Texto e fotos por Marcelo Costa
Manter um projeto cultural em um país como o Brasil é sempre um desafio. Agora multiplique isso por 15. Surgido em 2000 em Porto Velho, Rondônia, o Festival Casarão chegou a sua 15ª edição em 2014, e o numero marcante é um retrato da obstinação de um grupo de pessoas em propagar a boa música pelo estado, mesmo sem apoio de editais, da prefeitura e do estado. Sim, é difícil, e este baile de debutante independente deveria ser maior, deveria repercutir mais, mas a edição reduzida do festival revelou-se um acerto devido à escalação de um bom número de artistas com sede de palco e compromisso com o público. Das edições que o Scream & Yell acompanhou, essa foi a de menor público, e a de melhores shows.
O descompasso diz mais sobre o cenário brasileiro da atualidade do que sobre o Festival Casarão, mas é importante buscar entender o momento: nos meio dos anos 2000, um circuito abrangente de festivais independentes parecia querer se formar, e, com isso, abrir as portas deste imenso Brasil para bandas de todo credo e cor. O esvaziamento da Abrafim, motivado pela ignorância de um grupo de pessoas fora do eixo que se importava mais em mandar do que fazer, quebrou a corrente, e apenas os festivais que já eram festivais – antes do blá blá blá messiânico de tal turma desagregar o cenário prestando enorme desserviço à música brasileira – seguiram em frente, tentando limpar a sujeira deixada no caminho pelos “políticos”.
Vários festivais saíram de cena, mas o Casarão resistiu, e realizar um festival deste porte, mesmo que em menor escala, é uma vitória da produção e um importante aceno de que desistir não está nos planos. Pelo contrário, agregando novos parceiros, o Festival Casarão amplia seu leque e se destaca como um importante foco de boa música na região Norte, um local de troca de ideias musicais que coloca nomes de destaque no cenário independente (com discos na lista de Melhores do Ano de revistas como a Rolling Stone e de sites como o próprio Scream & Yell) em contanto com a cena local, cada vez mais viva. Essa faísca pode se transformar em fogueira, e só isso já justifica a realização de um festival como o Casarão por anos e anos.
Em dois dias no fim do mês de maio, o Pioneiros Pub, em Porto Velho, recebeu 20 shows com uma ótima estrutura de som num misto de celebração de cena. Na sexta feira (30/05), o trio Fuska 69, de Ariquemes (cidade de 100 mil habitantes a 200 quilômetros da capital do estado), abriu os trabalhos com um rock honesto, de letras de cunho social e influência oitentista. Na sequencia, Os Filhos da Casa da Mãe (Acre) mostrou que ainda não encontrou o seu som, e desperdiçou tempo tocando covers (Criolo, Roberto Carlos e Nação Zumbi) dispensáveis. O festival começou pra valer com a entrada da SexyTape, com um instrumental impactante, ainda que o vocal, datado e exagerado, não acompanhe o nível da porrada. Vale ficar de olho.
De Cuiabá, o trio Branco ou Tinto mostrou as músicas do álbum “50 Segundos”, mais focado na canção do que no barulho, opção que se reflete no show, com o trio de instrumental correto, porém deixando a sensação de que as músicas (e principalmente as letras) precisam ser mais bem trabalhadas. Na sequencia, estreando o formato voz e guitarra, Bruno Souto, responsável por um dos grandes discos de 2013, foi surpreendido pelo público, que fez coro em “Dentro”, desnudada pelo formato. No meio do show, foi a sua vez de surpreender ao chamar Nevilton (tocando bateria) e Tiago Lobão (de volta ao baixo), e o trio fez bonito em canções como “Eu e o Verão”, “Estado de Nuvem” e numa ótima versão de “Com Sabor de Choque Elétrico”, do primeiro disco da Volver (banda de Bruno Souto). Apresentação classuda.
Para fechar o primeiro dia, o quinteto acreano Los Porongas, praticamente jogando em casa, promoveu uma daquelas apresentações inesquecíveis, que trouxe, de abertura, uma canção nova, “Ao Sul”. O público soltou a voz e cantou apaixonadamente com toda força dos pulmões canções como “Silêncio”, “Lego de Palavras” e “Nada Além”. Ali pelo meio do show, antes de apresentar a segunda inédita da noite, “Invenção”, o vocalista Diogo Soares falou: “Eu queria que o disco novo fosse ensolarado, mas será um disco de estranhamento”, explicitando um sentimento indissociável do momento atual da música brasileira, repleto de grandes bandas, grandes discos e pouco público. Em Porto Velho, o público não era tão grande, mas compensou cada riff de guitarra de Carlos Gadelha, cada pancada na bateria de Anzol, cada berro de Diogo. Noite histórica na cidade.
O segundo dia do Festival Casarão testava o formato de dois palcos no pequeno Pioneiros Pub. Do lado de fora, atrações do projeto Acústico Lo Fi. Dentro do bar, o duo Wari, no segundo show da noite, foi a surpresa local mais interessante de todo o festival, por fugir do gueto punk metal (porta de entrada para centenas de músicos) e apostar numa sonoridade de guitarra, baixo e programações eletrônicas que namora a sonoridade de nomes como Bloc Party e Interpol. Gilberto Garcia (guitarra, voz e programações) e Felipe Lira (baixo) merecem atenção (sem contar que foram os únicos a usarem um telão entre as 20 bandas). Para honrar a ala hardcore local, a entidade trash Coveiros promoveu um massacre sonoro, mas pareceu mais à vontade nos dois shows nos anos anteriores, em praça pública, com liberdade para a molecada se socar, do que no Pioneiros Pub. Ainda assim, um grande show.
