Teorias
do Mestre Opala
série
em 07 capítulos por Eduardo Palandi
15/12/2001
Capítulo
07
1995: o último grande ano do rock (1991 é
a %&%^&^*)
Comumente
aparece alguém pra dizer (ou "lembrar") que a música
pop atualmente está uma droga. Que bom mesmo era em 1967,
quando você tinha Beatles, Beach Boys, os melhores discos
do Who e tantas outras grandes bandas fazendo tantos outros
grandes discos: ou em 1991, onde, se de um lado do oceano havia
Nevermind,
Gish, Slanted and Enchanted e Bloodsugarsexmagik,
do outro havia Bandwagonesque, Loveless, Screamadelica
e Achtung Baby. Simples assim. Em Brasília, chegou-se
a fazer uma festa 91 Forever, onde só se tocavam os clássicos
de dez anos atrás. E aí instaurava-se a polêmica:
1991 teria então sido o último grande ano do rock?
Desde então é só decadência e falta
de criatividade?
Pois
bem, eu nem tinha que mexer nessa ferida. Mas a resposta é
não, houve um ano tão bom ou até melhor
depois de 1991. 1995 foi esse ano. No capítulo histórias,
temos lá algumas: no Brasil, os Mamonas
Assassinas, vendidos como uma banda de rock (duas guitarras
e nada de peladonas no palco em pleno primeiro mandato de FHC,
hein?), vendiam dois milhões de cópias de sua
estréia fonográfica antes que, no ano seguinte,
um acidente de avião fizesse dois milhões de pedaços
de seus integrantes. No Reino Unido, Blur e Oasis estavam então
no auge da briga para ver quem era a banda número 1 da
ilha. A banda de Graham Coxon começou levando vantagem,
com o compacto de Country House atingindo o primeiro
lugar na mesma semana em que era lançado o de Roll
With It, da banda de Noel Gallagher. Entretanto, as vendagens
e os dois hits planetários do LP do Oasis fizeram o Blur
comer poeira. Além disso, Richey
James, o atormentado guitarrista dos Manic Street Preachers
que não sabia tocar seu instrumento, desaparecia para
sempre, misteriosamente.
Nos
EUA, onde o grunge agonizava depois do velório de Kurt
Cobain, a necrofilia era coisa que não passava pela cabeça
inventiva de Dave Grohl, que, quem diria isso em maio de 1994,
chegaria ao século 21 como um dos três rockstars
em atividade que mais merecem nosso respeito, além do
auge do processo criativo na cabeça de Billy Corgan,
o até então subestimado líder dos subestimados
Smashing Pumpkins.
Pois
bem, volte comigo seis anos na linha do tempo e reveja porque
1995 foi tão bom ou ainda melhor (em termos de lançamentos
musicais, apenas) que 1991:
1. "To Bring You My Love", PJ Harvey. Depois do segundo
disco, Rid Of Me, ser elogiadíssimo e aparecer
em todas as listas de top 10 de 1993, PJ Harvey foi ainda mais
fundo nas feridas da alma humana e capturou os ouvintes com
To Bring You My Love. Aqui, guitarras duelam com sensibilidade,
num disco que é conduzido com maestria pela então
sra. Nick Cave.
C'mon Billy e The Dancer são pequenas sinfonias
modernas, enquanto Send His Love To Me é uma declaração
de amor atemporal, de fazer pedra se apaixonar.
2. "The Great Escape", Blur. Andaram te dizendo que o
Parklife é o melhor disco do Blur? Esqueça.
O melhor está nesse quarto disco. Não bastassem
os quatro singles perfeitos (a saber: Country House, The
Universal, Charmless Man e Stereotypes), o disco
ainda traz maravilhas como Best Days, Globe Alone, Top Man
e Fade Away, minha música preferida deles. A banda
não gosta do disco porque foi nessa época, depois
de perderem a briga brit pro Oasis, que o Blur quase acabou.
Por isso também não tocam quase nenhuma música
do álbum ao vivo. E pra piorar, quando a EMI brasileira
relançou os discos do Blur no Brasil, este foi o único
que ficou de fora. Mas mesmo com tudo isso, é um disco
nota dez, que não deve deixar de ser conhecido.
