Faixa a faixa: “Mais ou Menos Bem”, Chuck Hipólitho

introdução por Bruno Lisboa
faixa a faixa por Chuck Hipólitho

Chuck Hipolitho é um dos artistas mais prolíficos e multifacetados da sua geração. Diretor, VJ (nos tempos áureos da MTV), músico, produtor, chef de cozinha e pai da Nina são algumas das funções que constam em seu vasto currículo.

Após duas décadas de bons serviços prestados a música, Chuck conquistou popularidade com as bandas Forgotten Boys (onde segue como integrante) e na Vespas Mandarinas (a qual se desligou em 2018). Mas agora em 2020 o músico decidiu que era hora de concretizar a sua esperada carreira solo.

Gravado durante a pandemia, “Mais ou Menos Bem” explora um universo lírico que aborda o cotidiano e reflexões que a vida nos promove. Entre canções autorais e versões constam releituras de faixas de bandas como El Mató a un Policía Motorizado (na faixa título), RIP Monsters (“Disincaine”), TNT (“Nunca Mais Voltar”) e Daniel Johnston (em “O Amor te Encontra no Final”).

De modo geral, Chuck promove nesse primeiro voo solo um passeio onde explora diversas sonoridades, indo do rock com ares anos 90 (“Tem Cheiro de Espírito de Adolescente”) ao country (na bucólica “Dá Calma ao Vento”). De forma remota, músicos como Nevilton, Lucas Melim, Alf e Biu (ambos do Rumbora) contribuíram para o resultado.

Nesse faixa a faixa, Chuck esmiúça o processo de composição do disco, conta sobre as parcerias firmadas e esclarece detalhes sonoros que convidam a diversas audições deste trabalho que é um dos melhores lançados em 2020.

01) Tem Cheiro De Espírito Adolescente
É a música que abre o disco, por uma escolha do Rafael Ramos da Deck, que comprou a ideia do álbum desde o começo e é meu maior incentivador. Acho que é a música que mais me dá o que contar. Quem é amigo meu e tem banda que canta em inglês sabe que eu sou aquela pessoa chata que enche o saco pra escrever as músicas em português. Mesmo que sejam medíocres. Mas que sejam em português. Que a pessoa comesse a se expor, e experimentar isso ao vivo depois. Comecei assim e foi um caminho sem volta. Dessa maneira enchi o saco da Deborah do Deb & The Mentals a respeito disso. Somos amigos de longa data e me sinto um pouco padrinho dela em SP. Dessa forma ela foi parar lá em casa para discutirmos algumas ideias. Me mostrou algumas músicas que não curti muito porque eram literais demais, ou políticas demais… não me identifiquei com nenhuma e senti que não poderia ajudar muito a não ser criticando. Aí ela me mostrou uma me dizendo que “essa o pessoal da banda tinha achado cafona”, que a letra era provisória e que tinha sido descartada. Imediatamente pedi que me mostrasse. Ouvi 90% do que é a música hoje numa demo, mas a letra não era boa, apesar de haver uma ideia ali. No refrão havia “vou sorrir pra você fazer como antes, blá blá blá blá blá blá seu desodorante” – a melodia toda da música era muito interessante, a música era da própria Déborah, e a letra provisória veio de um dos autores. Quando ouvi o desodorante no refrão eu me apaixonei e disse: é isso. Ela me explicou que aquilo era uma brincadeira do Capilé, que foi quem gravou a demo, que quando foi colocar os backings mandou o “desodorante” tirando uma onda com a rima óbvia e banal para “fazer como antes”. Expliquei pra Deborah que nessa eu gostaria de trabalhar e que faria isso criando em volta do tal desodorante. Junto com o meu parceiro Macacko desenvolvemos ao redor da neurose de começar e terminar relacionamentos, como algo imaturo, adolescente, e aproveitei pra chamar de “Tem Cheiro De Espírito Adolescente” brincando com “Smells Like Teen Spirit”, do Nirvana. Nem todo mundo sabe que Teen Spirit é um desodorante feminino vendido no EUA e bem popular na época em que a canção foi escrita, a namorada do Kurt usava. Logo, Kurt eventualmente tinha cheiro de Teen Spirit – com toda poesia e banalidade que isso poderia ter, sua amiga Kathlnen Hanna escreveu na parede de onde ele morava “KURT SMELLS LIKE TEEN SPIRIT”. Kurt pegou isso e mudou o mundo. Eu peguei tudo isso, fiz a letra pra a música como um tipo de homenagem, ou paródia, e devolvi a música para Deborah que não se impressionou muito. O tempo passou e gravei ela pro meu disco. Na ordem sugerida ela estava em penúltimo das 14 que apresentei. O Rafa me explicou o potencial da música, e que seria a primeira do disco. Pra ela fiz um clipe lindo, e o Deb & The Mentals está para lançar um disco com composições próprias em português. Acho que minha missão foi cumprida.

