Três perguntas: João Varella fala sobre seu novo livro que homenageia um clássico dos anos 90, o disco “Banda Eva Ao Vivo”

entrevista por Bruno Lisboa

João Varella é jornalista, editor e escritor. É fundador da editora Lote 42 e da Banca Tatuí e é autor dos livros “Games: cultura, arte e joystick” (Edições Sesc, 2021), “Videogame, a Evolução da Arte” (Lote 42, 2020), “42 Haicais e 7 Ilustrações” (Lote 42, 2014), “A Agenda” (Novo Conceito, 2013) e “Curitibocas: Diálogos Urbanos” (Coração Brasil, 2007).

Durante a adolescência, Varella estabeleceu relações intrínsecas com a música, em especial com o rock produzido na década de 90. Porém, anos mais tarde, começou a deixar diversas crenças unilaterais de lado e ampliou o seu leque de opções musicais como ouvinte, deixando de lado os preconceitos alimentados pelos roqueiros puristas.

O carnaval e a audição do disco “Banda Eva Ao Vivo”, de 1997, foram os grandes responsáveis por essa guinada. E para prestar homenagem ao clássico disco da banda baiana que, naquela época, tinha como vocalista Ivete Sangalo, João Varella escreveu a obra “Me Tirar da Solidão (ou como aprendi a amar a Banda Eva)”.

O livro está em processo de financiamento coletivo via Editora Barbante (você os conheceu aqui, lembra?), como parte da coleção Sound + Vision. O projeto tem como objetivo prestar homenagens a disco icônicos através de obras literárias que traduzem graficamente as canções de cada álbum.

Em entrevista concedida por e-mail, João Varella fala sobre sua relação com o universo da música, o processo de escrita da obra, sua relação com a editora Barbante, dá pistas de como será a edição física do livro e muito mais. Leia abaixo!

https://www.catarse.me/metirardasolidao

João, primeiramente gostaria que você abordasse como se deu a sua relação com o universo da música e de que maneira ela interferiu na sua formação de forma geral?
Obrigado pelo interesse no livro, Bruno. Música é parte da minha formação enquanto ser humano, a amamentação cultural. Enquanto criança, era um ouvinte casual de rádio, com um gosto guiado pelo que era mais popular do momento. Uma das minhas lembranças mais antigas é de ir com colegas de escola cantando músicas sertanejas, febre no começo dos anos 1990. Gostava de Sambas de Enredo, Spice Girls… Minha mãe tinha uns LPs de alto nível –“Black Sabbath”, “Cabeça Dinossauro”, “Brothers in Arms”. Porém, demorei a dar valor aos bolachões, era música estranha de gente esquisita. Até que surgiu a MTV. O sinal passou a pegar em casa – não tinha cabo ou antena, de repente brotou lá nos canais de número alto da TV de tubo. Adorei os clipes com historinha do Aerosmith. Um certo dia, a então namorada do meu pai quis me dar um presente, poderia ir na loja de discos escolher um CD. Escolhi “Nine Lives”, do Aerosmith. Para meus padrões da época era uma música pesadíssima, baladinhas como “Hole In My Soul” eram exceção. Sem opção, virei refém do álbum. Desenvolvi uma salutar síndrome de Estocolmo. E aí comecei a consumir mais música – eu fazia a alegria dos camelôs de Guaíba, minha cidade natal –, revistas, livros. A cena do rock gaúcho promovia discussões radiofônicas e até eventuais shows na cidade. Virei um roqueiro. Mas não que isso seja motivo de orgulho. Trato no livro do lado nefasto de passar a ser tão vinculado a apenas um gênero, passei a obter afirmação pessoal por meio da exclusão e da agressividade intelectual.

