Balanção: Os destaques do excelente Optimus Primavera Sound 2013, Porto

Fotos, vídeos e texto por Bruno Capelas

DIA 01 – 30/05 – Quinta-Feira

Na primeira noite de sua segunda edição, o Primavera Sound do Porto ofereceu a seus espectadores uma boa amostra de sua proposta de ser um festival pequeno, mas com alto nível de apresentações. Só os dois palcos principais foram utilizados na noite dessa quinta-feira (30), com oito shows rolando a partir das 17 horas, mas não se pode dizer que não tenha sido um grande dia no Parque da Cidade, em Matosinhos – uma espécie de Santo André portuguesa.

As primeiras horas do Primavera Porto reservavam shows de Guadalupe Prata, Wild Nothing e Merchandise, mas o cansaço da viagem entre Lisboa e Porto (aproximadamente quatro horas de ônibus) fez com que a reportagem do Scream & Yell chegasse ao local já perto do pôr do sol, na hora quase exata de ver as Breeders. Na dupla fila para a entrada (uma para trocar o bilhete pela pulseira, e outra para entrar no recinto), o que se ouvia era uma confusão de línguas. Com alta presença de estrangeiros, dá até para dizer que o inglês é a língua oficial do festival, sobrepujando o português. Enfim…

Comemorando 20 anos do lançamento de “Last Splash”, não se pode deixar de dizer que as Breeders tenham chegado ao Porto já com o jogo ganho. Afinal, não é todo dia que se vê um repertório com petardos como “Cannonball” e “Divine Hammer” sendo interpretados de maneira fiel. Mesmo com o cenário totalmente favorável, as irmãs Deal não se acomodaram no palco Optimus [marca de telefonia celular que patrocina o evento]. Muito à vontade, com incontáveis sorrisos durante a apresentação, Kelley e Kim mostraram a essência do rock “loud-quiet-loud” que deixou marcas profundas na música de hoje em dia.

Em um show empolgado, que lutou contra o vento gélido e a noite que começava a cair, a banda esquentou corações em “Drivin’ on 9”, balada cheia de doçura e afeto country, graças especialmente ao violino de Carrie Bradley. Depois de “Last Splash” executado na íntegra, ainda sobrou tempo para outra facada no coração: “Don’t Call Home”. Se esse show passar na sua frente (as Breeders tem turnê marcada para o Brasil em julho), não hesite em ir, caro leitor. Diversão garantida.

A próxima atração da noite eram os Dead Can Dance, mas a fome batia fundo na barriga, de maneira que o show do grupo australiano foi trocado por uma boa ronda na praça de alimentação do festival. Um dos pontos altos do evento, o local até parecia pequeno para suportar o público esperado pela organização (entre 20 e 30 mil pessoas), mas funcionava bem, com filas rápidas e vastas opções. Quer exemplos? Comidas típicas do Porto como sanduíches de leitão, francesinhas (espécie de lanche com queijo, carne de porco e molho por fora) e tripa de porco, se misturavam a nachos, lanches de churrasco argentino, kebabs e barracas da Pizza Hut e da KFC. (Ainda bem que tem mais dois dias de festival para tentar experimentar um pouco de cada coisa, porque senão faltaria estômago para a brincadeira).

A seguir, não sobrou pedra sobre pedra quando Nick Cave e os Bad Seeds subiram ao palco Optimus. Em um show cujo único pecado foi a curta duração (65 minutos, aproximadamente), o australiano estabeleceu desde o início um clima sombrio e explosivo, unindo o repertório de seu novo álbum, “Push the Sky Away”, a porradas como “Red Right Hand”, “From Her to Eternity” e “Tupelo”. Escudado pela banda capitaneada pelo barbudo Warren Ellis, Cave passou mais de metade do show agarrado à plateia, se exibindo e impondo fortes emoções ao público, entre o trágico, a raiva e uma forte tensão sexual, além, é claro, do gostinho de “quero mais” ao final da faixa-título de seu mais recente disco.

Na sequência, Bradford Cox e seus companheiros de Deerhunter exibiram um universo particular e obsessivo no palco Super Bock. Donos de um pop esquisitão e guitarreiro, os americanos calcaram seu repertório no mais recente disco da banda, “Monomania”, lançado em maio último. Saudando o “Primavera Sound como o melhor festival do mundo”, a banda fez um show para ser curtido com calma, mais para ser escutado curtindo o clima do Parque da Cidade do que se esforçando na ponta dos pés para ver o que acontecia no palco.

