.
Marcus: Ela foi brega, no caso, né. Enfim: e bem, depois disso, fiz muitas coisas do Odair. Quando a Universal me chamou para fazer uma daquelas caixinhas de relançamentos de artistas, que era “Dois Tons de …”, ou “Três Tons”, eu disse que queria fazer uma de Cinco Tons do Odair. Acabou ficando “Quatro Tons de Odair José”. São discos maravilhosos, com produção do Hyldon, o Azymuth tocando junto… pô, é lindo. Eu ajudei o Odair a tocar na Virada Cultural fazendo “O Filho de José e Maria”. Ele é muito incrível, eu queria ainda fazer mais coisas com ele.

Marcelo: É meio doido falar nisso agora, mas as pessoas ainda estão nessa de se surpreenderem com o Odair.
Marcus: Eu acho que ele é pouca coisa diferente do Raul Seixas. O Raul é muito popular, mas é isso: o Odair é uma mistura de Raul com Nelson Rodrigues, é um negócio muito rico, a galera não sacou ainda o que tem ali, né? É muito rico.

Com Caetano Veloso e Ney Matogrosso / Acervo Pessoal

Marcelo: Uma pergunta básica: com quem você não trabalhou ainda e gostaria muito de trabalhar? Aquela pessoa que você largaria tudo na hora que o telefone tocar?
Marcus: Tem gente que não vai ligar, alguns por umas razões e outros por outras. Tem muita gente que eu quase fiz… e tem uns gênios. A pessoa que mais me alfabetizou, marcou, sei lá, não tem bem uma palavra que explique, é o Caetano. Mas o Caetano não precisa de mim para nada. Eu quero muito fazer Ney Matogrosso, acho que é um cara inacreditável, muito bom, e que também historicamente ainda é subestimado. Tem toda uma vertente que conhece ele como cantor, como figura do Secos & Molhados, mas ainda tem muita gente que não dá o devido valor para ele. Ele mudou a cabeça de muita gente sem nem saber. Sei lá, eu vi shows dele no Olympia em que ele está dançando no palco, bem na ponta, com o pé meio para fora, e tem um homem heterossexual passando a mão nele, um tiozão mesmo, e a mulher ali do lado, isso nos anos 1990. É um cara que mexeu completamente com a sexualidade do Brasil desde 1973.

Marcelo: E uma coisa é mexer com a sexualidade do Brasil hoje, outra é em 1973…
Marcus: Sim! E acho que o Ney Matogrosso tem sido muito pouco reconhecido. Ok, o Almério fez agora o disco do Cazuza, ele é influenciado de verdade pelo Ney, mas a galera não assume o Ney como uma referência, sendo que é ridículo, porque quando você olha, você não para de ver o Ney na pessoa.

Capelas: Eu acho que ninguém ainda fez com o disco do Secos & Molhados o que fizeram com o “Clube da Esquina” ou o “Acabou Chorare”. Ele está num patamar alto, mas não subiu ainda.
Marcus: Sim. E aí tem homofobia no meio, provavelmente. E quero dizer o seguinte: a galera da comunidade gay na música também não entende o Ney. O Ney, na vida dele, lutou uma luta na idade dele. Eu estava conversando com o Emicida disso esses dias: ele estava falando sobre o quanto a nova geração da militância racial às vezes não entendia o que o tiozinho lá atrás tinha feito e acabava se atropelando [nas críticas]. Com o Ney, é a mesma coisa. Para ser claro, estou falando da polêmica do Ney com o Johnny Hooker. A geração do Ney lutou por igualdade, a do Johnny Hooker luta pela diferença. Na hora que ele fala “gay não, eu sou um ser humano”, ele estava reafirmando a luta por igualdade, para não morrer, para não apanhar, para ser bem recebido, num período histórico em que não havia Johnny Hooker, essa militância. A geração nova luta pelas diferenças, de poder dizer que é viado sim, de poder dizer a diferença. É muito foda, é incrível, é um jeito novo de ver, mas na hora que isso anula o pensamento que lutou para as pessoas estarem onde estão hoje, você está atirando no seu maior amigo, você está se autossabotando, está sendo seu pior inimigo. No geral, as pessoas não falam do Ney, sei lá, da mesma forma que a Marisa Monte falava da Gal ou a Nina Becker fala da Gal, como a Mariana Aydar e a Ana Cañas falam da Elis. Por que não fala do Ney? Ninguém se influenciou pelo Ney?

Nota: em 2017, Ney Matogrosso concedeu uma entrevista para a Folha de S.Paulo na qual disse não se rotular como “homossexual”. “Que gay o caralho! Eu sou um ser humano, uma pessoa. O que eu faço com a minha sexualidade não é a coisa mais importante na minha vida”, disse o cantor à época. A declaração foi rebatida por Johnny Hooker, em sua conta no Twitter. “É inconcebível ler a frase ‘Que gay o caralho, eu sou um ser humano’ no país que mais mata LGBTs do MUNDO(!!).”, disse o cantor de “Flutua”. “E em tempos de ‘Gay é o caralho’ a única resposta possível é que vai ter gay pra caralho, vai ser gay pra caralho sim, cada dia mais gay, cada dia um level a mais igual Pokémon.”

