Três séries musicais: “Pistol”, “Som na Faixa”, “Amor e Música: Fito Páez”

texto por Marcelo Costa

“Pistol”, de Danny Boyle (2022)
Uma das bandas mais importantes do rock and roll em todos os tempos, o Sex Pistols precisou de apenas um único álbum incendiário de estúdio (o absolutamente clássico “Never Mind the Bollocks, Here’s the Sex Pistols”, de 1977) para grafitar seu nome na História da cultura pop. Ok, melhor colocar na conta uma porção de shows caóticos circa 1976/1977 e muito marketing. “Pistol” (2022), serie de seis episódios escrita por Craig Pearce (colaborador de roteiros de Baz Luhrmann em filmes como “Romeo + Juliet”, “Moulin Rouge” e “Elvis“) com base em “Lonely Boy: Tales from a Sex Pistol” (2016), livro de memórias do guitarrista Steve Jones, e direção de Danny Boyle (“Trainspotting”, “Slumdog Milionaire”) é, junto ao obrigatório documentário “O Lixo e a Fúria” (2000), de Julien Temple, um dos melhores produtos televisivos a capturar a magia daqueles anos inglórios. O roteiro acompanha um jovem delinquente semianalfabeto (Steve Jones interpretado por Toby Wallace) que costuma furtar lojas e backstage de shows. Ele pretende montar uma banda com um amigo, o baterista Paul Cook, mas, como diz um velho ditado, “se o demônio quiser, todo Keith Richards irá encontrar seu Mick Jagger”, e ele encontra… o futuro empresário dos Sex Pistols, Malcolm McLaren (Thomas Brodie-Sangster), e tudo vira História. As cenas deliciosas na Sex, loja de sua então genial esposa Vivienne Westwood (Talulah Riley), tanto quanto os da formação da banda (com a entrada tempestuosa de Johnny Rotten – vivido por Anson Boon –, que não só foi contra a série como tentou proibir na Justiça que usassem músicas dos Pistos, e perdeu, mas, aparentemente conseguiu tirá-la de catálogo após a exibiçã – passando pelo romance (exagerado no folhetim – consta que ela até ligou pra ele pra saber se – nas memórias dele – tinha sido tudo aquilo mesmo… e não tinha) de Steve Jones com Chrissie Hynde (Sydney Chandler, o grande nome da série… no melhor papel, afinal ela sabia que existia futuro) chegando ao final trágico de Sid Vicious e Nancy Spungen (Louis Partridge e Emma Appleton), “Pistol” se apoia num elenco extremamente competente, numa edição vertiginosa, na música podre de boa e numa série de pequenos ajustes para a trama fluir (vale olhar o que é real e o que não é real na série) para se tornar o resumo poético de uma época. Imperdível.

