Entrevista: Tony Belloto fala do “Titãs Trio Acústico”

entrevista por Bruno Lisboa

Com quase 40 anos de estrada, os Titãs são um dos maiores patrimônios do rock brasileiro. Com carreira iniciada em 1982, o grupo paulista que já teve uma formação de oito integrantes em seu período de maior sucesso (com nomes festejados no cenário nacional como Arnaldo Antunes, Nando Reis, Paulo Miklos e Charles Gavin) hoje responde por um “trio de ferro” formado por Sérgio Britto, Branco Mello e Tony Belloto, que seguem mantendo vivo o legado da banda.

Entre erros e acertos, o Titãs produziu 15 álbuns de estúdio construindo uma discografia repleta de clássicos do rock nacional – do primeiro, “”Titãs”, de 1984, com sucessos como “Sonífera Ilha”, “Marvin”, “Go Back” e “Toda Cor” até o mais recente, a ópera rock “Doze Flores Amarelas”, de 2018. Desde 2019 o grupo vem se apresentando pelo Brasil com a turnê “Titãs Trio Acústico”, onde revisitam seu repertório em formato desplugado. A experiência destes shows resultou numa série de três EPs com regravações que serão lançadas no decorrer do ano.

O primeiro volume, com oito faixas, já está disponível nos portais de streaming e traz como destaque uma versão para “Sonífera Ilha”, clássico do primeiro disco de estúdio do grupo, que além da nova roupagem ganhou um novo vídeo clipe que traz participações mais que especiais, como a do Paralamas, Rita Lee, Andreas Kisser (que recentemente também conversou com o Scream & Yell), Cyz Mendes, que deu voz para uma, das três “Marias” retratadas na história de “Doze Flores Amarelas”, Alice Fromer, Elza Soares, o rapper Edi Rock, Fabio Assunção, Fernanda Montenegro, Casagrande e Roberto de Carvalho.

Por telefone, Tony Belloto conversou com o Scream & Yell e falou sobre a motivação de seguir em frente, a nova turnê, a importância de “Sonífera Ilha” para a trajetória dos Titãs, o legado do grupo para as gerações de ontem e de hoje, diversidade sonora, a arte e temporalidade, a onipresente linha política das letras, a importância de se posicionar nos dias atuais, as dificuldades de ser artista em tempos de coronavírus e muito mais.

A trajetória dos Titãs ruma para 40 anos de bons serviços prestados à música. Num exercício de reflexão cabível para este período, qual é a principal motivação da banda seguir em frente?
A principal motivação para seguir em frente é justamente manter esta engrenagem viva e atuante. Acho que os Titãs, mais do que as individualidades que formam a banda, é uma entidade coletiva que inspira essa compulsão de continuar criando, se desafiando, tentado se superar a cada trabalho. É uma motivação constante. Nada mais pode ser motivador do que isto: manter este grande monumento brilhante lá em cima da montanha.

A turnê “Trio Acústico” foi iniciada no ano passado e tem colhido elogios do público e da crítica. Esta é, se não me engano, a terceira vez que a banda explora este formato. Quais são os maiores desafios desta transposição? E ainda: como se deu a seleção deste repertório?
Acho que a gente se move muito pela motivação de fazer coisas novas. A premissa básica do “Titãs Trio Acústico”, lá no inicio, era de alguma forma celebrar os 20 e poucos anos do “Acústico MTV” (1997), que foi um disco muito importante da nossa carreira. A partir daí a gente começou trabalhar com a ideia de fazer uma coisa nova. A gente fez o “Acústico MTV” (1997), fez o “Volume 2” (1998), que já não era tanto nesse formato acústico, mas que ainda trazia um pouco daqueles elementos. Então o grande desafio foi fazer alguma coisa nova dentro dessa premissa de celebrar uma coisa antiga.

A forma que a gente encontrou foi uma forma dupla. A primeira questão musical foi refazer ou remeter aqueles arranjos e aquela atmosfera do “Acústico MTV’, com uma formação muito menor e mais essencial. Basicamente a gente toca em trio grande parte do repertório deste projeto, algumas individualmente e outras com a presença do Mário Fabre e do Beto Lee. Quando a banda está completa nesta turnê são cinco pessoas tocando, diferente daquele outro projeto da MTV que tinha uma orquestra inteira. Então a ideia foi fazer um projeto essencial, minimalista mesmo, onde a gente consegue recriar alguns daqueles arranjos e aquela atmosfera com mínimo de elementos musicais.

