Cinema: Carente de novidades, “Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu” é indicado somente à neófitos de Bethânia

texto por Renan Guerra

“Bethânia Bem de Perto – A Propósito de um Show”, Eduardo Escorel e Júlio Bressane, 1966. “Maria Bethânia: Música é Perfume”, Georges Gachot, 2005. “Maria Bethânia – Pedrinha de Aruanda”, Andrucha Waddington, 2006. “Fevereiros”, Marcio Debellian, 2017. São muitos os documentários que se debruçam sobre a vida e a obra de Maria Bethânia, por isso surge uma questão: o que um novo documentário pode nos contar sobre ela? Apesar de muito filmada, registrada e analisada, Bethânia ainda é uma figura de mistérios que deixa brechas para histórias não contadas, universos a serem explorados ou recortes a serem feitos.

“Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu” (2022), de Carlos Jardim, traz um subtítulo que parece dizer que teremos revelações sobre essa Bethânia de mistérios, porém é preciso deixar claro: não há nada realmente surpreendente, novo ou diferente no filme de Carlos Jardim. Construído a partir de uma única longa entrevista de Bethânia, fornecida no teatro do Copacabana Palace, o filme entremeia as falas da artista com imagens de arquivo, em uma formatação não lá muito atraente. Falta ao filme a formatação de cinema, pois fica parecendo que é essencialmente uma grande reportagem de TV – um dos trechos, aliás, com narração de Mariana Gross, faz parecer que estamos assistindo a um documentário na Globo News no final de noite (nenhum demérito nisso, são só expectativas quando se fala de sair de casa e ir até uma sala de cinema assistir a um filme).

Estão lá no documentário as mesmas histórias já contadas nos outros documentários e em muitas entrevistas: Bethânia e Caetano a brincar na árvore na frente de casa; Caetano a dizer “eu sou deus” para Bethânia; que Caetano é o dofono de seu barco em sua iniciação no candomblé; seu encontro com Nara Leão; sua emoção ao ouvir pela primeira vez “Olhos nos Olhos” em uma K7 enviada por Chico Buarque. Todas histórias que fãs de Bethânia já ouviram e reouviram, contadas em uma narrativa meio falha, pois não há um fio condutor dessa história, não há um recorte que dê profundidade ou foco ao filme, apenas vemos as histórias sendo contadas e entremeadas por imagens de arquivo e alguns trechos de textos clássicos sendo interpretados por Fernanda Montenegro – o que é uma escolha bonita e tal, mas também não foge nada do óbvio nos trechos de textos escolhidos.

As imagens de arquivo trazem momentos mais raros e possibilitam discussões até interessantes. Dois momentos positivos estão relacionados a essas imagens. Bethânia conta mais detalhes de sua temporada de shows ao lado de Chico Buarque, em 1977, no Canecão no Rio de Janeiro, e temos imagens lindas desse encontro no palco e nos bastidores. Bethânia também fala sobre os erros do espetáculo “A Hora da Estrela”, de 1984, em que ela se debruçava sobre a obra de Clarice Lispector, falando sobre sua imaturidade nessas escolhas e sobre o que poderia ter sido feito de diferente. Nesse momento também podemos ver interessantes imagens da época.

Há um momento em que se questiona de forma rasa as relações políticas de Bethânia, gerando algumas poucas frases da artista, algo tergiversando sobre o tema, nada muito bem desenvolvido. Esse tópico político pelo menos rende o interessante resgate das experiências da artista na ditadura militar. Ela reconta como os milicos ficaram no pé dela após a publicação do livro “Maria Bethânia Guerreira Guerilheira”, de Reynaldo Jardim. Porém, nada muito além disso também, o que é uma pena, pois esse tópico poderia ser melhor aprofundado.

“Maria – Ninguém Sabe Quem Sou Eu” é, obviamente, interessante, uma vez que é sempre engrandecedor ouvir Bethânia falar, é emocionamente ver a sua paixão, o seu respeito e o seu cuidado ao recontar a sua história, porém enquanto filme falta algo. Há um acesso à Bethânia, ali, disposta a falar, e há um material rico de acervo, porém tudo parece requentado, como que um mais do mesmo, montado em um formato quase tedioso. Não há a beleza pungente de “Pedrinha de Aruanda” ou “Música é Perfume” e não há o desvendar de mistérios que havia em “Fevereiros”, por isso retornamos a questão inicial: é necessário novos documentários de Bethânia? Sim, se eles trouxerem coisas novas e interessantes. Nesse caso aqui temos apenas um compilado de informações que podem ser interessantes para novos fãs, mas que para quem já é iniciado no universo de Bethânia é apenas um reencontro usual.

Renan Guerra é jornalista e escreve para o Scream & Yell desde 2014. Faz parte do Podcast Vamos Falar Sobre Música e colabora com o Monkeybuzz e a Revista Balaclava. 

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