Três discos: Terremotor, Macaco Bong e Yangos

resenhas por Leonardo Vinhas

“Terremotor”, Terremotor (Surf Cookie Records)
O Terremotor vem do município paranaense de Umuarama (terra natal do grande Nevilton), mas encontra suas influências em um ponto em comum entre as praias da Califórnia e da Grécia. Explica-se: a surf music do trio bebe tanto no lado mais “canônico” do gênero quanto na música grega, com direito à incorporação do som da tzouras (instrumento grego de seis cordas, corpo diminuto e braço longo). O “exotismo” é facilmente explicado: Duda Victor, guitarrista e “tzoureiro” do Terremotor, viveu alguns anos na Grécia, onde fundou a banda The Dirty Fuse (na ativa até hoje). Fã da rebetika (cancioneiro urbano e marginal da Grécia), Victor incorporou elementos do gênero ao surf rock cheio de twin reverb e guitarras punk e, junto com Paulo Tropa (bateria) e José Duarte (baixo), fez uma banda para dar forma a essa ideia. Nesse álbum de estreia, os melhores momentos surgem quando essa mistura se faz presente, como “Piratas do Lago Aratimbó”, “Surfway” e as recriações de “I’m a Junkie” (do cancioneiro tradicional grego) e “The Wedge” (Dick Dale). Nas demais, ainda pesa um pouco a sombra da surf music “clássica”, mas nada que atrapalhe a curtição desse breve (e muitíssimo bem-produzido) álbum. Para os vindouros, um mergulho mais forte na própria identidade pode abrir espaço para uma obra notável.

Nota: 6,5 (Ouça o disco)

“Deixa Quieto”, Macaco Bong (Sinewave Label)
De “Nevermind” pra “Deixa Quieto” não é só uma adaptação linguística: o Macaco Bong pegou o álbum emblemático do Nirvana e refez o disco do jeito que fazia sentido na cabeça de Bruno Kayapy (gutarra), Daniel Hortides (baixo) e Renato Pestana (bateria). E como não havia o menor propósito em reproduzir o instrumental original deixando apenas os vocais de fora, o trio encontrou novas possibilidades mesmo dentro das canções que guardam parentesco reconhecível com a original (algumas ficaram alteradas além do limite da identificação). “Lírio”, por exemplo, revitaliza a melodia tocada à exaustão de “Lithium”, e “Com Easy ou Uber” tira de “Come As You Are” aquele ar de plágio do Killing Joke (que rendeu uma merecida dor de cabeça jurídica para o Nirvana) sem abandonar o aspecto mais pop. Já “Territorial Pissings” aparece irreconhecível como “Território Piercing”, e ainda estou tentando descobrir se “Brisa” é mesmo uma versão de “Breed”. Como você já pôde perceber, o Macaco Bong adaptou não só as estruturas musicais, mas também os títulos das canções, para seu léxico particular, e sem nem tudo deu tão certo (“Drive-In You” não faz nada por “Drain You” – que já não era das melhores, convenhamos – e de “Something In The Way” só fica o trocadilho infame “Semente Whey”, porque a versão é um pós-rock sem maiores atrativos), o conjunto da obra soa muitíssimo bem, e em alguns momentos – “Nublum” (“In Bloom”) e “Móviaje” (“On a Plain”) – com um brilho muito próprio, mostrando uma inventividade que muitas vezes nem o próprio Nirvana – que gostava de surrupiar “referências” de Meat Puppets, Pixies, Husker Du, Vaselines e outros – costumava mostrar. Disponível apenas em versão digital.

Nota: 7,5 (Ouça o disco)

“Chamamé”, Yangos (Independente)
Um disco de música folclórica charrua mixado nos legendários estúdios Abbey Road? Nada mais justo se a banda em questão for o Yangos, cujo som já foi definido pela imprensa internacional como “power folk”. E não estranhe também o fato de o disco ser batizado com o ritmo que mais se faz notar entre as 11 faixas do álbum: o quarteto de Caxias do Sul (RS) navega tranquilamente por ritmos argentinos e uruguaios, como chamamé, tango e milonga, mas o faz à sua moda, sem se prender às convenções. Mesmo sendo produzidos por Lúcio Yanel, argentino que se tornou um dos nomes mais importantes da música gaúcha, o disco não se vê engessado pela tradição: pelo contrário, traz o vigor e a força que a banda mostra nos palcos, valorizando os momentos mais graves do piano de César Casara e o som percussivo do violino de Tomás Savaris. Yanel canta em “Romance de Tabla y Agua” e o santafesino Jorge Suligoy faz o mesmo em “Soy Cantor Chamamecero” – são as únicas faixas com vocais e também as que não levam a assinatura da banda. Nos nove temas restantes, delicadeza e peso se alternam sem nunca perder o vigor interpretativo, em composições que transcendem os pampas e funcionam em qualquer ambiente – prova disso é a indicação da banda para Melhor Álbum de Raízes Brasileiras no Grammy Latino e os shows que eles vêm fazendo em Colômbia, EUA, Uruguai e mesmo fora do Rio Grande do Sul. Escute a crueza de “Rasguido Serrano”, as variações sobre o mesmo tema de “Romântica” e o clima adequado de “Litorânea” para se apaixonar de cara pelo álbum e entender o que o acordeonista Rafael Scopel quer dizer quando afirma que a Yangos “quer fazer a música gaúcha de hoje, não viver no passado”.

Nota: 9 (Ouça o disco)

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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