Matérias
Antológicas
Quando
o rock fala ao coração
por
Álvaro Pereira Júnior
Eleven:
Eleven era
o nome do disco, ainda em vinil. A banda: o Come, de Thalia
Zedek, visionária junkie, frequentadora dos mais terríveis
abismos da alma. Na primeira faixa, Submerge, já
não restava dúvida de que o Come tinha vindo a
este planeta não para entreter, mas para nos lembrar
de que a vida pode ser um fardo brutal.
Submerge
talvez seja a canção mais depressiva e sombria
já composta. Na época (1991/92), uma crítica
americana definiu à perfeição o som do
Come: música para perdedores, para gente que espera em
vão o telefone tocar sábado a noite. E não
é só o Come. O desespero elevado a uma forma de
arte sempre foi matéria prima do que melhor se fez na
história do rock.
Seja
nos lamentos agudos de Roy Orbison, aquele que só os
solitários entendem; ou no álbum Music for
a New Society, em que o cerebral John Cale, devastado pelo
álcool, chorou baixinho na mixagem final.
Os
incensados Beach Boys, que passaram para a história como
celebrantes máximos do hedonismo californiano, também
tinham sua faceta torturada. Na obra-prima Pet Sounds,
o líder Brian Wilson, autocontrole aos pedaços,
levou os Beach Boys ao terreno perigoso das harmonias complexas
e da impossibilidade do amor. Está em Pet Sounds
a faixa Caroline No, melancolia pura, supostamente inspirada
pela mulher de Brian, que, contra a vontade dele, tinha cortado
o cabelo. A música começa assim: "Where did your
long hair go/ Where is that girl I used to know". Bobagem sub-romântica,
mas que ganhou ares de arte suprema diante do arranjo revolucionário
que Wilson escreveu.
Nos
anos 70, foi a vez da desesperança urbana e da autoflagelação
de Lou Reed e o Velvet Underground, sacerdotes do ruído
nova-iorquino, que viram e fizeram de tudo. A musa inspiradora
e vocalista ocasional de Velvet Underground, Nico, morreu fulminada
por um ataque cardíaco na ilha espanhola de Ibiza, quando
saía de bicicleta para comprar maconha no centro da cidade.
Um fim desses diz muito sobre a música que o Velvet fazia.
E,
se o tema é tristeza e confinamento, o nome óbvio
são os Smiths, a banda inglesa que nos anos 80 nos transformou
em filhos e herdeiros de uma timidez criminosamente vulgar.
O auge da desesperança dos Smiths se deu com a pouco
conhecida I Know It's Over do álbum The Queen
is Dead (1986). A pretexto de descrever um amor que deu
errado, o vocalista/poeta Morrissey escreveu alguns dos versos
mais delicados e pungentes da história pop. Melhor momento:
"O amor é natural e real/Mas não para mim nem
para você, meu amor".
Pouco
antes, também na Inglaterra, tinha sido a vez de Joy
Division, de Ian Curtis, transferir. Se para os Sex Pistols,
o governo e a realeza não tinham jeito, na opinião
de Curtis era a própria vida que estava fadada ao fracasso
(ele se suicidou em 1980, na véspera da primeira excursão
americana do grupo). Na obra lúgubre do Joy Division,
destaca-se Atmosphere, que diz mais ou menos o seguinte:
"Gente como você acha fácil/ Ir embora em silêncio".
O clipe também é de arrepiar, com imagens em preto-e-branco
de pessoas vestidas como a morte.
Na
cena atual, vários cavaleiros solitários registram
suas mágoas em CD, mas o maior deles talvez seja Chris
Isaak, legitimo herdeiro de Roy Orbison. Um álbum de
Isaak chamado Forever Blue (Triste para sempre) é
absolutamente proibido para corações fragilizados.
Issak,
Curtis, Morrissey, Cale, Wilson. Nossos companheiros de angústia
porque, você sabe, o telefone nunca toca.
Álvaro
Pereira Júnior, 36, tem uma coluna no caderno
Folhateen da Folha de São Paulo. É um
dos poucos caras que não se encaixam em “amar
ou odiar”. Tem semanas que ele escreve coisas geniais
e outras que ele chuta o pau da barraca. Essa matéria
é das geniais, é das antigas e nem ele
lembra mais.
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