A verdadeira
tragédia dos Mamonas Assassinas
por
Daniel Souza Luz
Esses dias li uma crítica no
jornal Estado de Minas a respeito de um grupo chamado Calangos. Seu disco
seria mais uma tentativa das gravadoras brasileiras de encontrar um novo
Mamonas Assassinas, de acordo com o crítico. Já havia lido
sobre o grupo no espaço dedicado a demo tapes no jornal, mas só
a referência aos Mamonas faz que eu torça para que nunca tenha
que escutar sua música. Porém, não é sobre
isso que eu quero falar.
O que chamou minha atenção
mesmo é que alguém pense que ainda se pode reeditar o fenômeno
dos Mamonas. É duro admitir isto, mas sob certo ponto de vista,
eles eram únicos. Quer dizer, entre os gêneros musicais populares
no Brasil pululam vários nomes entre os diferentes rótulos
(axé, sertanejo, pagode, etc), e pop rock não era exatamente
a praia deles – apesar do bom humor em comum, Raimundos, Ultraje a Rigor
e similares operavam por um viés diferente, distinto da paródia
recorrente. O sucesso acachapante dos Mamonas não abriu as portas
do estrelato para seus imitadores.
Na onda de "música engraçadinha"
que o Mamonas trouxe a tona, Baba Cósmica era rock (ou rardicóri,
se você assim quiser) e Tiririca estava muito mais ligado às
tradições populares dos repentistas nordestinos, ou seja,
cada um tinha seu público relativamente segmentado. O achado de
Dinho e seus asseclas é que eles eram, apesar das raízes
rock'n'roll, essencialmente uma paródia de determinado estilo musical
em cada uma de suas músicas, e de modo algum poderiam ser configurados
como uma banda com personalidade própria. Criavam tipos a partir
de estereótipos e preconceitos populares e incorporavam e se desvinculam
deles de acordo com o humor pretendido, estando para a música brasileira
assim como Chico Anísio está para a TV brasileira, digamos
assim.
Convenhamos, Chico Anísio é
um só, e essa fixação pela paródia de inúmeros
tipos foi a chave do sucesso do Mamonas.
Isso me incomodava muito. Essa fixação
pela paródia ao meu ver demonstrava um humor boçal, como
também é boçal toda espécie de virtuosismo
estéril na música, esse terreno lamacento onde habitam Satriani,
Stratovarius, Dr Sin e todo esse metal farofa. Ao demonstrar que podiam
tocar qualquer coisa avacalhando-as, os Mamonas exibiam um virtuosismo
musical em que estava presente um preciosismo arrogante. O fato de uma
de suas músicas (não sei o nome, nem quero saber) ter citações
instrumentais do Dream Theater e do Rush diz tudo. Enfim, detestava-os,
mas não vi motivos para comemorar a morte deles, é claro.
Lembro de ter pensado na época: por mais insuportável que
seja a presença deles na mídia, eles iriam passar como a
mera moda que eram. Ninguém se lembrava, naquela época, do
Inimigos do Rei, que na minha pré-adolescência achava tão
intragável quanto os Mamonas – e que fez quase tanto sucesso quanto.
Ficaria feliz por eles se estivessem
vivos, ricos, gordos, contentes e esquecidos, relembrando as glórias
passadas, como provavelmente aconteceria.
Quando li a respeito dos aspirantes
a novos Mamonas, pensei que no ano que vem pode até ser, vai fazer
cinco anos das mortes dos caras, talvez a indústria queira capitalizar
mais em cima de suas mortes, etc.
Porém, verifiquei a data da
morte dos caras: foi em março de 1996, já fez cinco anos.
Não vi nenhuma menção na mídia, ao menos em
termos massivos. Porém, a morte de Renato Russo sempre é
relembrada por aqueles que o cultuam, e ela se deu mais ou menos na mesma
época. Talvez combine com letras depressivas de Russo as citações
a sua morte, mas isso não se aplica ao besteirol do Mamonas. Essa
é a verdadeira tragédia dos caras: depois que a indústria
de entretenimento explorou a comoção provocada pela morte
dos integrantes do Mamonas, não há mais nada a fazer. Não
vão estar bem, estúpidos e
ricos como pensei nem serão
os heróis populares mortos precocemente como quis a mídia
logo após o acidente com o avião. Estarão apenas esquecidos.
Vejo meus amigos mais novos confessar
com vergonha de que gostavam do Mamonas, do mesmo modo que vejo o pessoal
de minha idade fazer o mesmo com o Menudo. Isso me faz recordar de quando
assisti "O Homem sem Sombra” com a minha namorada: ela morreu de rir com
a manjada piada do que fez o Super Homem ao ver a Mulher Maravilha se retorcendo
nua no alto de um prédio. Ela achou graça só porque
é muito mais nova do que eu, um velho caquético que cansou
de ouvir essa piada no pátio da escola, nos anos oitenta. A única
esperança para que a música dos Mamonas sobreviva ao esquecimento
é o crescimento de uma geração que não ouviu
falar deles. É aquela velha história: uma piada contada pela
segunda vez não tem graça. |