A nova cena musical portuguesa: Luís Severo

por Pedro Salgado, de Lisboa

Numa tarde de chuva em Lisboa, encontro-me com Luís Severo na porta de um estúdio de gravação, no bairro de Alvalade. Após uma breve visita à sala de ensaios, que partilha com o grupo Capitão Fausto, iniciamos uma conversa perfeitamente reveladora da abertura e do entusiasmo com que Severo fala da sua música e de outros artistas. “Eu comecei fazendo música aos 15 anos, em casa, para ocupar o meu tempo livre. Nessa época, apareceu o myspace e aproveitei o fato de ser uma aplicação pouco dispendiosa para colocar as minhas canções online, tudo evoluiu partindo desse ponto”, conta.

Utilizando o nome artístico d´O Cão da Morte, o músico lisboeta editou quatro discos, dos quais dois sem título, bem como os álbuns experimentais “Odissipo” (2012) e “Fim de Verão” (2013). A estreia em nome próprio, com “Cara D´Anjo”, de 2015, rendeu a Luís Severo uma aclamação crítica e figurou nas listas de melhores discos portugueses do ano. No trabalho, marcado pela animação e influenciado pela música popular portuguesa, Severo abordou a temática do crescimento e as suas letras refletiam uma perspectiva identitária portuguesa. “Foi um trabalho um pouco sujo, tinha mais camadas e era espesso sonoramente”, refere.

O novo disco (homônimo), pelo contrário, aposta numa matriz anglo-saxônica, exibindo um nível superior de melancolia, conservando a qualidade e a originalidade do álbum anterior. Contextualmente, “Luís Severo” (ouça no Bandcamp) é um disco mais universal, onde os momentos de euforia pop (“Boa Companhia” e “Olho de Lince”), abordam a forma como um casal de namorados vive a sua paixão no meio do auge turístico e na transformação da capital portuguesa, mas também a indiferença urbana por contraponto à solidariedade das regiões mais pequenas. “É mais fácil enquadrar Lisboa através de uma história romântica que envolva duas pessoas”, explica.

Relativamente aos seus gostos musicais, Luís Severo cita Leonard Cohen, Bob Dylan, Ariel Pink, Bonnie “Prince” Billy e Sufjan Stevens como referências importantes. “São pessoas que fazem canções, que é o que eu gosto mais”, afirma. Igualmente influenciado pela música brasileira, Severo aponta os nomes de Chico Buarque, Jorge Ben Jor e Nelson Cavaquinho, entre outros, confessando a sua admiração por Vinicius de Moraes: “Ele é um poeta fantástico e foi das primeiras pessoas a conseguir colocar uma poesia lírica na música sem ser chato. Para além disso, identifico-me com o seu frescor e juventude ”, refere. Sobre o futuro, Luís manifesta o desejo de continuar escrevendo canções para si e para outros artistas e editar um álbum por ano. “Espero ter um disco em 2018, fazer músicas para quem me pedir e continuar vivendo”, conclui. De Lisboa para o Brasil, Luís Severo conversou com o Scream & Yell. Confira:

Porque mudou o seu nome artístico d´O Cão da Morte para Luís Severo?
Quando criei o Cão da Morte estava inventando a minha conta no myspace. Eu precisava de um nome para essa rede social e queria que fosse anônimo, porque ainda não me sentia confiante com a minha cara. De fato, essa designação aparece, fica na conta do myspace e durante dois anos não coloquei nenhuma fotografia pessoal. Depois desse tempo, comecei a fazer shows e as coisas evoluíram gradualmente. Enquanto Cão da Morte, quando já era minimamente conhecido, fiz mais dois EPs num registo experimental. Na minha casa, eu passei muito tempo testando sons e em 2015, quando fiz um disco que me pareceu mais sólido e coerente (“Cara D´Anjo”), achei que era o momento de fazer a passagem para o meu nome próprio. Até porque todas as questões que tinham levado a que eu adotasse outra designação, nomeadamente o anonimato, já não se justificavam. Por fim, apesar de eu ser o Cão da Morte, a minha obra estava associada a outra pessoa. Quando se trata de uma banda, a crítica recai no coletivo e em nome individual uma opinião negativa soa mais forte. Por essa razão, inicialmente, tive algum receio em assumir o meu nome.