Capelas: E nem precisa ficar só restrito à MPB: o Ney é quem faz a direção do show do RPM que virou o “Rádio Pirata” e faz a banda explodir. É o Ney que canta “Pro Dia Nascer Feliz” e bota o Cazuza na roda.
Marcus: O Ney é esse cara: um cara fundamental na história, mas que as pessoas relegam a um lugar só de intérprete. Ele não é compositor, mas ele costurou as canções de outras pessoas de uma maneira incrível, dando um significado diferente para quase todas elas, muitas vezes até maior. O Ney gravou Odair José nos anos 1970, na época que ele era desvalorizado. O Ney é um negócio gigante e as pessoas não só não colocaram o disco do Secos & Molhados no patamar que merece, como nem sequer os filhos do Ney assumem a paternidade. Mas é isso: Ney, se o telefone tocar, é na hora. Caetano Veloso, também.

Marcelo: Pô, e o Ney também é um cara que decide tudo sozinho, como o Chico…
Marcus: Chico nem tem o que dizer.

Marcelo: Mas talvez, desses, Chico seja quem mais precisa sair da zona de conforto.
Marcus: Eu já tive essa pira de achar que o Chico precisa sair da zona de conforto, agora não acho mais. Isso foi muito na época do disco “Chico”.

Capelas: No “Caravanas”, especialmente na música “Caravanas”, ele mostra que não está na zona de conforto. Se ele quiser, ele sabe o caminho.
Marcelo: Como o “Carioca”, que é um discaço, e também tirou ele dessa zona. Mas aí vem o disco “Chico”
Marcus: Eu disse isso na época, que eram músicas que pareciam sobras de discos anteriores, até pelos arranjos. É uma questão de arranjo, né, não de composição, que são bem acabadas e lindas, mas eu já não acho mais isso. As coisas são tão cíclicas, que daqui a pouco talvez seja esse arranjo valha mais. E eu não acho que o Chico tem que ser o Caetano, de jeito nenhum, talvez o Chico seja mais como o João Gilberto, que ficou lá em um lugar só dele. Ele deve estar para lançar um disco em algum momento, está fazendo turnê. A música nova (“Que Tal Um Samba?”) parece um daqueles sambas estranhos do Paulinho da Viola, a letra é política, bem atual. O que é zona de conforto? É no arranjo, se for.

Capelas: E isso nem é tanto ele…
Marcus: Sim, é aquilo: ele quer chamar os amigos dele para fazer, e está tudo certo, porque é o melhor jeito de fazer, ele deve ter chamado gente diferente antes que não deu certo e desistiu. E o Chico tem um mérito forte: ele segurou muito a onda, junto com Martinho da Vila, a Beth Carvalho, daquele momento que todo mundo falava do PT, que o País nunca tinha sido tão roubado, a ladainha toda… eles estavam lá e seguraram a onda. Mas voltando à sua pergunta: com quem eu não trabalhei? Rita Lee eu nunca fiz nada, só como jornalista, porque ela parou antes de eu começar, infelizmente. É a minha primeira. O Guilherme Arantes eu trabalhei, mas é tudo enviesado: ele fez música para a Alaíde Costa, duas para a Gal, uma para a Wanderléa, que ele acabou gravando depois, para o Paulo Miklos. Eu nunca fiz um disco dele, seria um sonho, mas não sei como seria fazer um disco dele, porque ele sabe muito bem o que ele quer.

Capelas: O “Condição Humana” não seria meio que um disco nessa pegada?
Marcus: Eu achei que fosse fazer isso no “Condição Humana”, porque a Fernanda Couto, assessora dele na época, sabia do meu amor pelo Guilherme Arantes. Não só o meu: é o do Ganja, o Mano Brown, o Adriano Cintra, o Kassin, é toda uma galera que pira nele. E a Fernanda Couto me chamou para tentar fazer uma coisa com o Guilherme, eu comecei uma relação ali. Ele queria que eu supostamente ajudasse a levar pessoas para o disco. Achei demais, tinha acabado de fazer o “Tribunal”, e achei que ele queria colocar jovens artistas espalhados por ali. E ele acabou colocando todo mundo na mesma faixa, virou um coro, é o crédito que eu tenho no disco: arregimentação do coro de “Onde Estava Você”. Mas é isso: o Guilherme Arantes bate num lugar, tem uma beleza, é um negócio incrível. Esteticamente, às vezes tem questões, em certos períodos, de arranjos que funcionaram melhor no passado…

Capelas: Até as capas dos discos, que tem uma coisa meio sex symbol…
Marcus: Nos anos 1980, todos tinham, todas as capas, veja as capas das cantoras! Era para vender, era para ver o cantor gatinho e a cantora gostosa, era o que o público queria ver. É o Roberto Carlos, são os discos da Gal, da Simone, da Joanna…

Capelas: Até o primeiro disco da Ângela Rô Rô, que eu escrevi um texto sobre esses dias, ela está linda naquela capa, talvez como nunca mais foi…
Marcus: Porque quiseram vender inclusive isso, mas tudo bem, porque aquele disco é tão bom, a capa inclusive é linda, é tudo lindo ali.