02) 3h20
Apareceu como demo de uma banda que tive chamada The Xavantes. Era eu na bateria, o Alf e o Biu do Rumbora no baixo e guitarra e o Paulo Marchetti do Filhos de Mengele no vocal. A composição é dele e do Johnny Monster. A banda gravou essa demo e se desfez. Quando montei um trio, Chuck & Os Crush, para defender algumas músicas que eu tinha, na estrada me faltava outras no repertório, acabei colocando essa nos shows. Pela simplicidade era ótima para abrir o set. Acabei gravando no disco, pedi para o Alf gravar o baixo. Quando o baixo chegou eu experimentei um loop da bateria no Logic acidentalmente, um padrão que não tinha nada a ver com o original e ficou muito bom. A música ganhou outra vida. Por causa do “amanhã não quero acordar” do refrão teve muita gente achando que era apropriada para os nossos tempos também. Achei curioso. Faltou muita coisa que não consegui desenvolver sozinho na produção e foi assim mesmo. Ganhou um clipe muito legal também, inspirado em um do Tom Petty.

03) Mais Ou Menos Bem
Foi me apresentada pelo Martin da banda da Pitty. Ele me disse que caiu no Descobertas Da Semana dele e que era minha cara. É um dos sucessos da banda indie argentina Él Mató A Un Polícia Motorizado. Eu amo fazer versões, e quando ouvi a música no dia seguinte já comecei a traduzir. Nem foi muito trabalhoso porque a música tem só dois acordes. Foi a primeira de todas as músicas do disco que eu gravei, era para ser uma demo e eu nem pensava em gravar as outras ainda. A partir dela o Rafa me encorajou a gravar outras. Quando gravei foi no começo da pandemia, e eu julgava que estava gravando músicas desnecessárias, como se fossem de um tempo que não seria mais o mesmo ou que não serviriam para o que estava por vir. Estava preso num passado, ou num futuro. Ao ser lançada acabou parecendo que era apropriada para o presente. Achei curioso isso porque a minha versão já existia antes de tudo, apenas foi gravada nesse tempo. Achei legal também dar o nome do disco de “Mais Ou Menos Bem”. Um amigo em comum da argentina que tenho com os autores originais me disse que ouviram e que gostaram 🙂

04) Dá Calma Ao Vento
É a música que me tem como autor mais antiga do disco. Compus com o meu amigo Rafael Oliver da banda Vilania. Ele me trouxe uma ideia e desenvolvemos o resto. Quis deixar ela com uma vibe bem rural, bucólica e até meio Raul Seixas. A música fala sobre a insegurança e o questionamento da necessidade de se abrir o relacionamento depois de constatado um certo tédio. Acho legal como a letra fala isso, “o que você queria ver dentro de mim é a vontade de deixar a porta aberta”. Quem leva os violões da música é o Zé, meu colega e baixista nos Forgotten Boys.

05) Tudo Está
Na verdade essa música se chama “Everything Stays”. Ela é uma música composta pela Rebecca Sugar, criadora do desenho Steven Universe do Cartoon Network. Mas ela também é compositora e criou essa música para o desenho Adventure Time, que sou viciado. Um dia ouvi a canção e fui aprender a tocar, isso já faz tempo. Sempre fiquei pensando como seria uma versão dela em português, porque também sempre fico pensando nisso. Comecei a traduzir e saí com esta versão. Talvez seja a música mais bonita do disco.