Nas suas canções evidencia uma forma sedutora de interpretação. É um processo natural ou um modo que encontrou para reforçar a sua mensagem?
A forma como eu canto tem evoluído. Em cada disco que eu faço, encontro uma forma mais pessoal de o fazer, o meu tom. Geralmente, as coisas naturais têm de ser encontradas, ou seja, hoje eu não consigo interpretar de outro jeito e sinto que é assim que deve soar. Enquanto procurei esse timbre vagueei um pouco. Valorizo o empenho por oposição à genialidade, mas acredito que alguns músicos tenham mais facilidade em definir a sua entoação. No fundo, hoje existem muitas pessoas fazendo canções e quem começa a compor terá dificuldade em que os seus temas não soem a algo já feito. Quando você avança vai encontrando o seu espaço, tom, sítios e alavancas. Atualmente, na própria escala, eu descobri a minha zona de conforto e as aulas de canto ajudaram a conhecer-me melhor. A busca do auto-conhecimento é fundamental, mas não é uma questão fácil.

Sentiu alguma pressão na composição do novo álbum pelo fato de “Cara D´Anjo” ter sido bem recebido?
Você colocou uma grande questão (risos). Claro que sim! Em primeiro lugar, assegurei que se o segundo disco não fosse melhor, pelo menos tivesse uma pegada diferente e só esse fato já era positivo. Para que isso acontecesse, mudei de estúdio de gravação, o pessoal que produziu o álbum, o método de fazer as músicas, enfim, uma mudança total. Interiormente, pensei que se me empenhasse mais do que no “Cara D´Anjo”, sem botar algo que fosse contrário à minha personalidade, apresentando aquilo que eu vejo e sonho para a música, então esse disco estaria num patamar superior. Hipoteticamente, senti que cumprindo esses requisitos o trabalho não seria pior. Foi isso que me manteve motivado e pouco assustado com essa questão.

Um dos aspectos marcantes do novo trabalho é alternância entre canções românticas e animadas. Estas características definem melhor a sua personalidade?
Eu gosto da música melancólica e houve um jornalista português que sugeriu o termo “melancômico”. Identifico-me bastante com esse sentimento de juntar a melancolia à comédia e julgo que tem uma certa graça. De fato, eu escuto muitos autores com esse registro, mas também me agrada a música animada e a ideia do pop ser uma coisa insuflada e puxada para cima. Mas, o que me interessa mais são os músicos que lançam essa dúvida e a própria música brasileira tem elementos que revelam alguma incerteza sentimental. Uma canção pode ter várias dimensões e o choque entre elas é muito interessante. Agrada-me a dinâmica que um tema pode ter e não é necessário existir uma sintonia plena. O pop americano atual é uma música de festa, mas alguns autores que me agradam, como Sufjan Stevens, revelam um caráter mais dúbio. O romantismo é um tópico fácil de abordar quando você não tem muito para dizer. Tento pegar nele o menos possível e só quando sinto essa necessidade, porque é um vício e todas as canções apontam nessa direção, acaba por ser um sentimento humano comum.

Como vê o panorama atual da nova música portuguesa?
Acho que a música portuguesa teve fases complicadas, mas o momento atual é bom. Há muita gente fazendo coisas e isso é sempre positivo. A quantidade não me assusta e quem tiver se destacando mostra o seu valor e tudo acontece. Existem muitos estilos e a forma como o designado underground português evoluiu nos últimos anos foi exponencial. As pessoas pensavam que eu estava nesse nicho por escolha própria, quando nem sequer tive outra opção. Explicar a genialidade é difícil, mas, no fundo, ela manifesta-se quando as pessoas encontram algo de inexplicável, identificam-se e isso gera uma aclamação. Se bem que a genialidade não tenha de vir de uma aclamação coletiva e poderá ser restrita. Somos influenciados por tudo o que gira à nossa volta e ainda bem que assim é quando fazemos uma canção pop. A própria euforia pop que você referiu vive muito desse aspecto. A criatividade vem mais da forma como contatamos os outros e a genialidade tem um caráter mais individual.

Gostaria de deixar uma mensagem aos leitores brasileiros do Scream & Yell?
Tudo o que eu possa dizer será bastante patético, mas se existe um sítio pelo qual eu me senti sempre apaixonado é o Brasil. Principalmente pela música que escutei. Enquanto nós tivemos um compositor genial (Zeca Afonso), provavelmente eles têm 20 músicos desse calibre. A Elis Regina foi uma intérprete fantástica e existem imensas canções que eu escolho só por ter sido ela a cantar, lembro-me por exemplo da “Tatuagem”. Pelo que percebo, as bandas brasileiras têm mais apoios estatais para atuar em Portugal do que o inverso. Por isso, a minha mensagem para os leitores do Scream & Yell é que os músicos portugueses gostariam bastante de fazer shows no Brasil, mas ainda não é possível, porque não temos meios nem apoios de outras entidades.

– Pedro Salgado (siga @woorman) é jornalista, reside em Lisboa e colabora com o Scream & Yell contando novidades da música de Portugal. Veja outras entrevistas de Pedro Salgado aqui. A foto que abre o texto é de Francisco Aguiar / Divulgação

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