A outra sacaca desse projeto, que não está presente nos EPs que a gente está lançando, mas que está muito presente nos shows, é a ideia de falar durante as apresentações, algo que nós nunca tínhamos feito durante estes 40 anos de carreira. Contar para as pessoas histórias da carreira, como algumas canções foram compostas. Essa foi novidade que nos motivou a fazer este projeto acústico, com a carga de inovação que ele tem e que pra gente foi fundamental.

Acredito que a escolha deste formato deve ter feito com que vocês se aproximassem ainda mais, mesmo após a saída e a perda de integrantes ao longo dos anos. Procede?
Desde a saída do Paulo (Miklos) que eu, o Brito e Branco estamos muito próximos. Até mesmo alguns fãs apelidaram a gente de “trio de ferro” e acabou pegando. Restou a nós essa incumbência heroica de preservar a banda e toda a sua exuberância. Por isso não diria que foi este trabalho que nos aproximou mais, pois acho que desde que ficamos os três, essa aproximação se intensificou com a noção que a banda somos nós. Isto a gente demonstrou com bastante força no “Doze Flores Amarelas”, uma ópera rock que foi nosso trabalho anterior, inclusive no seu vigor criativo, com 25 músicas inéditas. Ali a gente pode comprovar, até pra nós mesmos, que a gente é uma banda muito produtiva e relevante. Esta questão é muito importante pra gente. A gente nunca vai encarar a banda como algo burocrático, como um emprego. A banda realmente tem que ter uma química, como existia no início, em 1982, com muitos outros integrantes. Então a gente tá muito unido e essa ideia do trio evidencia isso de forma bastante forte.

A releitura de “Sonífera Ilha” foi escolhida como single para um série de três EPs em alusão a este novo projeto. Por que vocês escolheram esta faixa? Qual o significado dela para a banda?

Acho que “Sonífera Ilha” é uma música icônica na nossa carreira em todos os sentidos. Ela é nosso primeiro sucesso, primeiro hit de rádio. As emoções que ela provocou na gente são indescritíveis. Nunca me esqueço da primeira vez que eu ouvi a música no rádio. Eu estava com o Marcelo Fromer, a gente tinha acabado de comer num bar que a gente frequentava ali na Rua Augusta, em São Paulo, e de repente a gente escuta a música tocando. É daquelas emoções que a gente guarda pro resto da vida. Além disso, foi a música que nos fez conhecidos no Brasil. Apesar da gente realmente ter encontrado uma identidade mais definitiva a partir do “Cabeça Dinossauro” (1986) e que pessoas tenham, desde então, percebido a gente como uma banda de contestação, de um rock mais cru e agressivo, “Sonífera Ilha” nunca deixou de fazer parte do que são os Titãs. Ela é uma música anterior ao “Cabeça Dinossauro”, anterior as músicas combativas, de questionamento político / social. E, no entanto, é uma música bastante enigmática, muito tocada e conhecida. É uma música que toca no carnaval! Todo ano a gente sempre vive autorizando a gravação dessa música por artistas das mais diferentes espécies. Então é uma música fundamental pra gente. Acho que todo mundo a conhece. Ela está no DNA das pessoas aqui no Brasil e isso deixa a gente muito feliz.

No clipe há a participação da mais variada gama de artistas do cenário nacional indo de Edi Rock (Racionais) à Érika Martis (Autoramas), passando por Elza Soares, Rita Lee e Os Paralamas. Esta diversidade mostra como a banda estabeleceu uma boa relação com artistas de várias gerações e, de certa forma, mostra que o legado que a banda deixou transcendeu gêneros musicais como aquele tributo de 2017 (“O Pulso Ainda Pulsa“) comprova. Como vocês lidam com esta responsabilidade?
Nem é uma responsabilidade, mas sim uma glória. O fato da gente ver que a nossa música realmente transcendeu gêneros, idades…. “Sonífera Ilha” é uma música que gente fez antes mesmo de formar a banda. É uma música que está completando 40 anos. Quando a gente a toca nos shows vemos jovens e crianças cantando a música. Gente que nem tinha nascido e estava longe de nascer quando ela foi composta ou mesmo lançada e fez sucesso. Então não pode haver satisfação maior. Essa é grande recompensa que a gente tem na carreira. O clipe representa bem isso. Essa foi um pouco a ideia do Otávio Juliano (diretor do clipe) quando ele pensou em chamar essas pessoas, artistas e conhecidos, gente que fazia parte da nossa história, mas de diferentes matizes.