Os calcanhares já pediam arrego e as pernas tremiam de frio, mas a programação do Primavera Porto ainda reservava uma boa atração a seus frequentadores: James Blake. Badalado pelo lançamento de seu segundo álbum, “Overgrown”, Blake encerrou a noite em uma apresentação marcada pela transição. Se em seu primeiro álbum havia forte pesquisa sobre texturas e vocalizações, agora o inglês parece interessadíssimo em ritmos e batidas, na mistura do orgânico com o eletrônico.

Em disco, a proposta parece limitada e não inovadora, mas ao vivo as canções do novo trabalho funcionaram bem, com destaque para a dobradinha emocional da faixa-título e de “Retrograde”, que encerrou a apresentação. Entretanto, as baladas contemporâneas e pungentes do primeiro álbum (como “Wilhelm Scream”, “Unluck” e a releitura de “Limit to Your Love”) parecem ter perdido força ao serem contaminadas pelas batidas, afastando-se do clima etéreo que fez a fama de Blake há dois anos. Pelo sim, pelo não, uma sensação é certa: os próximos caminhos que o inglês seguirá merecem muita atenção. A conferir.

Na saída, a dispersão foi tranquila, apesar da grande quantidade de pessoas que ficaram no Parque da Cidade até o final da noite, lá pelas três da madrugada. Diversos ônibus destacados pelo festival faziam o percurso de Matosinhos até o centro do Porto, em pouco menos de meia hora. Se faltaram explicações no site e durante o evento, sobrou boa vontade, em uma fila que andava bem, mas ainda assim pedia de 15 a 20 minutos de espera. Fica a expectativa para ver como a coisa vai rolar nessa sexta-feira, que traz shows de Daniel Johnston, Swans, Grizzly Bear, a sensação Savages e o tão aguardado retorno dos ingleses do Blur. Simbora.

DIA 02 – 31/05 – Sexta-Feira

O sol apareceu tímido no segundo dia de shows do Optimus Primavera Sound, mas isso não foi empecilho para que quase 30 mil pessoas apreciassem a beleza do Parque da Cidade. Chegando ao recinto mais cedo que no dia anterior, a reportagem do Scream & Yell pode confirmar o entusiasmo de José Barreiro, diretor do evento, acerca do local – embora não tenha sido dessa vez que encontramos os patos e coelhos. Uma pena.

Porém, ao começar seus shows apenas no final da tarde, e estendê-los até a madrugada, o Primavera Porto perde um bocado de seu charme por não explorar em máxima potência o lugar onde se estabeleceu, incluindo uma bacanuda vista para o mar e lugares incríveis para ver o pôr-do-sol. O clima que se via, pelo menos nas primeiras horas da sexta-feira, era o de um típico festival de verão, mas com coroas de flores substituindo tiaras piscantes e casacos no lugar dos biquínis, para tristeza (não só) dos muitos ingleses que saíram da terra da Rainha rumo a Portugal para ver o Blur. A viagem certamente deve ter valido a pena, mas vamos com calma.

A primeira missão obrigatória do dia era Daniel Johnston, às 20h, no palco curado pela organização do festival All Tomorrow’s Parties, que por vezes sofria com a interferência do som do show dos Local Natives, acontecendo no mesmo horário no palco Optimus. Se a apresentação de Johnston era um risco – é raro o artista encontrar-se com grandes plateias, por culpa de seus problemas mentais –, o que se viu na hora foi um espetáculo da sobrevivência e da força da arte.

Acompanhado por uma banda local (Johnston não tem grupo de apoio fixo, o que flexibiliza suas viagens) que deixou a desejar em alguns momentos, o norte-americano enterneceu as milhares de pessoas presentes com suas canções apaixonadas e inacreditáveis de tão simples, como “Speeding Motorcycle” e “Casper the Friendly Ghost”. No bis, com pedidos encarecidos do público, Johnston fez uma bela dobradinha com “Devil Town” e o hino “True Love Will Find You in The End”, um “desejo de Natal para vocês todos”, como disse o cantor debaixo dos últimos raios do sol.

Inicialmente o plano da noite seguia com um show de Rodriguez, mas o herói de “Searching for Sugar Man” desmarcou sua apresentação por problemas de saúde, sendo substituído pelos portugueses do Mão Morta, rivalizando no horário com o Swans, que naquele momento incendiava o mundo em um dos palcos principais do dia. Reformada em 2010 após treze anos de silêncio, a banda nova-iorquina mostrou porque tem sido tão aclamada desde o lançamento de “The Seer”, um dos discos mais instigantes de 2012.

Com cerca de uma hora e meia de duração, a apresentação do Swans foi um verdadeiro teste de resistência física, valendo tanto para os músicos, exigidos demais pelo comando do sargento-vocalista Michael Gira, como para a plateia, que ficou com o ouvido zumbindo em ruído e êxtase. É de se admirar uma banda que imponha tanta tensão de uma vez só, impulsionada pelo trabalho do baterista Phil Puleo e do percussionista Thor Harris, ambos incansáveis. Ao final do show, uma pergunta insistia na cabeça: “onde é que foi parar a minha audição?”.

