Conexão Latina: Nicolás Molina estreia solo

entrevista por Leonardo Vinhas 

Nicolás Molina atende o telefone com voz bastante rouca, “a voz de todos os dias do ano”, justifica. O repórter comenta brincando que, pelo menos no que tange às cordas vocais, ele pode dizer que está na mesma turma de Mark Lanegan e Tom Waits “Pode ser, mas ao contrário deles, não é por causa de uísque e cocaína. É por ficar acordado cuidando da filha”.

Nos três anos que separam “Querencia”, seu primeiro álbum solo, do último que lançou à frente de Molina y Los Cósmicos (“El Folk de la Frontera”, 2016), muita coisa aconteceu na vida do músico uruguaio: dissolveu a antiga banda, casou-se, tornou-se pai, deixou sua casa no balneário de Aguas Dulces e passou a dividir a semana entre um apartamento em Montevidéu e o trabalho em uma pequena propriedade rural na província de Rocha.

No meio de tudo isso, uma cota de sérias questões pessoais – incluindo um suicídio na família. É natural, portanto, que em nada Molina lembre o jovem empolgado que conversou pela primeira vez com o Scream & Yell durante o festival El Mapa de Todos de 2014, ou mesmo o ambicioso e ansioso músico com que a reportagem se deparou durante duas edições do Festival Brasileiro de Música de Rua (em 2015 e 2016).

Nicolás Molina está, definitivamente, em outra, e ‘Querencia” é um retrato claro dessa transformação: um álbum melancólico, sim, mas que não perde de vista uma épica e um vigor que, possivelmente, refletem a força que foi necessária para atravessar os tempos mais difíceis. Musicalmente, traz elementos novos que não atentam contra a sonoridade anterior, mas sim a direcionam para um aspecto mais intimista, ambicioso e menos alt.country.

Na verdade, a estreia solo de Molina aconteceu no final de 2016, com uma versão de “A Montanha”, canção de Rubinho e Mauro Assumpção que versionou para o disco “Brasil También Es Latino”, lançado pelo Selo Scream & Yell. “El Gran Día” seria a primeira canção autoral lançado com seu próprio nome, e tanto ela como o segundo single do disco, a balada “Pra Lua Eu Vou Viajar”, contam com o violoncelo de Raphael Evangelista (Duo Finlândia), enquanto a última tem ainda a participação vocal de Natália Matos.

Ou seja: a carreira solo do compositor nasce indissociável de sua ligação musical e afetiva com o Brasil, país no qual ele já tocou em repetidas ocasiões, em festivais (Se Rasgum, Paraíso do Rock, Conexão Latina e os citados El Mapa e Música de Rua) e em shows próprios.

As duas canções, junto com “Volver al Mar” e “¿Que Pasó?”, compõem a metade mais “direta” do disco – a última, em especial, com potencial de hit e a participação de outro brasileiro no banjo, o caxiense Gabriel Balbinot. A outra parte são canções que passeiam entre o silêncio e a longa expansão psicodélica, uma presença inédita na obra de Molina. O saldo final é coeso, belo e promete ter fôlego para ir muito além das audições iniciais.

Na conversa com o S&Y, realizada pouco mais de uma semana após o lançamento (exclusivamente digital) do álbum, Nicolás Molina dá detalhes do álbum e do seu complexo processo de feitura, que incluiu uma frustrante mixagem com o celebrado produtor norte-americano Craig Schumacher, além de falar de sua relação com o Brasil e da recusa em manter o diletantismo oneroso de sua arte.

