Três livros: Cortella, Gaiman e Ronson

“Por que Fazemos o que Fazemos?”, Mario Sergio Cortella (Editora Planeta)
Por Leonardo Vinhas
No universo que se convencionou chamar (não raro de forma pejorativa) de “filosofia pop”, sobram tanto admiradores como detratores para um de seus maiores nomes, o paulista Mario Sergio Cortella. Preconceitos à parte, o fato é que Cortella é, de fato, mais filósofo que cronista, e sua simplificação da exposição dialética está longe da autoajuda. Assim, apesar do título, seu livro mais recente, “Por que Fazemos o Que Fazemos?”, está mais interessado em analisar os mitos atuais sobre vocação e sobre “fazer o que se ama” do que em servir de almanaque de conforto mental para quem não consegue tomar uma decisão sobre a própria carreira. Leitores/ouvintes do homem não vão encontrar muito pouco que não tenham lido/ouvido em palestras, vídeos ou entrevistas do autor, mas a facilidade com que o texto dissolve as ilusões fomentadas pelo empreendedorismo de palco e pelos autodenominados coaches pode ser bem-vinda mesmo assim. Quem não está tão familiarizado com as explanações de Cortella já tem mais chances de se surpreender, caso não se importe com algumas passagens excessivamente professorais. Entre reapresentar obviedades esquecidas, debater o conceito de “propósito” e criticaras frases feitas e discursos prontos do universo corporativo, “Por que Fazemos o Que Fazemos?” traz um saldo final bastante positivo.

Nota: 7,5

“Deuses Americanos – Edição Preferida do Autor”, Neil Gaiman (Intrínseca)
Por Adriano Mello Costa
Quando Neil Gaiman imaginou “Deuses Americanos” não sabia muito bem o que estava fazendo. Tinha o esboço da ideia geral na mente, contudo possuía várias ressalvas de como abordar uma história que tivesse tanto vínculo com os EUA e que usa o país como matéria-prima, sendo ele um inglês de Hampshire. Mas não é a toa que o escritor é um dos grandes da sua geração e a trama foi tomando forma e chegou muito além do que ele mesmo esperava. Quando da publicação original em 2001, “American Gods” teve muitas passagens cortadas pelos editores, mas depois de alguns anos uma “edição preferida do autor” chegou às lojas. É essa edição que a Intrínseca (que vem fazendo um trabalho de destaque nas obras do escritor) publica agora no Brasil com 576 páginas, tradução de Leonardo Alves e vários textos extras anexados. Em “Deuses Americanos” conhecemos Shadow, um presidiário que está prestes a ganhar liberdade e voltar para os braços da esposa amada, depois de uma decisão ruim ter atravessado o caminho. Quando está próximo a obter essa conquista, uma reviravolta tremenda ocorre e após isso o misterioso Wednesday aparece para mudar sua vida como ele nunca passou nem perto de imaginar. Essa nova edição da Intrínseca tem 128 páginas a mais que aquela lançada pela Conrad em 2011 e isso faz com a trama seja mais profunda, dando espaço para que Gaiman explore ainda mais as situações que apresenta. No livro, versa sobre a formação da maior potência do mundo e sua relação com aqueles responsáveis por isso que para lá migraram levando as crenças e deuses escondidos na sacola. Mesmo depois de 15 anos do lançamento a obra continua intensa, desnudando divindades, inserindo novas e transformando humanos enquanto mescla realidade e fantasia ao conversar sobre crenças, alma, ambição, desejo e traição.

Nota: 9

“Humilhado”, Jon Ronson (Editora Best Seller)
Por Leonardo Vinhas
Justine Sacco, Lindsey Stone, Adria Richards. Você talvez não se lembre dos nomes, mas é possível que você tenha ajudado a destruir as vidas delas. As três mulheres foram, por diferentes razões, vítimas de “linchamento virtual”, a modalidade de crueldade e revanchismo que combina desprezo, assédio moral e intimidação pelas vias online. Elas e outras são entrevistadas por Jon Ronson, autor de “O Teste do Psicopata” e “Os Homens que Encaravam Cabras”, para compor esse livro (“So You’ve Been Publicly Shamed”, 2015, no original), um autêntico trabalho de investigação jornalística sobre “Como a Era da Internet Mudou o Julgamento Público” (subtítulo para a edição brasileira da obra). O jornalista britânico consegue trazer um volume enorme de informações sobre os mecanismos psicológicos e sociológicos da humilhação pública entremeado a casos contundentes de reputações destruídas por conta da viralização de informações, seja de gente anônima (como as três pessoas citadas no início do texto), seja de famosos como o escritor Jonah Lehrer, o primeiro “humilhado” a ser apresentado no livro. O fio condutor desse amplo passeio pela vergonha alheia, porém, não é quem foi humilhado, mas sim quem causou a humilhação: em outras palavras, Ronson quer entender o que motiva gente como ele, eu ou você, a entrar num processo de degradação pública de quem não conhecemos e sobre quem não sabemos quase nada a não ser o que foi digitado de maneira infeliz no Twitter ou no Facebook. O estilo de Ronson confere agilidade e leveza à leitura, mas isso não torna o livro menos angustiante: pelo contrário, “Humilhado” é uma obra necessária, angustiante e densa sobre um fenômeno que, infelizmente, parece se tornar cada vez mais frequente.

Nota: 10

– Adriano Mello Costa (siga @coisapop no Twitter) e assina o blog de cultura Coisa Pop
– Leonardo Vinhas (@leovinhas) assina a seção Conexão Latina (aqui) no Scream & Yell.

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One thought on “Três livros: Cortella, Gaiman e Ronson

  1. não conhecia “Humilhado” mas me interessei, parece fundamental.
    Deuses Americanos eu li a versão da Conrad anos atrás, e achei muito bom, mas não sei se estou disposto repetir a mesma leitura por causa de páginas a mais.

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