Felizmente, ela não foi parar muito longe, presente o suficiente para assistir ao Grizzly Bear com toda a calma que o grupo do Brooklyn merece. Climático, o concerto da banda teve ampla base no repertório do álbum “Shields”, e contou com uma bela sintonia entre o vocalista Edward Droste, o guitarrista Daniel Rossen e o baixista Chris Taylor, especialmente no que diz respeito à divisão vocal das canções. Um show bem bonito, mas que perdeu algo de sua força por contar com uma plateia que curtiu o repertório, mas respondeu pouco aos incentivos de Droste, não encaixando a peça que faltava para que a apresentação se tornasse algo maior.

A bem da verdade, é bom que se diga que, até ali, nenhum momento do festival trouxe aquela comunhão entre público e artistas, com milhares de pessoas cantando juntas, um ingrediente vital para que um espetáculo se torne inesquecível. Repare bem, caro leitor: até ali, porque o Blur logo trataria de transformar o Parque da Cidade em uma festa sem um momento de queda.

A bordo de um caminhão de hits, os ingleses abriram caminho com “Girls & Boys”, seguindo com “Popscene” e “Beetlebum”, com direito a um Damon Albarn endiabrado provocando a plateia com água e megafones. Graham Coxon, por sua vez, extraía maravilhas de sua Telecaster, brilhando em “Coffee & TV” e no incrível solo de “This is a Low” – esta última, dedicada ao povo português, “que mora perto do mar”.

Para além da quantidade de sucessos que o Blur tem nas mangas, é impressionante a capacidade da banda de enfileirá-los de maneira magistral, alternando petardos dançantes com baladas acachapantes. A sequência com “Tender” (de fazer chorar, só isso), “Country House”, “Parklife” e “End of the Century” é prova clara disso.

No bis, Albarn fez questão de valer o verso “here’s your lucky day”, brindando o público com interpretações apaixonadas de “Under the Westway” (single lançado em 2012 pela banda junto à especial caixa “21”), “For Tomorrow” e “The Universal”. A brincadeira podia parar por aí, mas ainda havia espaço para um bate cabeça desenfreado a gastar toda a energia restante, em… sim, você adivinhou, “Song 2”. Yoo-hoo!

DIA 03 – 01/06 – Sexta-Feira

Depois da arrasadora invasão inglesa do Blur no segundo dia do Optimus Primavera Sound, o sábado de encerramento do festival prometia muito ruído e guitarras no talo, com um cartaz que incluía Dinosaur Jr, Explosions in the Sky e o esperadíssimo show do My Bloody Valentine.

Entretanto, o dia começou de maneira mais leve, com uma passada na praia de Matosinhos (com algumas garotas fazendo topless e muitas, mas muitas gaivotas) e o show ensolarado do grupo catalão Manel, aplaudido pelos muitos espanhóis presentes e com boa veia pop, como demonstra a divertida “Teresa Rampell”, que encerrou a passagem da banda no palco Optimus. Uma das boas surpresas a serem pesquisadas com calma após o festival, diga-se de passagem.

Na sequência, J Mascis, Lou Barlow e Kyle Spence fizeram uma apresentação para nenhum fã de guitarras distorcidas botar defeito. Com apenas uma hora de duração, o tempo passou rápido durante o show do grupo norte-americano, que trouxe ao Porto um caminhão de hits indies, como “Sludgefeast”, “Feel the Pain” e “Watch the Corners”.

Como de praxe, escudado por uma parede de amplificadores Marshall, J Mascis deliciava os presentes com grandes riffs e solos, enquanto Lou Barlow cuidava do peso e dos momentos mais dinâmicos da apresentação, que teve um bate cabeça old school (daqueles de pedir desculpa depois de uma cotovelada sem querer) e a participação especial de Pink Eyes, vocalista do Fucked Up. Isso para não falar nas lágrimas, velhas companheiras, a cair quando o Dinosaur Jr mostrou em palco uma das maiores releituras da história do rock: “Just Like Heaven”. Amor define, só amor.

Mal deu tempo de processar o show do Dinosaur Jr, porque logo depois, às 21h30, o The Sea And Cake se apresentava no palco ATP. Entre o pop, o rock, uma ou outra sofisticação que remete ao jazz e uma boa pitada de soul de branco, o grupo de Chicago fez um bonito trabalho na cidade portuguesa, com destaque para o vocalista/guitarrista Sam Prekop. Belo jeito de encerrar a parte diurna do Optimus Primavera Sound, com um céu em belo dégradé, que casava com as canções aconchegantes da banda.