Molina y Los Cósmicos era uma banda, como você disse em sua primeira entrevista o Scream & Yell. Mas era você quem compunha, arranjava, produzia. Então, por que assumir o caráter solo de forma tão clara quanto com mudança do nome?
Na verdade, me parece que foi natural e óbvio. Pelo menos para mim, porque Molina y Los Cósmicos estava desgastado no aspecto musical e no logístico. Era complicado sair de turnê com a banda. Alguns gostavam de viajar ao Brasil ou à Argentina para tocar, mas não queriam sair para fazer shows no Uruguai (risos). No musical, a situação era outra: talvez algum integrante preferisse tocar um instrumento e não outro, que era o que a canção pedia. Podia preferir tocar algo que desse… mais visibilidade, digamos, e isso começou a gerar algumas brigas internas. E em Molina y Los Cósmicos todos eram amigos desde antes da banda, eu não queria esse tipo de situação rolando. Então eu tinha duas opções: ou mandava todo mundo embora e recomeçava com outros músicos (risos), ou começava algo novo. E assim foi. Mas é meu terceiro disco. Eu vinha de vários processos, e esse disco era uma quebra, uma ruptura, e eu precisei marcar isso. Estava sentindo outras coisas, vivendo outras coisas, diferente de tudo que havia vivido até então, e também queria encerrar a banda de um jeito que não fosse traumático. Quando tomei essa decisão [de sair solo], meus melhores amigos me disseram que eu ia perder o nome, que eu ia perder o que já tinha feito com KEXP, Showlivre, com os festivais brasileiros como Se Rasgum, El Mapa de Todos e Paraíso do Rock. E eu dizia a eles que sim, ia perder, entre aspas, tudo isso, mas que eu não sou um nome, e sim uma pessoa que tenta gravar música, tocar e ser fiel ao seu gosto antes da parte comercial. Essa parte não tem a mesma importância que a artística. E por isso eu precisava marcar esse recomeço sem me preocupar com essa “perda”.

Você falou de estar vivendo coisas diferentes. A melancolia estava presente nos dois primeiros discos, mas havia alegria também. Esse é um disco de temática triste, pesada. O que ele marca: um momento de despedir esses sentimentos, aprofundá-los ou nada disso?
Essa é uma ótima e difícil pergunta. Em momento nenhum eu parei pra pensar o que era o disco ou para “desenhar” o que ele seria. Eu comecei a colocar as coisas para fora, e era isso: exteriorizar o que vinha passando. Era fazer uma terapia sem passar por um processo psicanalítico. Agora que o disco está nas ruas, me dei conta que foi uma forma de me despedir de coisas sobre as quais precisava falar delas, mas não queria falar com ninguém a não ser eu mesmo. Foi um registro de tudo que passava pela minha cabeça nesses anos, me despedi e ao mesmo tempo é algo que sempre estará aí para recordar o que eu vivi. “El Desencanto” era bem pessoal também, mas “El Folk de La Frontera” era um exercício de contar histórias, de procurar outras narrativas – seguramente porque eu não tinha tanto a contar. Tanto que, quando o terminei, eu dizia que não lançaria outro disco, porque não imaginava que viveria outras experiências que me levassem à necessidade de compor.

Bem, pelo visto, muitas dessas experiências surgiram. E talvez “El Gran Día” seja o marco mais claro disso. É uma canção muito densa, que para mim soa quase como uma pensata sobre o suicídio, ainda que não fale disso diretamente.
Eu acho que “El Gran Día” não é uma canção de suicídio, mas talvez de alguém vivendo o momento prévio. Ou talvez não, porque eu nunca pensei em me matar e nunca vou fazer isso. Amo minha filha e tenho muitas razões para viver. Mas pode ser que um dia alguém acorde com uma sensação… (pausa) Relaciono muito o suicídio com o tédio, com a repetição, com viver sempre o mesmo. Aqui no Uruguai, o suicídio é uma questão muito presente, e não acredito que o Ministério de Educação faça um trabalho eficiente no sentido de alertar e trazer informação sobre esse problema tão grande. A taxa de suicídios é muito alta (16,6 por 100 mil habitantes). Eu penso muito sobre isso agora que sou adulto, de uma maneira que não conseguia quando adolescente ou jovem. É algo que aconteceu na minha família, e faz dois anos aconteceu com um parente mais direto… E aí você começa a pensar que não são casos isolados, e começa a se dar conta que passou com amigos, com gente que você conhece, e vê que isso é uma problemática real. Quando alguém escreve uma canção, escreve sobre o entorno no qual vive, por isso acredito que isso aparece de alguma forma na minha música.

Falando de letras: o Uruguai tem uma tradição de ter letras muito profundas em sua música popular, quase literárias. Mas isso parece que vem perdendo força dos anos 2000 para cá. Você sente isso?
É muito difícil falar de colegas, e eu mesmo não sou uma pessoa que escuta muita música uruguaia atual. Escuto amigos, mas não examino atentamente as letras de cada um. Acho que até os anos 00 nós tínhamos, sim, esse caráter de boas letras, como as de Alberto Wolf y Los Terapeutas, La Tabaré e outros. Mas temos artistas novos que fazem letras interessantes, mesmo que não sejam sobre temas tão profundos. Assim de imediato não me vem a cabeça exatamente um nome… mas acho que pode ser o caso de La Hermana Menor, que voltou e vai lançar disco novo, de Ivan y Los Terribles, de Alucinaciones en Familia, que têm todos canções muito reflexivas e criticas.