Introduzida por Diogo Soares, os conterrâneos d’Os Descordantes, que já haviam feito uma boa apresentação no festival em 2011, repetiram o acerto (e eles estão prestes a lançar disco, outra banda para ficar de olho). De improviso, o vocalista e guitarrista Diego Torres começou a tocar “Tão Perto, Tão Certo”, da Volver, e convidou ao palco Bruno Souto, para uma versão improvisada que resume bem o clima de amizade que cercou o festival – aliás, vale elencar os grandes momentos simbólicos do bom astral no evento, do qual ainda fazem parte Nevilton na bateria, sem camisa, e flutuando feliz durante a introdução de “Com Sabor de Choque Elétrico”, inclusa no repertório de Bruno Souto a seu pedido, e um beijo carinhoso de Daniel Groove em Diego Soares ao final de “Nada”, que ambos cantaram juntos no show (e no disco) de Daniel.
A próxima apresentação dividiu a noite em duas: antes e depois de Jair Naves. Munido apenas de seu violão, em show semelhante ao feito em um teatro no Festival LAB, em Maceió, 2012, Jair sofreu com o falatório do público no pub, mas resistiu e entregou o que tem de melhor: canções fortes, densas e pesadas, que, segundo consta, fizeram meninas irem chorando para o banheiro da casa. No repertório, números como “Pronto Pra Morrer”, “Um Passo Por Vez”, “De Branquidão Hospitalar”, “Silenciosa” e até um cover de sua ex-banda, Ludovic, “Você Sempre Terá Alguém A Seus Pés”, fizeram da apresentação de Jair Naves um dos destaques do festival. Na sequencia, mais soltos, o trio Os Últimos (outra banda de Ariquemes) evolui ano a ano. O vocalista e guitarrista Tom Rodrigues estava falante (até excessivamente) contrastando com o silêncio do baixista Rogério enquanto o destaque ainda recai sobre a pegada vigorosa de Laura Brandhuber, cada vez melhor na bateria. Vem disco deles por ai também.
Apelidado de O Presidente pelos amigos músicos, Daniel Groove surgiu em excelente companhia, tendo o Los Porongas como banda de apoio, e a combinação deu caldo. Com sotaque que remete ao Raul Seixas do começo dos anos 70, “Quem Sera? Que Gosta Mais” (que também abre o disco que Daniel lançou em 2013, “O Giramundo”) abriu o show revelando um frontman arretado, com pique de sobra, boa energia fluindo do palco e divertidas coreografias que roubam gestos de antigas chacretes. Entre os bons momentos do show estão “O Novo Brega” (novo clipe do compositor), uma versão potente de “Jorge Maravilha” (de quando Chico Buarque se transformou em Julinho da Adelaide) e “Nada”, com participação de Diogo Soares. Um grande show que terminou com “O Giramundo”, e Daniel pedindo amor e compreensão.
Para encerrar o 15º Festival Casarão, Nevilton e Tiago Lobão se ajeitaram no formato guitarra, voz e bateria para tocar as canções em arranjos crus e sujos. Quem já teve a oportunidade de assistir a Nevilton no formato trio sabe do enorme potencial do grupo, e “Sacode”, um grande disco repleto de camadas, perde um pouco de sua beleza neste formato mais enxuto, mas Nevilton não deixa a peteca cair, e encavala um set de deliciosas canções cantaroláveis que faz os presentes arrancarem o último fio de voz do fundo do peito. A poderosa “Crônica”, com participação de Daniel Groove, e os hits “Pressuposto”, “Tempos de Maracujá” e “Paz e Amores” colocaram sorrisos no rosto dos presentes, que ainda arriscou um samba sujo numa versão endemoniada de “Cheia de Manias”, do Raça Negra. Galera deixou o pub cantando “Didididiê”…
O balanço final é tão bom quanto preocupante. De qualidade elogiável, o Festival Casarão 2014 promoveu duas noites repletas de boa música em Porto Velho, com grandes momentos e interação entre artistas e público. No entanto, é preciso valorizar o festival, algo que prefeitura e Estado não andam cumprindo. Zelar por aqueles que batalham pelo desenvolvimento cultural de sua cidade deveria ser meta das Secretarias de Cultura espalhadas por esse país, e uma edição reduzida como está do Casarão, mesmo que musicalmente positiva, faz temer quanto tempo a produção do festival continuará produzindo eventos por “amor a causa”. Fica a torcida para que este aniversário de 15 anos seja uma data não só para que a produção repense o festival, mas também para que as iniciativas (privadas e públicas) valorizem quem anda trabalhando pelo bem da cultura brasileira. Que o Casarão alcance a 20º, 30º, 50º edição. E que os grandes shows continuem acontecendo em Porto Velho. É bonito de ver.
– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne
O Scream & Yell viajou para Porto Velho a convite da produção do Festival Casarão.
Leia também:
– Assista a 15 vídeos do Festival Casarão 2014, por Marcelo Costa (aqui)
– Balanço: os destaques do Festival Casarão 2013, por Marcelo Costa (aqui)
– Balanço: os destaques do Festival Casarão 2012, por Marcelo Costa (aqui)
– Balanço: os destaques do Festival Tomarrock 2011, por Murilo Basso (aqui)
– Balanço: os destaques do Festival Casarão 2010, por Tiago Agostini (aqui)
Quem é que vai dar importância a uma matéria dessa? O pior é que todo mundo dá. “Puxando sardinha” para os headliners e dando pitaco aos outros convidados. Vê-se, claramente, que o autor não entende de música. Na opinião do Marcelo Costa, todos os headliners foram impecáveis e, pra conseguir um pouco de credibilidade(ou dar uma de entendido), dá uma alfinetada(sem sentido) nas outras bandas.
ih marcelo, alguém que foi alfinetado ficou xatiado kkkkkk
Quero muito um disco novo dos Los Porongas!!!!!!