Marcelo: Mas com isso do Guilherme, a gente chega num ponto de artistas como Bob Dylan e Paul McCartney nos últimos anos. Os melhores discos do Dylan nos últimos anos foram os produzidos pelo Daniel Lanois, que faz o “Oh Mercy” e o “Time Out of Mind”, e a partir de então o Dylan começa a se autoproduzir. E o Paul, o último disco dele que vale a pena é o “Chaos and Creation in the Backyard”, que é produzido pelo Nigel Godrich, produtor do Radiohead. Depois são discos autoproduzidos. Acho que facilmente daria para tirar o Guilherme Arantes não de uma zona de conforto, mas de um lugar em que os excessos são aparados. O Dylan sabe disso, o Paul sabe também, mas talvez eles prefiram gravar sozinhos, porque eles sabem que se forem gravar outro disco com o Daniel Lanois ou o Nigel Godrich, eles vão querer mexer em coisas que o Dylan e o Paul não querem, então eles preferem evitar o confronto.
Marcus: É muito difícil, a pessoa tem que estar a fim de fazer isso. É a coisa da direção artística: se eu conseguisse, poderia funcionar maravilhosamente bem, quando o cara topa. O Nando Reis, por exemplo, é um sonho, é um cara muito generoso na escuta e no diálogo, além de ser um ótimo entrevistado, ele é muito bom. Ele já dá as frases prontas, ele é muito bom, ele viaja com o jornalista. No “Trinca de Ases”, ele não queria que eu estivesse. Como isso começa? Rolou um projeto do Jorge Bastos Moreno, um jornalista do Rio, e esse cara inventou um show com Nando Reis e Gilberto Gil em Brasília. Eu não o conheci, mas todo mundo que conheceu é apaixonado por ele. O [jornalista] Leonardo Lichote conta que rolavam uns saraus na casa dele, dizia que eram incríveis. Mas enfim: o Moreno fez esse show em Brasília, que a Gal era convidada. Ela até perguntou o que poderia cantar, eu sugeri “Dois Rios”, porque era bem Beatles, era a cara dela. Acharam bonito, e aí inventaram de fazer um show com os três. A Gal acabou me puxando, claro que eu queria, poxa, trabalhar com o Nando e o Gil. Eram caras que nunca iam me ligar. Aì fui, fiquei entusiasmado. Quando cheguei para o primeiro ensaio, o Nando ficou meio assim. Ele era super querido como entrevistado, mas ele estava estranho ali. Aí começamos a trabalhar e, telepaticamente, a gente foi se entendendo. Temos dez anos de diferença de idade, e ele deve ter uns 20 de diferença para o Gil e a Gal, então nós éramos mais próximos em termos geracionais. Começou a rolar uma telepatia, e a gente sabia exatamente o que cada um não estava falando. Poxa, são dois apaixonados pelas duas figuras mitológicas, e ao mesmo tempo Gil e Gal são amigos, com idiossincrasias, cada um na sua. No segundo dia, isso foi tão espontâneo que a Flora Gil falou pra ele: “tá vendo, você não queria que ele estivesse aqui, agora tá adorando, né?”. E depois ele admitiu que foi um idiota, depois acabamos fazendo o disco do Roberto (“Não Sou Nenhum Roberto, Mas às Vezes Chego Perto”). Pô, o Nando é um autor de hits, ele sozinho consegue lotar inúmeros palcos, mas ele estava ali fazendo as coisas por amor ao Gil e a Gal. Ele é um cara parecido com a gente. Isso aqui (aponta para a estante de discos) ele tem na casa inteira. Ele sabe a ficha técnica de tudo, ele tem três discos de cada. É a pessoa que eu conheço que mais gosta e fica mais empolgada com o próprio trabalho. É uma delícia não ter que estimular o cara, ter alguém superapaixonado com você. É muito foda trabalhar com gente assim, eu fiquei muito feliz de entender que um cara que é capaz de chegar num lugar tão grandioso no Brasil pode ser tão elaborado como o Nando. É o cara da geração dele que mais entende o mercado hoje, consegue fazer o que quer dentro da máquina. Isso para mim, sabe quem é? Caetano Veloso, também sempre foi assim.

Capelas: E o Nando é um cara que as pessoas não entenderam bem ainda.
Marcus: Ele ainda tá esperando uma virada, ainda que já dê para ver alguns sinais. Anavitória, Tó Brandileone, você já vê eles olhando para o Nando de um novo jeito, é algo que precisa de uma geração para tirar a bagunça do caminho.

Capelas: É engraçado, porque o Nando é o cara que está fazendo isso pela segunda vez. Ele fez isso para poder ir para a carreira solo.
Marcus: E ele fez uma carreira solo, né? Que artista solo… ok, o Arnaldo tem uma carreira impecável, mas é diferente. Que artista solo hoje consegue amarrar tanta coisa quanto o Nando? Que saiu de uma banda, você pode até gostar mais do Arnaldo do que do Nando, mas poxa: ele vive exatamente do que ele quer. E na hora de fazer o disco do Roberto, pô, as referências do Nando eram aquele disco estranhão do Bob Dylan (“Self Portrait”, de 1970).