Voltando à “Querencia”: você teve referentes musicais para a composição? Porque, nos anteriores, se ouvia a influência de Calexico, de Nacho Vegas…
No lírico, não me prendi a nenhuma influência. Mas escutei um monte de Bruce Springsteen e de Kurt Vile. São artistas que conseguem materializar a música pop com certo cuidado artístico na hora de gravar. Uma bateria de Bruce Springsteen, por exemplo, é muito “quadrada”, mas ao mesmo tempo traz matizes e detalhes que são muitos ricos, muito interessantes. E acho que outra influência que tive foi a de buscar as coisas mais simples possíveis. Por exemplo, para determinada canção, eu queria um trompete, mas se não tinha um trompete à mão, usava um acordeão mesmo. Antes eu iria atrás de um trompetista de mariachi, como fiz quando gravei “Balada a Kassandra”. Agora não. Usávamos o melhor que podíamos que estivesse à mão.

Aliás, enquanto o antecessor tinha muitos convidados, esse está mais conciso. É curioso que, com banda, você tinha mais convidados do que solo (risos).
Sim, recentemente gravei algumas faixas com Pedro Dalton (também vocalista das bandas Buenos Muchachos e Los Daltons) para o programa de rádio dele e falávamos sobre isso. Eu tinha amigos que tocavam comigo, e eu ficava muitas vezes até às cinco da manhã gravando porque era a hora em que ele podia gravar, e depois eu ficava editando tudo até tarde… Por essa e outras razões, não soávamos como ao vivo, havia muita pós-produção. Aconteceu em “Querencia” algo incrível: consegui uma banda que realmente aportou para o disco. Com Molina y Los Cósmicos eu tinha muito mais incidência sobre o que os músicos tocavam. Agora não foi esse o caso. José Nozar (baterista das bandas Buenos Mucachos, La Hermana Menor e Federico Deutsch) tocou todas as baterias e trouxe muitas coisas. Eu apresentei algumas ideias para ele feitas na drum machine, e ele ia construindo coisas novas, transformando. Pablo Gomez (teclados, piano e acordeão) me apresentava ideias e sons novos, e tudo o que ele trazia eu gostava. E com Ripi [Arruti] também: ele não está na banda só por ser meu melhor amigo (Risos). Ele é um ótimo baixista e teve uma grande evolução. Você escuta os dois primeiros e escuta esse, o som do baixo é totalmente diferente.

E como estão programados os shows? Nos seus canais oficiais, não há nenhuma data anunciada.
Sim, e isso é algo que com Molina y Los Cósmicos nunca aconteceu. De 2014 a 2016, sempre terminamos um show já tendo outras datas à frente. Agora não temos nada marcado. Estamos vendo para apresentar o álbum numa sala bem grande de Montevidéu, mas não está nada certo e prefiro não falar nada até estar efetivamente fechado. Mas é algo que tem grandes chances de fazer, e espero conseguir trazer todos os que participaram deste disco para tocar no show.

Você mal apresentou “El Folk de la Frontera” ao vivo, foram pouquíssimos shows…
A ideia agora é voltar a tocar, e mais até do que antes. Mas mudaram as condições, e é isso que levo em conta antes de procurar as oportunidades. Faz pouco tempo que falei em uma entrevista para o [músico e jornalista espanhol] Señor Chianrro que não saio para tocar se não for para trazer dinheiro para casa. E, em certo sentido, estou tomando esse caminho porque hoje se vou investir em tempo e dinheiro, prefiro investi-los com minha filha, porque ela vai me dar muito mais retorno. Mas como disse, quero voltar a tocar, e o disco saiu faz uma semana, tudo ainda é muito novo. Também acho que estou mudando muito a maneira de me apresentar ao vivo com essa nova banda. Todas as vezes que toquei com essa banda soou muito bem, e por sorte tenho amigos muito sinceros que podem ser muito críticos e podem elogiar. Ter gente assim por perto é bom. Uma questão que é certa é que não sou cantor nem guitarrista profissional, e embora eu não trate as coisas como diversão – é trabalho – tenho claro que sou um cara do interior do Uruguai, e que estou me desenvolvendo no palco. Mas temos uns cinco ou seis meses de ensaios e preparação, que serão como um laboratório para os shows, e vamos tentar defender o disco da melhor forma possível.