Então você conseguir juntar a Fernanda Montenegro e o Edi Rock (Racionais) cantando uma mesma música é algo que tem muitos significados culturais, estéticos, sociais, filosóficos, enfim… acho que a gente proporciona isso e, de certa forma, sempre buscou isso. Essa interação. Quando a gente era conhecido como uma banda punk, nós fizemos sempre questão de estar no que era considerado brega. Participávamos sempre nos programas de auditório. Temos músicas regravadas por bandas punks e grupos de pagode. Essa é uma herança tropicalista que a gente tem e está bem representada nesse clipe. Acho que não é à toa que isso acontece. É a realização de um projeto. Ali ele está expresso de uma maneira bem simples e didática: nosso primeiro hit, 40 anos depois, num formato acústico, entoado por todas essas pessoas que formam um panorama da cultura brasileira atual, em que a gente se insere, amalgamando tudo isso, o que é muito legal.

A diversidade é uma marca da banda, pois vocês se aventuraram em diversas searas musicais. Há algum terreno que a banda ainda queria explorar?
A gente não pensa nessas coisas com tanta antecedência. Quando a gente faz um projeto, se envolve demasiadamente nele. No nosso projeto anterior, que foi uma ópera rock, por exemplo, aconteceu a mesma coisa. A gente vinha de um disco muito bem sucedido em termos de receptividade de público e crítica (“Nheengatu”, de 2014), que era um disco pesado com elementos brasileiros, que comentava muito da situação do Brasil naquele momento. Nele a gente conseguiu fazer coisas incríveis e inéditas no cancioneiro brasileiro, como uma música falando sobre pedofilia. Quando na MPB se teve notícia de alguém falando disso? De falar de misoginia, de homofobia… “Nheengatu” foi um disco muito legal e muito importante nesse sentido. Quando acabou a turnê e a gravação do DVD com o show, nos reunimos para ver qual será o próximo projeto. E começamos a pensar: o que a gente vai fazer? Como a gente vai se surpreender agora? Como a gente vai se motivar, depois de tantos anos de carreira? Não basta você falar: vamos entrar em estúdio para gravar umas canções. “Eu fiz umas musicais legais aqui, deixa eu ver as suas aí…”, só isso não dá mais, não motiva mais. A gente tem que ter um projeto que nos mova. No caso do “Doze Flores Amarelas” foi assim. Fizemos a primeira ópera rock brasileira, a primeira que uma banda de rock de destaque como a nossa fez. E foi muito legal. Acabou que a gente nem conseguiu viajar pelo Brasil inteiro com ela como gostaria, ainda é um projeto que perdura. Mas aí veio essa ideia do acústico, com muitas novidades e desafios. Qual será o próximo projeto eu não sei, mas com certeza ele será surpreendente.

Ainda falando desta diversidade, discos tidos como ousados em suas respectivas épocas (como “Titanomaquia“, de 1993) acabaram por serem incompreendidos, mas hoje acabam por ganhar reavaliações por parte do público e da crítica. Como vocês observam esta mudança de paradigma? Acreditam que este movimento irá acontecer com outros álbuns?
É normal de acontecer isso de um disco não ser muito bem compreendido na época em que ele foi lançado, principalmente pela crítica. A gente, de certa maneira, supervaloriza um pouco crítica. Ela nada mais é que, vamos dizer, uma opinião um pouco mais atenta, mas imediata. Às vezes você está contando com o humor do crítico que te ouviu no dia anterior e já faz ali o seu parecer, o seu diagnóstico, às vezes a percepção leva um tempo maior. Isso aconteceu, principalmente, foi nem com o “Titanomaquia”, mas com o “Tudo Ao Mesmo Tempo Agora” (1991). Ele foi muito criticado porque era um disco de palavrões, obsceno, com sonoridade confusa / caótica, mas é um disco muito interessante. Ele foi reavaliado depois e é um dos discos originais do rock brasileiro, sem dúvida. Acho que é o tempo que avalia as obras. Já ouvi falar sobre isso na literatura, por exemplo, onde você tem grandes clássicos que na época não encontram um editor que se despusesse a edita-la, ou que foi editada, criticada e passou despercebida. E então anos depois, décadas, ou eventualmente um século depois (risos) a obra é redescoberta e tal.

O próprio “Acústico MTV” foi um sucesso estrondoso de venda, mas a crítica estranhou, criticou a gente como se a gente tivesse meio que se vendendo ao dinheiro e todo esse tipo de bobagem que rola. E é normal que role. Mas acho que a avaliação mesmo é o tempo que faz. Quando você analisa nossa obra inteira, são todos discos muito relevantes e sólidos. Não tem nada que você olhe e diga que “é uma obra do acaso” ou é “oportunista”. De forma nenhuma. A gente é muito sério em relação a isso, pois sempre trabalhamos de forma motivada e acreditando naquilo que a gente está fazendo. Estes são fatores que garantem uma boa avaliação.