Marcelo: É o disco que o Greil Marcus escreve na Rolling Stone: “que merda é essa?
Marcus: As referências são elaboradíssimas, é um negócio muito bom. E pô, o Nando é o cara que vai ler essa entrevista. De todo mundo que a gente falou aqui, ele é quem vai ler. Ele gosta de ler, ele está interessado, ele quer saber o que falaram dele, no que falaram dos outros, no pensamento que foi elaborado. Isso é muito raro num artista desse tamanho, já com 59 anos, com quatro décadas de carreira e muitos sucessos. Ele tem muitas vidas, porque a vida dos Titãs é gigante em termos de sucesso, e a vida solo também.

Capelas: E tem todo o capítulo Cássia, tem parceria com Skank, Cidade Negra…
Marcelo: E ele ainda tem todo o capítulo Marisa Monte, que ele é até um dos primeiros a estar ali com ela, depois é que o Arnaldo vai para o Tribalistas.
Marcus: Ele sempre foi esse cara nerd, que conhece os discos, e ele mostra várias coisas. Mas só para tentar encerrar, porque a história doida da direção artística é que cada trabalho é muito diferente. No caso do Nando, ele queria fazer um disco de Roberto Carlos, então envolve pensar no recorte. No caso da Gal, é sempre ir atrás de repertório, pensar a banda, o que o disco vai falar. E em alguns casos, como o do Adriano Cintra (“Animal”, de 2014), ele tinha o disco inteiro em inglês. Só que ele queria lançar o disco no Brasil, então eu sugeri fazer o disco todo em português. E aí eu mandei para todo mundo fazer letras, tem de tudo nesse disco: Odair José, Alice Caymmi, Kiko Dinucci. Então cada caso é um caso, é quase uma profissão diferente. No caso de artistas mais novos, é diferente também…e banda é uma roubada! Eu tenho que tatuar: “não faça bandas!”.

Capelas: Tem uma coisa que eu queria te perguntar sobre isso da produção, da direção. Em várias entrevistas recentes que fiz para o Scream & Yell, ouvi muitos artistas exaltarem o fato de ter um produtor externo. São casos que vão desde o Maurício Pereira, que sempre foi independente e recentemente gravou bastante com o Gustavo Ruiz, até bandas como gorduratrans ou Glue Trip, que lançaram esse ano seus primeiros discos em que também tem um produtor no processo. Eu achei engraçado, porque eu cresci numa geração que a banda sempre queria se autoproduzir, brigando com as gravadoras e buscando seu espaço. Como você, produtor, vê essa inversão dos fatores acontecendo?
Marcus: Eu não vejo invertido, vejo ainda a banda querendo se autoproduzir, embora ela ache que queira que alguém a produza.

Capelas: Uma coisa meio freudiana?
Marcus: Isso. Lidar com banda, pelo menos da minha experiência, é sempre um processo diferente. Quando você está lidando com o artista, é sempre um processo de um para um. Então, assim: você conversa com aquela pessoa e o seu argumento vai mexer na cabeça da pessoa. O que acontece de diferente é que você fala com um, mas é um voto em cinco, seis, até mais.

Capelas: Não é uma democracia tão simples.
Marcus: Não. E o produtor é um intruso. A banda já tem uma dinâmica entre si que funciona bem. Eles sabem bem como lidar com cada membro da banda, para anular alguma coisa. Então o cara que está de fora chegando é um idiota, ele é o cara que jamais vai ser ouvido. Eu trabalhei com a Scalene, que foi muito bom, mas é isso: a sensação que eu saí daquele trabalho é a de que eu fiz pouca coisa, embora todo o começo da história tenha vindo de mim. E trabalhei com o Bala Desejo, que o começo partiu de mim e do Bill, do Coala, a gente teve muitas reuniões. Tinha um grupo no WhatsApp que era eu, os quatro e o João, que era o empresário deles. De repente, começaram a entrar vários números com DDD 21. Eu perguntei: “ah, quem são fulano e ciclano?” “Ah, são uns caras que a gente conheceu não sei aonde e são muito legais, o outro que é do audiovisual”… e de repente o grupo tinha 50 pessoas. Tanto que eu entro como direção artística e depois mudo meu crédito para supervisão artística. A direção artística é deles, eu sou uma dessas 50 pessoas que eles ouvem, embora o começo tenha sido ali comigo.