Você foi até Tucson, nos EUA, para mixar o disco com Craig Schumacher. Por que ir até lá?
Pra falar disso, tenho que ir pros primeiros discos. O primeiro eu mixei junto com um amigo (Gustavo de León) nos estúdios Sondor. Gostei do resultado, mas vi que precisava de algo mais. Isso veio quando fiz “El Folk”, que foi com Craig. Trabalhamos pela internet, discutindo a mixagem online, e foi um processo que me deixou muito feliz. Mas lembre-se que “El Folk de La Frontera” não era um álbum tão pessoal, por isso eu não precisava participar tanto da mixagem. “Querencia” é muito mais pessoal que os anteriores, o mínimo barulhinho de um piano, se estava mais alto ou mais baixo, repercutia na minha cabeça. Surgiram as condições econômicas favoráveis para ir trabalhar com Craig “ao vivo”, nesse aspecto 2017 foi um bom ano para mim: ganhei dois Premios Grafitti e o primeiro lugar no Prêmio Nacional de Música do Uruguai, o que me permitiu viajar e mixar nos Estados Unidos. Realizei esse sonho de ir a um estúdio (Wavelab) no qual foram gravados grandes discos (nota: a lista inclui álbuns de Calexico, KT Tunstall, The Jayhawks, Neko Case, Evan Dando, Iron & Wine, Robyn Hitchcok e vários outros). Só que eu tinha uma visão da mixagem que não era a de Craig, e tivemos um certo tipo de desacordo. Depois do voo, foi um dia e meio dirigindo para chegar lá, e um dia e meio para voltar, a barreira idiomática era super complicada, e para piorar, Craig chegava só às duas horas da tarde. Eu fiz todo um esforço para chegar lá, investi muito, e o cara só chegava às duas! Além disso, tinha a questão da concepção do som, mesmo. Mas quando ele começava a trabalhar, era uma máquina! Aconteceram algumas outras coisas que talvez eu preferisse não contar… Mas ok, vamos lá: eu mudei uma coisa ou outra na mixagem final. Não muito, mas mexi. E o cara que masterizou o disco (Warrior) fez um trabalho muito interessante. Na masterização pudemos resolver problemas de ruídos e frequências que não deveriam ter existido. Coisas que não aparecem se você mixa em um estúdio profissional, coisas que não aconteceriam em um estúdio no Uruguai. Mas pudemos consertar. No fim, ficou como um aprendizado um pouco estranho, mas estou feliz com o resultado. O disco conviveu com problemas todo o tempo. Tive problemas com três interfaces de som, com cabos, com as guitarras. Todo o tempo foi problemático. Fiquei boa parte do tempo pensando em apagar tudo, em não mostrar para ninguém, em regravar, mas comecei a confiar e deixar rolar. Tem um ditado que gosto muito, que diz que os discos não se terminam, então você simplesmente tem que deixá-los ir. E eu deixei.

Agora que deixou, como você vê o potencial dele? É um disco diferente, fora da curva, mas não é hermético nem inacessível. A quem ele pode chegar?
É uma pergunta muito difícil e não tenho uma resposta firme para ela. Sei que ele é menos digerível que os anteriores, que tinham, por exemplo, “En el Camino del Sol”, uma canção que podia agradar a uma mulher de, sei lá, 60 anos, ou a avó de um amigo. Esse disco, creio, não tem isso. Mas pode me surpreender. Eu nunca desejo mal para mim (risos), sempre me desejo coisas boas, mas não sei dizer o que vai acontecer. Ninguém tem a fórmula do sucesso, e a verdade é que me interessei por assumir as coisas peculiares que esse disco tem. Então, se eu for tocar para 50 pessoas em São Paulo que se interessaram pelo que está nesse disco tal como ele é, pode ser mais interessante que tocar para 200 em outro lugar. Claro, estou especulando, mas é um disco sensível, que pede atenção, e gosto da ideia de tocar para pessoas atentas.

Ele é um disco que pede paciência, mesmo. Não por ser cansativo, mas por demandar uma pausa, por não ser urgente. Tem um dado que o próprio Spotify revelou que o botão mais usado pelos usuários é o “skip” (passar faixa). As pessoas estão impacientes, e você começa com uma faixa (“Tres Flores para el Mar”) que tem uma introdução longa, cheia de silêncios.
Exato. Craig inclusive brigou contra isso, ele não queria que essa introdução entrasse no disco, e eu disse: “sou o produtor, sou o compositor, ela vai entrar dessa forma”. Porque é assim que a canção é. E pensando agora, eis aqui algo que posso responder na pergunta anterior: é um disco para quem gosta de ouvir música.

