Teorias
do Mestre Opala
série
em 07 capítulos por Eduardo Palandi 01/09/2001
Capítulo
01 UM
GRANDE FÃ DE SMITHS TENDE A SER UM GRANDE FÃ DE
SUEDE
Os
Smiths tiveram uma existência relativamente curta, quatro
anos é pouco tempo pra uma banda. Mas, nesse curto espaço
de tempo tornaram-se, a meu ver, uma das três grandes
bandas de todos os tempos (não cabe aqui discutir quais
são as outras duas). Os detratores da banda costumam
apontar como defeito uma originalidade musical precária,
dizendo que eles nada mais fizeram do que atualizar o rockabilly
surgido nos anos 50.
Eu
vejo isso como um mérito. Afinal de contas, foi o primeiro
grande estilo do rock and roll, e que formou Elvis Presley,
o primeiro grande ídolo do gênero. Depois, nos
anos do rockabilly original, nenhum guitarrista ficou marcado
na história como Johnny Marr, guitarrista dos Smiths,
ficou. E ele é (pelo menos era) um cara original. Minhas
duas músicas preferidas da banda, em se tratando de guitarra,
são Miserable Lie, do subestimado primeiro disco, e
Nowhere Fast, do ainda mais subestimado Meat is Murder.
Como
se isso não bastasse pra calar a boca de quem não
reconhece a importância dos Silvas de Manchester,
ainda não falei da verdadeira revolução:
a poética de Morrissey. Ao contrário dos
grandes
poetas que vieram antes (só pra citar meus preferidos:
Paul McCartney, Bob Dylan, Lou Reed e Jonathan Richman), que
abriram universos (drogas, marginália, amor e sentimentos
desconhecidos do mundo naïve pré-anos 60), a geração
de Morrissey ia fundo nos caminhos já abertos da alma.
Como se uma grande área do universo já fosse conhecida,
mas não em profundidade.
E
Morrissey e os Smiths falavam sobre inadequação
na sociedade, descontentamento com o que há no mundo,
aqueles sentimentos tipicamente adolescentes (dos quais não
dá pra fugir sempre, uma hora ou outra a gente passa
pelos dezesseis, dezessete anos). Com a separação
da banda, em agosto de 1987, e a carreira como solista, Morrissey
mudou a temática de suas letras. De Viva Hate,
seu primeiro trabalho solo, em diante, bem menos letras são
escritas em primeira pessoa, marca registrada dos Smiths.
Passando
para o lado do fã, agora: o garoto que passou sua adolescência
trancado no quarto, ouvindo Smiths e com aquele discurso de
"ninguém me ama, ninguém me quer" (não
precisa ter sido na época da banda), com o fim do grupo
e a mudança temática de Morrissey, decide "sair
de casa", começar a encarar a vida, a exorcizar essa
depressão toda. E encontra uma menina, que também
vivia trancada no quarto, encarando a vida da mesma forma, e
que saiu pelos mesmos motivos. E aí entra o Suede na
história.
A
ambigüidade da orientação sexual de Morrissey
sempre foi um fato conhecido; no Suede, ela está presente
desde a época do primeiro compacto (maio de 1992), quando
o vocalista Brett Anderson dizia ser "um bissexual que ainda
não teve uma relação homossexual". Continua
quando a banda lança o disco de estréia, dez meses
depois: pode-se ter uma interpretação dúbia
da maioria das canções, mas a maior marca é
a homossexual Animal Nitrate ao lado da hetero She's
Not Dead na ordem do disco.
Mas
uma coisa se percebe no primeiro disco: ele já fala de
experiências sexuais concretas, não é aquele
clima platônico dos Smiths. Como se rolasse um clima entre
o casal de fãs. Não bastasse isso, Bernard Butler,
primeiro guitarrista do Suede, é o Johnny Marr dos anos
90. (E Richard Oakes, o segundo, é o Vini Reilly, guitarrista
do primeiro disco solo de Morrissey, dessa década). E
os fãs que chegaram a sentir uma incerteza quanto à
preferência sexual na época dos Smiths, continuam
na incerteza, mesmo com as coisas já rolando.
O
segundo disco do Suede, Dog Man Star, de 1994, marca
o fim da transição do grande fã de Smiths
pro grande fã de Suede. Surge a primeira canção
de amor escancarada, The Wild Ones, e o cândido
devoto de Morrissey (Pretty Girls Make Graves chega a
ser tonta, de tão inocente) agora tem um discurso
carregado de luxúria. Afinal, Morrissey nunca escreveria
"We are the pigs, we are the swine", presente no mesmo álbum.
Assim,
o Suede é a evolução natural dos Smiths,
ainda que não tão marcante pra história
da música quanto os primeiros. Entretanto, a leitura
desse texto pode deixar uma interpretação de que
os discos de Morrissey como solista não têm importância
nem sequer qualidade, o que é mentira. Vauxhall
& I, pra mim, é um dos dez melhores discos dos
anos noventa.
Pra
acompanhar a leitura desse texto, recomendo que você procure
na sua ferramenta de busca de mp3 na Internet um medley ao vivo
de Morrissey que data de 1992 onde ele começa cantando
Such a Little Thing Makes Such a Big Difference, de sua
autoria, e termina com My Insatiable One, do Suede.
Eduardo
Palandi, o mestre Opala do título, tem 19 anos e passou
pela transformação acima, mas ainda é boca
virgem.
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