Capelas: É uma dinâmica horizontal.
Marcus: É complicado… quer dizer, não é complicado nem um pouco, eu é que me sinto culpado. Eu fico ali participando, os caras estão me pagando e às vezes eu acho que estou fazendo pouco – embora, muitas vezes, eu esteja fazendo mais do que os caras queriam. Quando eu pego um trabalho, eu sempre acho que tenho que fazer muito. E aí, tanto no Bala Desejo quanto na Scalene, eu fiz muito menos do que pensei que ia fazer. Mas é engraçado: quem olha o disco da Scalene, por exemplo, acha óbvio que eu tenha trabalhado ali, porque é um disco “brasileiro”, mas eu acho que não. Não estou falando mal do disco, acho ótimo, e olha que eu não gosto muito de todos os discos que eu fiz não. Não vou dizer quais…

Capelas: Traz mais uma cerveja, Marcelo! (risos)
Marcelo: Eu não gosto muito dos discos anteriores da Scalene, e eu fiquei muito frustrado quando eu fui vê-los no Coma, em Brasília. O disco tinha saído semanas antes, mas eles não tocaram nenhuma música do disco. Eu ia ver o show, ia falar do disco, e aí eles não tocaram nada.
Marcus: Na verdade, eles queriam fazer um disco brasileiro, uma coisa meio acústica, com sucessos deles, para rodar mais festivais desse tipo… como o Coala. Olha como fecha a conta? É uma peça que faltava e agora faz “clack”, sendo que eles têm o festival deles, o Coma. Mas é isso: eles queriam fazer um disco acústico com uma inédita, e me mostraram algumas. Eu achei várias ideias deles muito boas, e aí eu falei que tinha que fazer um disco todo novo, nada de acústico. Eles entenderam que o material era muito bom, a gente fez listas de referências, trocamos algumas coisas, mas na hora do estúdio, foi outra coisa. Eu estava presente, eu fui todo dia, mas o processo foi deles. Isso me angustiou por culpa, porque de repente não era nem para eu ter ido, talvez eu já tivesse até feito minha parte na cabeça deles. Então, esse tipo de coisa me dá uma coisa de não saber o que fazer. No disco da Juliana Linhares, eu não fui ao estúdio, por exemplo, foi tudo remoto, porque ela estava no Rio, eu em São Paulo e estávamos no meio da pandemia. Eu mandava referências, ela trocava, e o Elísio [Freitas], que é um puta produtor talentoso do Rio, que está em ascensão, gravava aquilo. A Juliana me ligou na pandemia, quem apresentou a gente foi a Fabiane Pereira, radialista. Ela me ligou e falou: “olha, eu sou de Natal, sou atriz, mas queria fazer um disco de cantora, vim para o Rio ser atriz, mas sou cantora”. Eu achei engraçado porque parecia que ela estava me contando a história da Elba Ramalho, ela até ria. E aí eu falei para ela que tinha que fazer um disco à moda daqueles discos de cantora de 1979. Pô, “Frevo Mulher”, quando toca numa festa, a gente sabe o que acontece. Por que não tem um “Frevo Mulher” de 2021, 2022? É a mesma coisa que eu falei para a Márcia Castro, com quem eu fiz o “Axé”: a gente sabe o que acontece numa festa quando toca “O Canto da Cidade”, quando toca Olodum. Essas próprias artistas, a Daniela, a Ivete, a Margareth, foram no decorrer da carreira essa potência, mas cada uma delas optou por um caminho diferente. A Ivete foi ser uma diva internacional…

Marcelo: A Claudia Leitte foi seguindo ela…
Marcus: Sim… mas aquilo que essas três faziam lá atrás não tem quem faça. É fazer novo, não é copiar. É transpor para a realidade de 2022, mas não necessariamente relido. Se for para ser relido, já tem o Baiana System. No disco da Márcia, eu fui trabalhar junto com o (maestro) Letieres Leite. Eu não conhecia ele, conheci ele de olho, me apaixonei por ele no processo e pensei que a gente ia fazer muita coisa junto. E aí ele morre logo depois, foi horrível. Mas bem: o Letieres e o Lucas Santanna entram no estúdio e começam a produzir. Esse disco foi bizarro: a Márcia me ligou e disse que queria fazer um disco comigo – e eu juro que já tinha pensado nesse disco dela uma vez, bêbado, saindo do (restaurante) La Tartine. A ideia de fazer um disco de axé com a potência de 2022. A Márcia me ligou e eu disse: ó, o plano A é ter Letieres Leite e Lucas Santanna na produção, no mundo ideal, Daniela Mercury, Ivete Sangalo e Margareth Menezes nos feats. Ela me ligava com as novidades e eu ficava maluco, porque todo mundo topou. Nunca tinha acontecido isso! E valeu: eu adoro esse disco, mesmo, e são poucos os que eu adoro. Tinha o conceito amarrado, da mesma forma como teve o da Juliana Linhares, um disco de cantora da virada dos anos 1970, como Elba, Cátia de França, Amelinha…

Marcelo: A própria Gal está nessa virada, né?
Marcus: É que ela já existia, né, mas ela tem essa virada na carreira. Uma cantora que eu atenderia o telefone na hora, inclusive: a Fafá de Belém. Mas eu acho que precisa rolar um negócio grande para ela, de boa produção.