06) Disincaine
É uma música da banda RIP Monsters, liderada pelo Gastão Moreira (Kazagastão / MTV) na década de 90. Uma vez o RIP Monsters foi tocar em Pirassununga, era um dia de chuva e o show foi num palco improvisado num campo de futebol. Lembro que devia ter umas 30 pessoas só, logo parecia um evento muito caído. E foi. Nessa ocasião eles tocaram como um trio, mas fiquei com essa música na cabeça. Tempos atrás eu fui procurar onde andava essa música e descobri um clipe no YouTube. Descobri que a música original foi produzida pelo Edu K. Me meti a fazer uma versão. Acho que é legal o recado, meio “faça você mesmo” e “seja você mesmo”. Diz que quando nos preocupamos demais com o que vão pensar da gente perdemos o brilho. Fiz um clipe legal pra essa, tendo meus colegas da banda Der Baum como minha banda. Minha filha Nina de 11 anos faz backings 🙂

07) Deixando A Vida Me Levar
Na verdade esta canção é uma versão de “Rollin’ With The Flow”, uma música country americana da década de 60 que o Kurt Vile revistou recentemente. Meu parceiro Lucas Melim começou a fazer uma versão em português dela e ficou muito legal. Fala bastante com a geração de quem está fazendo 30/40 anos hoje em dia e ainda não encontrou um propósito específico na vida e que talvez por isso não perca uma inocência ou jovialidade. Acabei gravando no meu disco e é uma das minhas favoritas. Quando tiver uma banda pretendo começar ensaiando esta.

08) Mediterrânea
Ela é inspirada no filme “Mediterrâneo”, italiano que ganhou Oscar de melhor filme estrangeiro em 1991. Assisti esse filme no colegial nas aulas de filosofia e sempre guardei ele no meu coração. Fala sobre um tipo de exílio compulsório, e um certo sentimento de pertencimento ao lugar depois que o tempo passa. Fiz questão de compor essa com o meu querido amigo Nevilton, que está morando em Roma há uns anos e que compartilha um pouco desse sentimento desde que foi para lá. Mandei para ele um riff e um rascunho da letra e pedi que assistisse o filme. Finalizamos em músicas em algumas mensagens de WhatsApp. Ela é conduzida pelo violão gravado pelo Thiago Guerra, pernambucano e hoje baterista da Fresno. Poucos sabem que ele é um magnífico tocador de qualquer coisa.

09) Sonhando Acordado
Era uma música em inglês que o Lucas Melim me mostrou e eu sugeri fazer a tradução. Sentamos em resolvemos a música em uns 30 minutos. Ele gravou uma versão e até lançou com outras. Eu pedi para ele a gravação e apenas coloquei a minha voz. Até os backings dele eu aproveitei. É uma música mais psicodélica e derretida. Fala sobre um certo tipo de tédio. Ele me disse que escreveu a música a partir de uma matéria que leu sobre pessoas que são realmente viciadas em dormir para fugir da vida em vigília. Recentemente li o livro “O Oráculo Da Noite”, do Sidarta Ribeiro, e a música passou a me dar uma paixão muito legal por ela.

10) Nunca Mais Voltar
É um clássico gaúcho da banda TNT, precursora do rock gaudério. Quando comecei a lançar minhas músicas solo vários amigos meus me apontaram a semelhança com o TNT que eu não conhecia. Fui ouvir, não gostei de tudo, mas entendi a semelhança. Coloquei “Ana Banana” no setlist dos Crush ao vivo e fiquei com essa na cabeça. Tentei fazer uma versão que fosse uma mistura de Skank com The War On Drugs. A bateria da música é um loop da introdução de “Love Shack”, dos B52’s, mas não sei se dá pra perceber, a virada do começo eu roubei de “Coffee And TV” do Blur. É boa para ouvir na estrada com o vidro aberto a 80km/h sem saber para onde se está indo.

11) O Amor Te Encontra No Final
Essa é uma versão de “True Love Will Find You In The End”, do Daniel Johnston, que eu amo. Não sei se alguém já fez uma versão dele em outra língua apesar de vários artistas já terem gravado ele, inclusive o Beck, Wilco e Spiritualized. Acho que é uma boa mensagem para mim mesmo, pelo menos enquanto eu estava compondo. Compus em um dia e a gravação é a mais simples do disco, trata-se de dois canais, violão e outro com a voz, que gravei com meu próprio telefone. Dada a inconstância no tema de “Tem Cheiro De Espírito Adolescente” eu achei legal e apropriado fechar com esta.

– Bruno Lisboa  é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014.

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