Cinema: T2 – Trainspotting, de Danny Boyle

por Marcelo Costa

“A Nostalgia descreve uma sensação de saudade idealizada, e às vezes irreal, por momentos vividos no passado associada com um desejo sentimental de regresso impulsionado por lembranças de momentos felizes e antigas relações sociais. A palavra vem do grego ?????? (nóstos – “reencontro”) e ????? (álgos – “dor, sofrimento”). É diferente da saudade, pois saudade é direcionada a um alvo ou momento específico, e até pode ser superada pela presença ou repetição, já a nostalgia não pode ser superada no campo físico, pois diz respeito somente a uma visão idealizada de passado que cada um possui”, observa a Wikipedia. O velho Aurelião define como “melancolia produzida no exilado pelas saudades da pátria”.

As duas observações acima (principalmente a primeira) funcionam muito bem para explicar “T2 – Trainspotting” (2017), filme que recupera os personagens do clássico “Trainspotting – Sem Limites” (1996) 20 anos depois dos fatos ocorridos no primeiro filme. Danny Boyle, que ganhou um Oscar de Melhor Diretor (apenas) em 2008 com o bom “Slumdog Millionaire”, retoma a inspiração de seu melhor filme (uma briga boa com a estreia “Cova Rosa”, de 1994) escudado novamente pelo roteirista John Hodge com texto baseado em dois livros de Irving Welsh (o original “Trainspotting”, de 1993, e sua sequência, “Porno”, de 2002) e pelos atores originais para acertar contas com o passado.

20 anos são um bocado de tempo (tem muita gente que irá ao cinema que nem era nascida em 1996) e a questão primordial da adaptação de “Porno” (cuja história se passava 10 anos após os eventos do primeiro “Trainspotting”) em “T2” é exatamente elevar a sensação de “no future” que (o segundo livro e) o primeiro filme transformou em objeto de culto explorando de forma pop e poética (ainda que com momentos trágicos que irão marcar os personagens mesmo 20 anos depois) a cultura do uso de drogas na Escócia como uma resposta niilista a uma sociedade que fracassou em dar oportunidades iguais a todos, cujos conjuntos habitacionais populares (e totalmente ineficazes socialmente) se transformaram em muros e guetos.

Desta forma, observando o que motivou cada um dos filmes antes mesmo de adentrar a sala de cinema, já é possível contrariar de antemão uma expectativa (que será levemente – e acertadamente – frustrada) de que “T2” seja tão urgente, impactante e provocador quanto “T1”. Não é. E isso, caro leitor, não é ruim. Muito pelo contrário. “T2” é consequência de “T1”, e – relembrando aquele velho ditado de que diz que “se você se lembra dos anos 60 é porque você não estava lá” – as sequelas dos personagens movem o filme com Danny Boyle repetindo cenas no intuito (até exagerado) de deixar claro ao espectador como tudo que aconteceu 20 anos atrás (com os personagens no auge da juventude, ou seja, testando os limites do corpo e da mente) influenciou diretamente o que acontece agora.

O plot de “T2” pega carona no Aurelião: Renton (Ewan McGregor) se mudou para Amsterdam após dar um calote nos três amigos. Lá ele fez um curso de contabilidade (em “Porno”, mais fiel à história, Renton administra um puteiro), se casou, mas acabou de levar um pé na bunda e está prestes a perder o emprego. Bate a nostalgia e ele retorna para Edimburgo onde encontra Spud (Ewen Bremner, hilário e ainda poeticamente inocente – como no primeiro filme) prestes a se suicidar (ele é um dos grandes personagens de “T2”, e algumas das melhores passagens do filme têm sua participação, como a do “horário de verão”) e Sick Boy (Jonny Lee Miller) ainda puto pela traição do amigo tomando conta de um pub decadente e aplicando golpes com o auxilio de uma namorada (e prostituta) búlgara, Veronika (Anjela Nedyalkova).

Com essa premissa (e a fuga de Begbie – Robert Carlyle, excelente – da prisão), “T2” apresenta sua visão de… amadurecimento – ou, mais propriamente, envelhecimento. Era impossível manter o ritmo de 20 anos atrás (ou até fosse possível por alguns anos, mas todos teriam morrido), e agora cada um deles colhe o que a sociedade (e eles mesmos) plantou, como se após tanto tempo uma única placa de neon continuasse piscando: “no future”. Bem, ou se vive, ou se morre, e se a escolha é a primeira, a solução é ir vivendo dia após dia, mas, poeticamente (novamente), “T2” acrescenta um componente (levemente brega e totalmente aceitável) de esperança à equação, com arcos narrativos interessantes para os personagens notadamente secundários Begbie (de seu pai a seu filho) Spud e Veronika (ambos com chance de recomeçar).

No geral, “T2” vê o futuro de maneira menos sombria que “T1”, o que, claro, pode ser um sinal da idade – maturidade x envelhecimento (dos personagens, do diretor, do roteirista, do escritor, daqueles espectadores que assistiram “T1” no cinema em 1996, do resenhista), e a implosão dos conjuntos habitacionais já nos créditos é uma bela metáfora (que, inclusive, merecia uma canção dos Smiths: vale muito ler o trecho inicial da biografia escrita por Tony Fletcher para entender o porquê daquela demolição na tela), ainda que a sensação (com Brexit, Trump, Temer, Le Pen, UDC) seja de prenúncio de caos: “Escolha a vida. Escolha o Facebook, Twitter, Instagram e torça para que alguém em algum lugar se importe com a foto que você postou do seu café da manhã. Escolha assistir a história se repetir”. Como disse Bob Dylan certa vez, “Uma chuva forte vai cair”. “T2”, apesar de ser um bom filme e uma boa sequencia, soa como a calmaria antes da tempestade.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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