Marcelo: Acho que o “Humana” já fez esse serviço de reposicionar ela, mas ainda falta esse avanço. E ela tá quicando…
Capelas: Tá no disco da Natália Matos, que é uma cantora de Belém.
Marcelo: O “Humana” recolocou ela até politicamente, agora falta dar o salto.
Marcus: Mas acho que o “Humana” é bolha. Como Fafá, ele é menor do que coisas que ela fez anteriormente. É um passo inteligente: é reduzir para depois explodir. Para ela, tinha que ser um disco para o mainstream, bom num nível que ela merece. Esse da Juliana Linhares causou coisas incríveis, sabe? A Daniela Mercury ligou e queria conhecer, queria gravar “Bombinha”, que é a música que abre o disco. E agora a música tá para entrar na novela (“Mar do Sertão”), como tema da protagonista. É doido: um artista novo, que tá chegando, precisa de muito mais coisa para funcionar. Não adianta ter um disco incrível e não ter a roda girando do show, que senão o disco é esquecido já na semana seguinte.

Marcelo: Que é o grande problema da Natura Musical, para mim. A Natura faz muito bem toda essa primeira parte, de uma maneira maravilhosa…
Marcus: (interrompe) Pô, será que é culpa sua? O edital novo tem um monte de itens sobre show… pô, se for culpa sua, obrigado!

Marcelo: A Natura é maravilhosa. Eu amo e sou fã. Só que eles se posicionam como gravadora, mas não basta lançar o disco. Tem que chegar na rádio com o disco debaixo do braço, apresentar, fazer o meio de campo com veículos (de midia e difusção), tem que fazer show. Eles fazem uma parte maravilhosa que é permitir que o disco seja gravado, mas abandonam o disco à própria sorte.

Marcus: Total, total, é isso.

Capelas: Um dos discos que você trabalhou esse ano foi o da Alaíde Costa. Como foi esse processo?
Marcus: Eu tive a ideia no meio da pandemia, meio louco, lavando meus discos. É aquilo, né: eu estava desempregado, não tinha nada para fazer, porque era pandemia. Estava na letra A, logo no começo (dos meus discos), cheguei na Alaíde e comecei a ouvir os discos. Umas coisas estranhas, bonitas, fora do comum, e aí pensei logo que queria fazer uma coisa com ela. Mandei um aviso pro Emicida de uma live que ela ia fazer, ele achou maravilhoso, ela cantando Johnny Alf, e aí eu sugeri da gente fazer um disco da Alaíde. E ele devolveu: “mano, estou pensando nisso desde que você mandou aquele vídeo”. A gente começou a fazer e virou o projeto. Batalhamos primeiro para ser, eu botei grana, e chegou num momento que não deu mais, até que chegou um impasse. E eu pensei que ia botar grana do meu bolso mesmo pra fazer, como se eu tivesse alguma. Recentemente, eu assisti o documentário “Amarelo” e o Emicida conta ali a história da Ruth de Souza, que eles iam entrevistar, só que ele tinha uma turnê. E aí ela morre durante a turnê, sem dar a entrevista. O pensamento com a Alaíde foi meio esse – é provável que eu morra antes da Alaíde, porque ela é bem melhor de saúde do que eu, mas eu queria fazer. No fim das contas, eu acho que esse disco da Alaide, “O Que Meus Calos Dizem Sobre Mim”, é dos mais bem amarrados que eu fiz: o da Ju, o da Márcia e o da Alaíde. É um disco que tem assunto, tem tema, tem uma proposta de discussão – seja para se divertir na pista, como é o caso da Márcia, ou discutir o que é o Nordeste, como a Juliana. Nem sei porque eu tô falando disso, é a cerveja…

Com Alaíde Costa, Guilherme Arantes e Juliana Linhares / Acervo Pessoal

Capelas: A gente estava falando do Bala Desejo. Como eles se reuniram?
Marcus: A gente volta para o começo da conversa, que é o Coala. A gente anunciou a Bethânia numa terça-feira. Aí logo depois a gente anunciou a Gal, e todo mundo ficou gritando “Doces Bárbaros” na caixa de comentários. Isso foi numa fase da pandemia em que as coisas tinham dado uma melhorada, ainda era para ser a edição de 2021, e aí fui encontrar os meninos na casa do Henrique Anacleto, que também é produtor do Coala. Eles são muito astral, mas eu estava puto da vida com essa onda de Doces Bárbaros. A gente nunca teve a Bethânia fazendo festival, aí tinha a Gal no outro dia… mas ninguém falou de Doces Bárbaros quando tinha o Gil ou o Caetano. Dá para entender as meninas que reclamam de machismo. Pô, porque que quando são as duas mulheres do quarteto que vão fazer show, a galera não fica satisfeita? Que filha da putagem é essa? E aí a gente ficou lá pirando, e aí eu virei do nada e falei: “e se a gente fizesse os nossos Doces Bárbaros? Sei lá, e esses moleques da Tereza Cristina?”. Eu conhecia já o Zé Ibarra da casa da Paula Lavigne e conhecia o Lucas. Eu tinha feito uma entrevista com a Júlia (Mestre) para o Amazon Music, mas a Dora (Morelenbaum) eu nunca tinha falado. O Bill achou foda, abriu o olho. É doido, né: os Doces Bárbaros tinham só dez anos de carreira quando se juntaram. Parece mais, mas olha que dez anos de carreira, né? Bem, esses quatro tem carreiras independentes também, mas achei que poderia rolar – óbvio que eu e o Bill estávamos bêbados. No dia seguinte, o Bill falou para eu entrar na live da Tereza Cristina. E naquela hora os meninos do Coala estavam convidando a “comunidade hippie” para fazer uma banda e participar do festival. A Tereza achou estranho, mas falou “pô, deve ser verdade, é perfil verificado”. Aí eu entrei, a Tereza me conhece e aí tudo se confirmou. Passa mais um tempo e o Zé Ibarra me liga perguntando “e se a gente lançasse um single, só para ter algo no Coala, será que eles topariam?”.