3. "Forever Blue", Chris Isaak. Dois anos antes, o modelo-ator-cantor-galã
havia voltado a gravar, com San Francisco Days. Mas seu
melhor disco é este aqui, feito
pra destruir qualquer coração. Impossível
não se emocionar com Graduation Day: "...a million
dreams have all gone bad, think of all we had..." e com Baby
Did a Bad Thing, que recentemente foi trilha sonora do filme
De Olhos Bem Fechados.
4. "Mellon Collie and the Infinite Sadness", Smashing Pumpkins.
O último grande álbum duplo do rock. Apenas pra
explicar: Being There, do Wilco, só é um
álbum duplo porque na época não existia
o CD de 80 minutos, que seria suficiente pra conter as dezenove
canções do disco. No caso de Mellon Collie,
são 28 músicas, duas horas de pura porrada intercalada
com beleza acústica. Billy Corgan foi entendido como
gênio, por colocar músicas tão díspares
e lindas como Jellybelly e Galapogos no mesmo
disco, fora 1979 (a coisa mais New Order que o New Order
não fez) e os sete prêmios do MTV Awards para o
clipe de Tonight Tonight, feito jamais igualado ou superado
na história da premiação.
5. "A. M.", Wilco. Após o fim do Uncle Tupelo, Jeff
Tweedy e Jay Bennett, dois cânones do country moderno,
não iriam ficar de braços cruzados, só
vendo os caminhões passando pela estrada. E assim formaram
o Wilco, que se tornaria o maior nome do gênero. No disco
de estréia, A. M., a banda exorciza os fantasmas
do Uncle Tupelo com lindas canções: Should've
Been In Love e Box Full of Letters são os
dois grandes destaques.
6. "(What's the Story) Morning Glory?", Oasis. O disco
que fez do britpop uma unanimidade quase mundial perde por meio
nariz de diferença para a estréia do Oasis, Definitely
Maybe. Mas traz Some Might Say (que saiu antes do
álbum e foi o primeiro compacto do Oasis a atingir o
número 1 das paradas inglesas), Roll With It, She's
Electric, Champagne Supernova, What's The Story Morning Glory
e duas canções que foram hit até no Brasil,
acreditem: Wonderwall e Don't Look Back In Anger.
Com tantos clássicos no mesmo disco, é covardia.
7. "Grand Prix", Teenage Fanclub. Esse disco é
o ponto de mutação na carreira dos escoceses reis
do refrão: nos três primeiros discos, a distorção
é o que imperava. Do quinto disco em diante, a melodia
virou o destaque absoluto do Teenage Fanclub. E entre as duas
fases, um disco cheio de distorção com melodia,
que tem Don't Look Back, Neil Jung, Discolite, Say No, Verissimilitude,
Sparky's Dream (constantemente descrita como "a canção
pop perfeita") e Mellow Doubt, que eu aposto minhas duas
pernas como não seria idolatrada por Kurt Cobain se ele
estivesse vivo à época.
8. "Wowee Zowee", Pavement. Muita gente não entende
esse disco, acha experimental demais. Incluindo eu. Mas até
eu consigo ver que tem umas barbadas geniais aqui. Colocando
o disco pra tocar e deixando o cd player na função
shuffle, aquela de catar milho, dá pra descobrir pérolas
como We Dance, Flux = Rad e meu momento preferido, Serpentine
Pad, que poderia soar como Mark E. Smith compondo alguma
coisa com o Green Day.
9. "Insomniac", Green Day. Eu sou indie mas eu gosto
desse disco aqui. Mais até do que do Dookie, mesmo
sem When I Come Around. Nesse disco, o baixinho Billie
Joe Armstrong bota o Tico e o Teco pra funcionar, mas sem diminuir
o volume das guitarras, e assim saíram mais uns hits
pras massas: Jaded, Walking Contradiction, Geek Stink Breath...
se seu priminho ou sobrinho está virando fã de
Limp Bizkit, passe na frente e dê esse disco aqui a ele
(ou uma coletânea dos Smiths), assim ele não vai
correr o risco de se tornar um "tcharroladrão".