Chama a atenção também o final do disco ser bastante psicodélico, que é uma linguagem que nunca tinha aparecido nas suas composições. Não psicodélico no sentido Tame Impala…
(me cortando, sério) Me ajoelho e peço por favor que não me compare com Tame Impala, porque me dá muita vergonha alheia ouvir quem faz isso, quem coloca esses millhões de reverb e chorus.

Não estou comparando, ia dizer justamente que é psicodélico, mas nada parecido com o que atualmente as pessoas entendem por psicodelia – um entendimento paradoxalmente limitado, diga-se.
“Pra Lua Eu Vou Viajar” é também psicodélica, graças principalmente ao grande trabalho do Raphal Evangelista no violoncelo. Você escuta a gravação e vê que tem outra concepção de psicodelia. Não é essa “macdemarczação” da música, com chorus que não acaba mais. Eu escuto Mac DeMarco, gosto dele, mas não vejo porque todo mundo tem que soar igual.

“Pra Lua Eu Vou Viajar” é a sua primeira canção com letra em português. Já que você disse trabalhar em favor da canção, queria que falasse sobre a escolha do idioma.
É certo que eu fiz muita aproximação com o Brasil entre 2013 e 2016, do ponto de vista musical e afetivo também. Um dia, sozinho em casa, peguei o violão e comecei a balbuciar uma letra que saía em português. Então pra que mudar? As pessoas do Brasil me dizem que a pronúncia está boa (risos), mas a verdade é que não tem muita gente me escrevendo.

Mas falando das duas canções finais, especificamente: queria que você contasse um pouco sobre elas, porque são bem diferentes de tudo que você já fez.
São canções grandes, sem potencial comercial, uma de 7 minutos e outra de 9, então você já sabe antecipadamente que elas não vão para as rádios, não vão ganhar clipe. Assim, trabalhei para a canção, que é algo que sempre faço – não penso de forma calculada: “ah, tem que ter duas canções psicodélicas”. Em certo sentido, elas são uma ruptura, como você disse. Elas disparam possibilidades sonoras, mas não posso dizer que o próximo disco vai ser assim. Pode ser que eu mude tudo e faça um disco super chato, só com violão, não tenho como saber. “Los Ultimos Hippies del Verano” tem um trabalho incrível de Pablo [Gomez]. Na demo, ela tinha uma programação simples, mas muito influenciada por “Clics Modernos”, um disco de Charly García que foi muito criticado na época (1983), porque era um disco pop com muita experimentação. A demo era muito básica, e eu trouxe essa referência do Charly para o Pablo, que foi criando a partir daí, colocando muitos teclados – outra coisa que Craig queria tirar e eu não permiti. “El Marciano y El Palmar” já é bem psicodélica na letra, e quando a apresentei ao Negro (apelido de José Nozar), fizemos juntos uma batida de tambor e a partir daí ela começou a caminhar para onde ela chegou, com uma grande participação dele. Esse é presente de trabalhar com músicos tão capazes que aportam coisas próprias. Não quero dizer que os outros músicos que conheço não são interessantes, mas sim que essa banda tem muito a ver com a linha sonora que estou buscando, estamos todos na mesma ideia musical. Eu agradeço muito a eles e ao Ripi por serem parte desse disco. No momento em que isso acontece – em que um músico vem na sala de ensaio e traz uma coisa nova, uma ideia nova, para uma composição sua – é o melhor de estar com uma banda.

Para encerrar, queria voltar à essência de “Querencia”. O disco tem esse ar de mergulho em águas escuras, turvas, que parece unir seu momento pessoal a um momento social pesado.
Na realidade, todos vivemos com um lado escuro e com um luminoso. Ninguém no planeta escapa de carregar a escuridão. O disco transita nessas águas, e creio que traz uma certa crítica ao lugar onde vivo, que amo, sim, mas que também pode ser criticado. Fiz o disco com muita paz interna, não foi difícil desfrutar a gravação de nenhuma delas. Fiz junto com o dia a dia do meu trabalho, sem drogas, não foi perturbado. Não foi Bukowski, foi todo o contrário (risos). Gravei muito centrado, consciente do que eu estava passando. Sou um homem com uma filha, com muitas coisas para viver e creio que isso é o que fica do processo da feitura desse disco.

– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell. A foto que abre o texto é de Pablo Banchero / Divulgação

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