Capelas: Mas a ideia era tocar o repertório dos Doces Bárbaros?
Marcus: Não, era só tocar algumas coisas deles. Doces Bárbaros era só a nossa onda, a inspiração de ter dois homens e duas mulheres, com aquela energia sexual e muito talento, muita beleza de voz e de música. Cada vez que eu os vejo ao vivo, isso se reafirma. Bem, o Zé Ibarra me ligou e eu adiantei que topavam, mas disse que o Bill era tipo eu, que gostava de álbum. “Será que dá para fazer um disco?”, eu perguntei. Ele não sabia se tinha repertório, eu falei para o Zé fazer o trabalho dele. Levei a proposta para os Coalas e eles toparam fazer na hora. Deu um match total e rolou, tanto que na gravação do disco, a gente morou junto. Estava eu, o Bill, o Henrique Anacleto, a Fernanda e o Gui, cinco pessoas do Coala, a mulher do Gui e a mulher do Bill, mais os quatro Bala Desejo, mais o menino que fez o filme, morando numa casa em Santa Teresa, foi bem hippie.

Capelas: Você disse que estava no começo e depois ficou meio de canto. Como foi esse processo?
Marcus: A gente estava no começo e tinha uma grande dúvida: o que essa banda vai falar? A gente ainda estava no momento da pandemia, de governo Bolsonaro com a galera cansada de lutar. E isso me remeteu a um momento que todos eles amam da música, que é a era do desbunde, na ditadura militar. Começo dos anos 1970, é a época das Dunas da Gal: ou a galera foi exilada, ou foi presa, ou desistiu da luta e falou “foda-se”. E esse foda-se era fumar maconha, ser feliz e trepar, e falar dessas coisas e da luta de um jeito meio escondido, é outro jeito de lutar. É lutar pela alegria, também: se a galera fica triste e derrubada não dá para reagir e lutar. É desbunde, tanto que tem essa palavra em uma ou duas músicas. A gente começou a conceitualizar, até o nome chegou nisso, aí começamos a falar da Ana Frango Elétrico, e ela sofreu a mesma coisa que eu: ela seria a produtora do disco, mas eles são tão exuberantemente talentosos na música que acabou não rolando. Imagina: o Lucas produziu o “Meu Coco” junto com o Caetano. Eles tomam conta, é gente muito inteligente, gente muito jovem, eu tenho um lugar de gerações anteriores que é muito diferente. Eles começaram a fazer as músicas, o repertório chegando, eu enchendo o saco dizendo que faltava uma “love song”, dizendo que tinha muita música triste. É que eles são artistas, cantores e compositores, de uma música bonita, bela, exuberante. O Zé é Clube da Esquina, pô, ele está tocando com o Milton, né? E o Lucas também, eu estava num dia lá que eles gravaram com o Milton no primeiro disco da Dônica. A Dônica, embora tenha o filho do Caetano [Tom Veloso], é total sobre Minas. É rock progressivo, uai. E a Dora é filha da bossa nova, né, pai e mãe, o pai e a mãe acompanharam o Tom Jobim muitos anos. Já a Júlia é mais Rita Lee, ela é a mais pop da parada. Então, quase sempre é sobre a beleza e a exuberância e a musicalidade da canção brasileira. Música alegre não entra nessas, é muito difícil.

Capelas: Depois de tudo isso, qual é a pergunta que a gente devia ter feito e não fez?
Marcus: Nenhuma. Tem?

Marcelo: Vou fazer a pergunta piada, tá? Você tem saudade de ser jornalista?
Marcus: Não, nenhuma. Eu não gosto de escrever, eu descobri. Só por isso. Eu fiz porque eu gostava de música e não sabia o que fazer com isso. Música é o meu norte desde a época do Spot, né? Na ULM não era, engraçado, né? E vocês sabem disso: quantas coisas diferentes vocês conseguiriam fazer além de jornalismo musical tendo a música como a matéria prima?