Nota: 8


“Som na Faixa”, de Per-Olav Sørensen e Hallgrim Haug (2022)
“Vale olhar o que é real e o que não é real na série”, frase presente no último parágrafo do texto anterior, também se encaixa muito bem aqui, ainda que seja uma contradição em termos: a verdade e a realidade muitas vezes caminham lado a lado, mas não necessariamente juntas, porque o que é verdade para um, pode não ser para outro, dependendo do grau de informação, envolvimento e bagagem argumentativa de cada envolvido, que pode valorizar certos aspectos do objeto em questão em detrimento de outro, e vice-versa. Daí que o fato de uma obra de arte trazer a informação “baseada em fatos reais” não quer dizer que ela seja… real. Vejamos então “The Playlist” (vertida para “Som na Faixa” no Netflix Brasil), série sueca inspirada no livro de reportagem “The Spotify Play: How CEO and Founder Daniel Ek Beat Apple, Google, and Amazon in the Race for Audio Dominance” (“The Spotify Play: Como o CEO e fundador Daniel Ek venceu Apple, Google e Amazon na corrida pelo domínio do áudio”), também conhecido como “Spotify Untold”, dos jornalistas Sven Carlsson e Jonas Leijonhufvu. No livro, como se percebe pelo título mais longo, Sven e Jonas entrevistam funcionários, ex-diretores e muita gente no entorno do sueco Daniel Ek, o criador do Spotify, para entenderem a gênese do nascimento do programa de streaming até sua batalha para conquistar o mercado dos Estados Unidos e, consequentemente, do mundo. Essa batalha, porém, fica em quinto plano na série. O roteirista Christian Spurrier foca no docudrama para mostrar como Daniel não criou o Spotify sozinho (ele teve a ideia genial de um player gratuito, mas muitas pessoas colaboraram com ideias para desenvolver o Spotify do modo como ele é conhecido hoje), e parte de uma grande sacada: cada um dos seis episódios disponíveis traz um personagem importante na gênese do Spotify: do idealizador Daniel EK (Edvin Endre) passando pelo então CEO da Sony Music Suécia, Per Sundin (Ulf Stenberg), pelo investidor que apostou na ideia de Daniel, Martin Lorentzon (Christian Hillborg) até a advogada Petra Hanson (Gizem Erdogan), entre outros. Cada um contará a sua versão (romanceada) da história, e como ela é bem amarrada, textual e visualmente (ainda que, aqui e ali, os efeitos pareçam uma coisa meio SBT) é o mais interessante de “Som na Faixa”, discutindo temas caros a nós, apaixonados por música, e ao mercado da música. Vale a pena.

Nota: 7


“Amor e Música”, de Felipe Gómez Aparicio e Gonzalo Tobal (2023)
Um dos grandes nomes não só do rock argentino, mas da música cantada na língua espanhola e do mundo, o rosarino Rodolfo “Fito” Páez têm parte de sua vida revista em “El Amor Después Del Amor”, série da Netflix em oito capítulos inspirada em sua autobiografia “Infancia & Juventud” (também lançada em 2023). Levando, no original, o nome do disco mais vendido do rock argentino em todos os tempos (que Fito lançou em 1992), a série “El Amor Después Del Amor” dividiu a crítica local, que elogiou a recriação da época e, principalmente, o excelente trabalho do elenco, mas reclamou de certa dose de “chapa branca” na história, que, sim, traz um verniz “oficial”, já que foi criada e produzida por Juan Pablo Kolodziej, empresário de Fito – e seu cunhado, com um roteiro que se distancia de polêmicas, ataques ou rusgas com outros artistas. Desta forma, focada única e exclusivamente em Fito Páez (interpretado por Iván Hochman), mas com momentos de brilho de Charly Garcia (Andy Chango), Fabiana Cantilo (Micaela Riera), Luis Alberto Spinetta (Julián Kartun) e até o gênio André Midani (Jean Pierre Noher), e mais alguns outros, “Amor e Música” tem uma história quadradinha que pode decepcionar aficionados em plots twists de séries (e olha que a vida de Fito aplicou-lhe alguns dolorosos) pois parte do modelo básico de cinebiografia – o artista num momento de sucesso do futuro rememorando sua vida pregressa – para detalhar tudo aquilo que o fez ser quem é. Assim, Fito retorna aos anos de criança em Rosário, época em que acompanhava o pai todos os sábados a loja de discos, mas, em casa, tinha que conviver com um piano – de sua mãe, falecida anos antes – trancado a chave e sair escondido (em meio ao período mais tenso da cruel ditadura argentina) para ensaiar com amigos. Surgem os primeiros envolvimentos reais com a música através da colaboração com Juan Carlos Baglietto e o encontro com Charly, que o influenciou para o resto da vida (aliás, em entrevista no Scream & Yell, João Barone certa vez contou: “Charly e Fito influenciaram Herbert mais que qualquer artista brasileiro”). Não espere reviravoltas mirabolantes (ainda que exista queda, tragédia e drama pontuais espalhados) em “El Amor Después Del Amor”, mas sim… amor e música. Se você tiver paciência poderá ser recompensado com boas histórias e grandes músicas numa série correta, emocional e eficiente. Precisa mais?

Nota: 7.5

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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