10. "Protection", Massive Attack. Projetos de trip-hop,
com a exceção do Moloko, são formados por
gente essencialmente preguiçosa, que faz um disco hoje
e outro daqui a uns 4, 5 anos. O Massive Attack fez assim: lançou
Blue Lines em 91 e depois o próximo foi esse Protection,
com a linda Karmacoma e com Tracey Thorn, do Everything
but the girl, cantando a faixa-título. Além disso,
ainda mandaram uma parceria com o naipe do dub Mad Professor,
que remixou o disco todo, sob o nome de No Protection.
11. "Different Class", Pulp. Grande Jarvis Cocker! Depois
de 10 anos fazendo umas coisinhas relaxadas e bobinhas, em 1994
começou a virada, com o disco His'n'Hers, que
foi consolidada por esse aqui, no ano seguinte. Não vou
falar muito sobre Different Class, melhor que você
leia a seção "Esse
você precisa ouvir". Mas vou destacar os melhores
momentos, na minha opinião: Underwear, I Spy, Common
People e o lado B P.T.A. (Parent Teacher Association),
que vergonhosamente ficou fora do disco e que você vai
pegar em mp3 agora.
12. "I Should Coco", Supergrass. Powerpop de primeira
é aqui mesmo, podem chegar mais. A seqüência
das quatro primeiras músicas do disco de estréia
do trio inglês cujo baixista é a cara do meu tio
Valmir é antológica, e logo em I'd Like To
Know você sente o potencial pop do conjunto. Procure
também por Condition, lado B do single de Alright,
hit até num país chamado Brasil, que viu um show
do Supergrass no Hollywood Rock de janeiro de 1996, junto com
os supra-citados Smashing Pumpkins e o Cure.
13. "Foo Fighters", Foo Fighters. Dave Grohl não
foi varrer as cinzas de sua ex-banda não... muito pelo
contrário. Deve ter colocado na cabeça: "vou virar
um artesão do refrão". Daí foi só
pegar uma galerinha no Sunny Day Real Estate e começar
a gravar suas composições pós-abril de
1994. O resultado saiu nesse lindo álbum de estréia,
que tem as poderosas Alone + Easy Target, I'll Stick Around
e For All The Cows.
14. "Southpaw Grammar", Morrissey. Depois do perfeito
Vauxhall and I, saído em 1994, Morrissey saiu
da EMI e assinou contrato com a BMG para apenas um único
disco. Reuniu sua banda de sempre e deve ter dito a eles: "Vamos
experimentar". E Southpaw Grammar é seu disco
mais experimental: a primeira e a última músicas,
The Teachers Are Afraid Of The Pupils e Southpaw
são dois épicos de dez minutos cada. No meio,
seis canções com guitarras nervosas, onde se destacam
Do Your Best And Don't Worry e o hit The Boy Racer,
que tem o poder de emocionar mestre Opala.
15. "The Bends", Radiohead. Achou que eu não ia
falar desse disco? Eu sei que você tem uma banda cuja
maior influência é esse aqui, nem fuja da raia.
O fato é que eu comecei a gostar de Radiohead por causa
de High And Dry, faixa 3 do The Bends, e quase
a totalidade do disco foi hit aqui em casa. E aquele clipe de
Just, então? Maravilhoso, sem comentários
negativos, por favor. Meu amigo Márcio Porto, do 2baleia!,
costuma definir Just como a canção perfeita. Só
me resta assinar embaixo.
Bem,
espero que esses quinze discos te façam perceber que
1995 é o último ano de referência do rock
de qualidade, e não 1991. E como se não bastasse
isso, a coletânea Help!, feita pra ajudar as crianças
que sofriam com a guerra civil na Iugoslávia, ainda traz
Raindrops Keep Fallin' On My Head, numa versão
dos Manic Street Preachers, que é a música mais
feliz da história... dá pra se perceber a sinceridade
do James Dean Bradfield cantando.
Eduardo
Palandi, 20 anos, deve, não nega e paga em três
vezes no cartão, não é mesmo, senhor editor?
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