Marcelo: Um monte.
Marcus: Então quando eu, semianalfabeto, virei jornalista, é por causa de música. Quando eu semianalfabeto tecnicamente musical, virei diretor artístico, é por causa da música. Eu sempre gostei de disco. A gente sempre olhou os discos além das canções, de tentar entender aquele conjunto. Com isso, a gente consegue fazer um monte de coisa na nossa vida. E como eu não sei fazer nada, facilita. Pô, se eu tivesse feito faculdade… eu fiz dois anos de filosofia na FFLCH e abandonei. Aí fiz três anos de música na ULM e abandonei. Quando eu vi que eu não tinha nenhuma faculdade, é muito fácil abandonar um negócio. Imagino que para jornalista que estudou o curso todo seja mais difícil. Fazer jornalismo era uma boa ideia nos anos 1990, quando eu comecei a faculdade. Mas é isso: você não saber fazer as coisas é muito libertador, porque você acaba sabendo fazer as coisas, se você tiver um norte. O norte é a música. E é isso, aí vai fazendo: precisa pagar as contas. Assim que eu saí da Folha, eu ainda vivi um ano e pouco como jornalista, e depois eu estava como jornalista e dirigindo coisas, o jornalismo foi mirrando. Às vezes pagava R$ 200, R$ 300 para uma matéria que consumia dias para ser feita. E o outro lado foi se apresentando melhor nesse aspecto, mas também mais gostoso, porque eu não gosto de escrever mesmo, eu sofro. Sei lá, além disso eu percebi que a direção artística estava me querendo, é bom amar e ser amado.

Marcelo: É um lugar mais cool.
Marcus: É tão sem glamour igual [o jornalismo]. É tão quebra-pedra igual, tipo o Spot, não tem diferença nenhuma; tem gente que te atrapalha, tem que engolir sapo, tem que fazer uma parte chatona para ter uma parte muito legal, é isso, igual qualquer trabalho.

Marcelo: O Woody Allen fala muito disso: o filme na cabeça dele é maravilhoso, mas na hora que começam a entrar as pessoas, o cara da fotografia, do figurino, os atores… e quando chega no final acaba virando outra coisa. Pode ser uma obra legal, mas normalmente não é…
Marcus: A Rita Lee, quando eu a entrevistei uma das vezes, falou algo assim: ela pensava em parar um dia. Eu achei doido, como assim ela não gostava do que ela fazia? E ela falava: “eu adoro fazer show, essa hora e vinte eu adoro. Mas para ter essa uma hora e vinte eu tenho que viajar e passar perrengue.” E agora viajando com a Gal eu entendo: aquele momento que é incrível, que eu via do lado do espectador, aquela pessoa se ferrou muito para chegar ali, às vezes viajou quatro cinco horas para chegar até o lugar do show, porque o aeroporto é longe. Em Garanhuns, agora, foi isso. É sair de hotel, vai pro hotel, pega mala, fecha mala… isso de glamour é uma grande mentira. Tomara que as pessoas continuem acreditando porque é bonito vender que é glamour.

Marcelo: Eu falei isso recentemente. Eu e o Capelas fomos recentemente para Porto Velho cobrir o Festival Casarão. Era a minha quarta vez. Teve um ano que eu fui e o Daniel Groove virou para mim e falou: “cara, eu acho demais você estar aqui, porque você não precisava, e eu não sei o que você tá fazendo aqui”. E eu também não sabia, mas eu estava lá, mesmo sendo cansativo.
Marcus: Para o artista é isso também. E o exemplo fácil é: fala para o estagiário que chegou na redação agora que você está indo cobrir o Rock in Rio. Ele vai pirar, mas você sabe o que significa. No primeiro é legal, mas no quarto? E no décimo? Você sabe que é zero glamour cobrir o Rock in Rio, é só roubada. [Com artista também]: aquela hora e meia que você fica em cima do palco, mas para chegar naquilo é foda. E detalhe: depois tem a volta para casa. E todos os empregos são assim: direção artística não é mais cool que o jornalismo, fato.

Marcelo: Ótima frase para fechar.

Marcus Preto e Adelaide / Acervo Pessoal

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista. Apresenta o Programa de Indie, na Eldorado FM, e escreve a newsletter Meus Discos, Meus Drinks e Nada Mais. Colabora com o Scream & Yell desde 2010.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

2 thoughts on “Entrevista: Marcus Preto repassa trajetoria de garçom e jornalista a produtor de Coala Festival, Gal, Tom Zé, Erasmo e muito mais

  1. Ótima entrevista. Guilherme Arantes deveria ter um show calcado nos quatro primeiros discos. Esses deveriam ser conhecidos como o santo graal. Acho que se fala pouco de Vitor ramil e é um dos artistas mais fodas do Brasil. Zeca baleiro precisa ser valorizado tb.

  2. Excelente entrevista. E realmente alguns artistas com Guilherme Arantes e Ney Matogrosso mereciam uma reverência maior. Acho lindo esse reconhecimento tardio do Djavan, por exemplo, que tem uma obra fenomenal. Discordo de um ponto da entrevista, o Coala não é precursor dos festivais de música brasileira que misturam novos talentos com artistas consagrados. O Psicodália faz isso desde 2001

    Obs: Essa entrevista explica porquê o Bala Desejo mesmo sem um trabalho significativo está praticamente em todos os grandes festivais do Brasil. É um projeto que já nasceu com “pedigree”, com tudo engatilhado

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