Recém-chegados do Rio de Janeiro, o Explosions in the Sky foi amostra viva de que as guitarras estão longe de morrer na música de hoje. É de se admirar boquiaberto a interação entre Munaf Rayani, Michael James e Mark Smith, três empolgadíssimos guitarristas que sabem o que estão fazendo no palco e, desde o início, convidam a plateia para sonhar junto consigo (literalmente, com sotaquinho e tudo, da mesma maneira que os shows recentes no Brasil). Não é uma tarefa difícil: foi só fechar os olhos e se deixar levar pela beleza de músicas como “Your Hand In Mine” e “The Only Moment We Were Alone”.

A ideia inicial a seguir era conferir se o hype das Savages era tudo isso mesmo, mas antes foi necessária uma pequena pausa para o descanso das pernas e o reabastecimento do estômago. Superlotando a tenda da Pitchfork, palco mais isolado dos quatro deste Optimus Primavera Sound, o grupo londrino empolgava os presentes, em um show cheio de energia, temperado pela força da baterista Fay Milton e pelo esperto jogo de luzes em p&b. Em disco, as canções de “Silence Yourself” pouco agradaram este escritor, mas, apesar de uma meia dúzia de clichês (Siouxsie Sioux mandou um beijo), ao vivo a banda funciona bem demais, gerando a dúvida se não merecia estar trocando de lugar com o Liars, que simultaneamente se apresentava no palco Super Bock. Seja como for, as Savages merecem o selo “se passar na sua frente, vá ver”.

Depois de gravar um disco após ficar 22 anos longe dos estúdios, e pelo menos há uma década e meia sem encarar uma grande turnê, o My Bloody Valentine chegou ao Porto debaixo de fortes expectativas dos presentes. Kevin Shields e seus companheiros, porém, não são bobos para se deixar engolir por uma coisa boba como a expectativa, e resolveram afundá-la num mar de guitarras noisy, teclados e muito, mas muito ruído.

É bom que fique claro que o ruído do MBV não é qualquer ruído. Em uma determinada passagem do show, Kevin Shields percebe um problema em um pedal, e demora alguns minutos na busca da correção. Na espera, alguém na plateia grita: “Use another fuzz, man!”. Shields ignora, e após encontrar o timbre correto, diz sutilmente “Technical issues”, para risos dos presentes, que se deliciaram com um repertório calcado no clássico “Loveless”, enquanto o recente “m b v” foi lembrado apenas de passagem (“New You”).

Se Kevin Shields brilha com os pedais, Bilinda Butcher é só finesse durante o show inteiro – ainda que parte de sua graça se perca, propositadamente, com os vocais enterrados na equalização. A bem da verdade, no Porto, o My Bloody Valentine mostrou que, assim como a zoeira, também não tem limites. Duvida? O que você diria se uma banda te desafiasse com oito minutos de puro barulho (no melhor sentido do termo), executado em um volume ensurdecedor? Pois é.

Foi com os ouvidos zumbindo que o Scream & Yell se despediu do Optimus Primavera Sound, um festival falado em português, mas sem grandes filas ou preços abusivos (o passe geral para os três dias de evento custava entre 100 e 125 euros; o bilhete diário, 55 euros) e com um cuidado especial com o espectador.

Se a intenção de mostrar novos nomes apareceu menos do que o esperado, a componente revivalista do evento funcionou de maneira espetacular, com grandes shows de Blur, Nick Cave, Breeders e My Bloody Valentine. E ano que vem tem mais: para 2014, vale a pena ir juntando as moedinhas, porque o Primavera Porto (assim como seu irmão mais velho, de Barcelona), já anunciou o Neutral Milk Hotel como headliner. Promessa de fortes emoções.

– Bruno Capelas (@noacapelas) é jornalista, escreve para o Scream & Yell desde 2010 e assina o blog Pergunte ao Pop

Leia também:
– “Queremos ser um bom festival médio”, diz diretor do Optimus Primavera Sound Porto (aqui)
– Diretor do Primavera Sound Barcelona, Alberto Guijarro conversa com o Scream & Yell (aqui)
– Diretor do Primavera Sound Barcelona, Alberto Guijarro conversa com o Scream & Yell (aqui)
– Primavera Sound 2010: o que de melhor aconteceu no festival, por Marcelo Costa (aqui)
– Primavera Sound 2011: o que de melhor aconteceu no festival, por Marcelo Costa (aqui)
– Primavera Sound 2012: o que de melhor aconteceu no festival, por Marcelo Costa (aqui)

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