Esse
você precisa ouvir
Different
Class - Pulp
por Leonardo
Vinhas
LUXUOSA
VULGARIDADE CLÁSSICA
Esse disco é exagerado, cafona,
afetado e ostensivo, uma hipérbole de frescura. Então por
que é um disco que você tem que ouvir, como anuncia o título
dessa seção?
Basicamente, porque sua soma de tecnopop
decadente, teatralidade bowieana, rock farofa e vários elementos
inclassificáveis passou mais de dez anos fora de proporções
até atingir a combinação perfeita no álbum
His
'N' Hers (1993), que antecipou gloriosamente a excelência de
seu sucessor.
Different Class veio ao mundo
em 1995 e já trazia dois singles matadores: "Common People" (que
antecedeu o lançamento do álbum) e "Disco 2000". O primeiro
é um tecnopop acelerado que adere à primeira audição
e conta a história de uma garota rica que quer "viver como as pessoas
comuns", mas que nunca conseguirá, pois "quando estiver olhando
as baratas subirem pelas paredes" em um quarto imundo, bastará "chamar
papai e ele resolverá tudo". Já "Disco 2000" é inclassificável,
mas tenta-se assim mesmo: um riff impecável de duas guitarras muito
altas com intervenções dos teclados mais kitsch possíveis,
alternando-se com um Refrão com R maiúsculo. A letra versa
sobre dois casais amigos que têm filhos quase ao mesmo tempo e, por
isso, brincam que eles estão prometidos um ao outro. A filha entende
a brincadeira, mas o rapaz leva a séria e baseia sua vida nessa
falsa esperança desde a infância.
Como já se pode perceber, as
letras têm uma abordagem anti-convencional. Jarvis Cocker (vocal,
guitarra e teclados) já foi considerado um dos melhores letristas
de todos os tempos por várias publicações e realmente
sabe como poucos criar versos exatos dentro das peculiaridades da língua
inglesa. A classe média britânica e seus vícios voyeurismo,
hedonismo, desilusões, amores idealizados - nada escapa do escrutínio
sarcástico de Cocker.
Só com os dois primeiros compactos
bastariam para termos uma obra prima. Todavia, os violões saltitantes
e o teclado safado de "Sorted For E's & Wizz", a cafonália de
"F.E.E.L.I.N.G. C.A.L.L.E.D. L.O.V.E.", a valsa-pop-dramalhão de
"Bar Italia", a candura de "Pencil Skirt", o refrão desavergonhado
de "Underwear" e a precisão dos versos e acordes de "Something Changed"
atestavam que a suntuosidade vulgar do Pulp explodia em cada acorde que
compunham juntos.
"Late Bed Show" e "Monday Morning"
trazem climas suntuosos e sensuais. Mas enquanto a primeira mantinha sua
grandiloqüência contida, a segunda disparava seu andamento tão
subitamente quanto a largada de uma corrida de cães. "I Spy" é
um sussurro constante para exercitar o voyeurismo que explode colorido
em "Underwear" e "Mis-Shapes" diz tudo o que Ziggy Stardust queria (musical
e textualmente) mas não encontrou as palavras exatas.
A criatividade da banda estava realmente
em seu ápice. Na época, o Pulp era um sexteto com Cocker,
Candida Doyle (teclados), Steve Mackey (baixo), Russel Senior (guitarra
e violino), Nick Banks (bateria) e o recém-admitido Mark Weber (guitarra
e teclados) - formação que gravou apenas esse disco (Senior
sairia após o término da turnê de lançamento),
e talvez por isso, jamais tenha conseguido repetir seu resultado.
Different Class é um
disco exagerado, cafona, afetado e ostensivo - e é fantástico.
O que qualquer um transformaria em lixo, o Pulp transformou em arte que
não pode ser resumida em meia dúzia de parágrafos
tortos. E se eu só disser que é um puta disco?
Leonardo Vinhas
escutou "Disco 2000" três vezes seguidas no reveillon de 1999 da
2000. E avisa que não empresta sua cópia de Different Class
para ninguém. |