Arte de Conde Baltazar especial para o livro

O livro “Me Tirar da Solidão” está em processo de financiamento coletivo via editora Barbante e tem como foco falar sobre o clássico “Banda Eva Ao Vivo”, trabalho que ajudou ao grupo (e também Ivete Sangalo) a despontar no cenário nacional. Como se deu a aproximação e a idealização do projeto junto a editora? E por qual motivo você escolheu esse álbum?
Clássico mesmo, pode crer. Não sei dizer quando exatamente conheci o Alessandro e a Paola, os donos da editora Barbante. Eu também fundei uma editora, a Lote 42, então volta e meia estamos juntos nos eventos Brasil afora. Parcerias de correria que acabam se transmutando em amizade, misturando tudo. Sempre gostei da coleção Sound + Vision da Barbante, li os dois livros logo que saíram, ouvindo álbuns novos numa sensação de permanente descoberta e deslumbramento. Gosto de falar, ler e pensar sobre música. Obras aprofundadas assim, que ainda por cima trazem um aspecto visual ao ensaio, grudaram no meu gosto. Numa ida a um bar com o Alessandro, fiz uma defesa apaixonada da injustiça da crítica cultural brasileira para com as manifestações populares de maneira geral, a axé music em específico. Devo ter dito, não lembro exatamente, que “Banda Eva ao Vivo” merecia tratamento equivalente ao dado pela editora a “Lost In The Dream” (The War on Drugs) e “Corredor Polonês” (Patife Band), os outros volumes da coleção Sound + Vision. Quando dei por mim estava com um projeto de livro combinado. Aproveitei o começo da pandemia para martelar o texto, já tinha boa parte dele escrito na cabeça. “Banda Eva ao Vivo” não tem o devido reconhecimento, é uma empolgante batalha morro acima. A axé music patrolou os narizinhos torcidos dos diplomados, virou fenômeno cultural. Acho admirável quem não tá nem aí para validação de instituições do eixo Rio-São Paulo. Depois de escrever o livro, vi que é mais ou menos o que me atrai no videogame, outra mídia popular que não recebe a devida atenção dos círculos intelectuais. Intelectual passou a dizer que gosta de funk por questão política, não consegue citar cinco artistas do gênero e prefere fazer de conta que não exista a descarada e gostosa lasciva que o gênero apregoa. Putaria dá tela azul nas ciências humanas. Para “Banda Eva ao Vivo” você soma o fato de a crítica musical não gostar de álbum ao vivo – embora a população brasileira adore. E houve uma relação pessoal que relato no livro, uma descoberta de uma doutrina que a tribo rock’n’roll me impingiu de odiar Ivete Sangalo. Uma bobagem que só percebi durante uma festa de Carnaval em São Paulo. Felizmente agora tenho a oportunidade de exorcizar em praça pública. Com sorte, outras pessoas se darão conta de ideias incrustadas sem razão na própria razão.

Arte de Conde Baltazar especial para o livro

Por fim, como se deu processo de pesquisa e escrita da obra? E que os leitores podem esperar da futura (e desejada) edição física?
Encarei o livro como uma pesquisa séria, com checagem de cada dado. Porém, sem as normas rígidas de Manual de Redação. Isso eu deixo para os freelas que eventualmente faço. Ensaiei, busquei relações, associações e cotejos em diversos aspectos que cercam o álbum. Desde a cidade de origem de Ivete Sangalo – a mesma Juazeiro de um certo João Gilberto – até o que essa figura representa hoje, sorrindo em publicidades bancárias. Não espere uma obra puramente elogiosa, uma ode. Não sou fã da banda, da cantora, da axé music, de nada. A escrita é sem dúvida sincera. Busquei ser justo. Me diverti escrevendo e escutando o álbum diversas vezes seguidas, voltei à época em que a oferta musical era restrita. Hoje qualquer dispositivo com conexão à internet é capaz de trazer experiências audiofônicas infinitas. Esse mergulho foi uma oportunidade de revisitar um momento de altíssimo impacto da história nacional, que ecoa até agora. Ivete Sangalo é figura pública ubíqua. É chamada de mãe, rainha, num misto de humor e deferência, um encaixe típicamente brasileiro. O momento de virada dessa artista, o big bang que deu origem a essa estrela, foi um disco: “Banda Eva ao Vivo”. A edição física trará o capricho costumeiro da Barbante em sua coleção – papel off white de alta gramatura, acabamento costurado. Dessa vez, a parte Vision da coleção está na mão do talentoso Conde Baltazar, o que garante uma camada interpretativa original, imagética, à discussão. Torço que dê certo, que a obra venha a compor uma trilogia de mentes e ouvidos abertos na Sound + Vision.

João Varella em registro de George Leoni

–  Bruno Lisboa  escreve no Scream & Yell desde 2014.  

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