Num contexto, quando você pega nossa obra como um todo, realmente ela é muito forte. Mas pode ser que aconteça uma reavaliação posterior, como a nossa própria ópera rock, por exemplo, pois ela sofre um pouco disso. Ela foi lançada ano retrasado, mas com muita pouca atenção. O público estava ávido por conhecê-la, mas a gente só conseguiu encena-la em São Paulo e Curitiba. Nem no Rio a gente conseguiu. O mercado não estava propício, pois além da crise era uma produção cara. A crítica também não falou muito, mas reconheceu a relevância criativa e a ousadia da obra, porém para mim “Doze Flores Amarelas” é uma obra que ainda há de ser reavaliada com a importância que merece.

A música brasileira vive um dos seus melhores momentos com uma gama variada de novos artistas, mas uma parcela do público segue presa ao passado, não dando a devida atenção ao que é produzido hoje e/ou sepultando gênero X ou Y. Como vocês veem este momento onde parte do público parece não estar atento ao que acontece hoje?
Este aspecto fragmentário da música está, sem dúvida, muito presente hoje. Ele reflete o aspecto fragmentário de como a informação é veiculada. A gente pegou esta transição da fase do vinil, quando a gente começou na década de 80. A gente gravava um disco, o chamado álbum, e tudo era concentrado nele. Ele ficava sendo trabalhado por cerca de um ou mais ano pela gravadora, a imprensa se concentrava naquilo. Hoje em dia os trabalhos são muito mais rápidos e o conceito do álbum está desaparecendo. O que a gente vê rolar são as músicas avulsas. Trabalha-se muito no conceito de que se coloca uma música na internet e a atenção / concentração é naquela música e não num conjunto de músicas que formavam o álbum, como antigamente.

Estamos voltando à era dos singles que, praticamente, foi uma fase anterior a dos álbuns. Nos anos 50 era assim, iam se lançando os singles e ao fim do ano se juntavam todos eles num disco só e se montava um álbum meio que intuitivamente. Depois o álbum ganhou importância artística / cultural com os Beatles e tudo mais, criando um conceito. Mas isso mudou muito.

Concordo que a música brasileira é muito rica, original, tem muita gente produzindo, mas tudo fica muito fragmentado, porque não existe, como antigamente, uma grande mídia única, um mainstream, onde se você não tocasse em determinadas rádios, fizesse determinados programas de televisão, ninguém ia saber do seu trabalho. Se você fizesse você ficava nacionalmente conhecido. Hoje em dia não é assim. Tem coisas que furam às vezes esse bloqueio, as pessoas conhecem, mas tem coisas muito interessantes que são consumidas por um grupo menor pessoas, que não chegam a ficar conhecidas pelo grande público.

Acho que as coisas andam assim hoje em dia. A gente tem que se adaptar a essas mudanças do mercado e da veiculação da música, pois são mudanças constantes, desde quando o negócio da música existe. O vinil, por exemplo, morreu (e renasceu). O CD nasceu, como uma grande revolução e acabou por morrer de forma profunda, tal como a fita k7 ou algo assim. Quem se lembra dela hoje em dia?

Então o que importa é a música que segue sendo feita e a gente vai encontrando. Ou na internet ou in loco. Eu lembro que um tempo atrás nós tocamos num festival de rock no Mato Grosso (ou Rondônia, não me lembro…) e vimos muitas bandas locais fazendo coisas legais que nós não tínhamos acesso. A força está no que está sendo feito ali no subterrâneo e de vez em quando algo rompe e acaba transformando e levando o rock pra frente.

A história do Titãs acaba por ser especular ao Brasil em vários sentidos, pois a banda sempre manteve acesa um lado político / social nas letras. Por que vocês decidiram e persistiram seguir por este caminho?
Um das coisas que sempre motivou nossas composições foi este aspecto de cronistas do nosso tempo. Talvez o “Cabeça Dinossauro” seja o disco mais icônico da banda nesse sentido. É um disco muito interessante porque não é panfletário. Ele não diz que as pessoas devam fazer isto ou aquilo. As canções se colocam como gritos individuais. O eu-lírico dos narradores das canções são sempre pessoas que estão vivendo as situações. Nossas canções não fazem julgamentos das coisas. Elas fazem “atestamentos” de uma tomada de consciência do estado das coisas. Isso nos motiva muito: o que está acontecendo e como a gente reage a isso.

O Brasil é um país maravilhoso, a gente viaja o país inteiro e vê o potencial que esse país tem, mas o Brasil sempre foi vítima de velhas políticas, doutrinações religiosas, do reacionarismo e do conservadorismo. Acho que a gente sempre combateu isso a nossa maneira, colocando a nossa visão de mundo nas nossas canções, a nossa posição pela democracia, pela liberdade, pelas liberdades individuais, o direito do cidadão fazer o que ele bem entender. Essa é uma motivação constante. É um dos fatores que nos mantém vivos, que coloca a gente em frente e nos inspira fazer canções.

O nosso país vive um dos períodos mais nefastos, vide aos inúmeros retrocessos que visualizamos diariamente. Em tempos como este a arte torna-se imperativa?
A arte é essa coisa maravilhosa que não tem uma função prática. Pra que serve a arte? Pra nada! E isso é a beleza da arte. Você não faz nada com ela. Não há nada de prático, edificante, objetivo que possa fazer com ela. Mas ela ajuda as pessoas de forma diferente. Ela pode servir como um alento, como muita gente me disse quando saiu o clipe do “Sonífera Ilha” há algumas semanas atrás, comentando essa situação de isolamento, vivendo essa angústia de tempos de epidemia. Às vezes a música pode servir como uma libertação, uma catarse. As pessoas gritam até hoje “polícia para quem precisa” nos shows e você vê que é um grito de botar para fora uma revolta, uma crítica.

É claro que situações como esta em que vivemos são terríveis, e digo não só esta situação específica da epidemia, mas também a situação atual de retrocesso do país, de um viés autoritário governamental, que sente uma sedução pelo caminho antidemocrático. A música é muito importante e nessas horas o rock mostra também sua importância. Ele bota as pessoas para gritar, pra falar o que ela está querendo. Ela dá, às vezes, uma forma ao protesto que a pessoa tem dentro de si e não consegue concretizar em termos de palavras. Então é hora mesmo de botar pra fora. É hora destes roqueiros, que estão meio despercebidos no Brasil, se manifestarem. É hora da gente mostrar que a arte é capaz de transformar. Mas sempre desta maneira um pouco subjetiva, que é a grande beleza da arte, esta forma transcendente. Nunca a serviço de uma política ou de uma doutrina, mas sempre em favor da liberdade.

Sei que em tempos de coronavírus é difícil pensar em planos futuros, mas este período tem sido de grande reflexão em várias esferas da sociedade. Como vocês tem visto este momento? E ainda: a classe artística, nesse sentido, tem sofrido arduamente devido a impossibilidade de realizar apresentações que, geralmente, é a principal fonte de renda para a maioria. Qual seria a alternativa para esse período? O que o Titãs tem feito?
Realmente é muito difícil imaginar o que vai acontecer daqui para frente. Essa epidemia atinge nosso setor da música ao vivo de forma terrível. Mesmo que a situação de isolamento se abrande, a gente não sabe quando será possível reunir multidões para se assistir a um show. Se você não sabe quando você poderá sair de casa, então imagina quando você poderá sair para ir a um show? Você fala na pergunta sobre este período ser de grande reflexão, mas antes de tudo é uma aflição terrível. Os Titãs estavam com datas marcadas para o ano todo, mas todos os shows estão sendo adiados para agosto, setembro, e nós não temos nenhuma certeza se poderemos fazê-los.

É um período, de fato, de reflexão, pro qual eu não tenho resposta nenhuma ainda. No nosso caso, eu, Brito, Branco, Beto e o Mário estamos todos isolados, mas nos falamos. Estamos muito aflitos, com saudades uns dos outros, de estar tocando, de fazer o que a gente gosta de fazer, mas no momento não há muito o que fazer. Temos que aguardar e ver como tudo vai evoluir.

Apesar de tudo, existem muito aspectos positivos desta situação agora. Essa reflexão que somos obrigados a fazer, este questionamento. Com certeza a sociedade sairá transformada nesta crise. E os indivíduos também. Neste período a gente está aproveitando para terminar, individualmente, algumas canções. Espero que a gente possa logo estar de volta aos shows, que é o que a gente gosta de fazer, e tenho confiança que isto irá acontecer.

Não tenho religião, não acredito em Deus, mas acredito piamente no ser humano, na ciência e solidariedade que tem se mostrado muito importante nesse momento.

– Bruno Lisboa  é redator/colunista do O Poder do Resumão. Escreve no Scream & Yell desde 2014.  

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