Música: The Invisible Band, Travis

por Marcelo Costa

Tudo na vida pode ser dividido em bom e ruim, claro, sempre ao gosto do freguês. Sorvete de morango é delicioso, de creme deixa a desejar, coisas assim. Mas existe a classe intermediária, aquela que fica entre o bom e o ruim. No caso, o sorvete de abacaxi. A música pop também tem seus morangos, cremes e abacaxis. O morango da atualidade atende pelo nome de Radiohead, mas pode ser chamado também de Manic Street Preachers. O sorvete de creme têm vários representantes, mas vamos ficar com Blink 182, ok. E é da classe intermediária, sorvete de abacaxi, que vem o Travis, bandinha escocesa radicada em Londres.

Fran Heally, o líder da banda, é o que todos chamam de “um cara delicado”. Ele e seus amigos lançaram três discos até agora. O razoável “Good Feeling” (na cola do Oasis, isso em 97), o sublime “The Man Who” e o xerox “The Invisible Band”, álbum lançado meses atrás, mas que ainda gera discussões onde quer que seja (muito) comentado (e pouco ouvido).

A primeira pista que veio de “The Invisible Band” era uma brincadeira com o nome do grande álbum da banda: “The Man Two”. Mas, como acontece na maioria das vezes no cinema, a continuação não supera o original. A culpa, na verdade, nem é da banda, mas do público. “The Invisible Band” é o retrato perfeito do quarteto de Glasgow e sugere “The Man Who” como um belo acidente de percurso.

O público que amou “The Man Who” esperava algo na linha, mas atirar no escuro e acertar no alvo duas vezes é muita sorte, para qualquer um. Com isso, certo ar de decepção paira sobre “The Invisible Band”. Não deveria. O Travis é apenas uma bandinha bacana que surgiu num espaço de tempo carente de ídolos e na falta de tu, vai tu mesmo.

O que se pode esperar desses escoceses é algo sublime na linha de “The Man Who” e “The Man Who” não é um “Acthung Baby”, não é um “Nevermind”, não é um “Ok Computer” e nem um “Psychocandy”, ou seja, não é um álbum que mereça adjetivo maior do que… sublime? E sublime é pouco, não se convença.

Com “The Invisible Band”, o buraco é mais embaixo (talvez seja preciso ajoelhar para enxergar). Fran Heally é um cara simples que escreve letras simples. Nada de arremedos poéticos, então. O grande problema é que suas letras dependem de sua tristeza e a felicidade, meu caro, é um péssimo negócio para sua “arte”. Assim, a tristeza que sublimou “The Man Who” faz falta em “The Invisible Band”. A alegria do líder (que casou no fim do ano passado e vive uma fase happy) acabou contaminando de pieguice o álbum do quarteto. Fran Heally é o que todos chamam de um cara de bem com a vida. Sua tristeza já não convence, então, o que faz soar constrangedor ouvir um puta marmanjo barbado cantando com voz delicada “Dear Diary”.

Como o Eagles nos anos 70 e o Simple Minds nos 80, o Travis é uma banda limitada. E assim como o Eagles nunca chegou a ser um Led Zeppelin, assim como o Simple Minds nunca chegou a ser um U2, o Travis nunca chegará a ser um… Radiohead? Travis sempre será uma bandinha mediana lançando discos medianos. E só.

Isso tudo não deveria incomodar, mas incomoda. Retrato de uma época, a banda recebe toda luz pop sobre si, abusando da economia nas canções. Com isso, baladinhas singelas ao violão soam (para alguns) como obras-primas pop. Não são. É constrangedor que a música pop chegue aonde chegou. Após Morrisson, Dylan, Cohen e Patti Smith. Após Curtis e McCuloch, Morrissey e Cobain, o público pop celebra versos como “Oh, wow, look at you now / Flowers in the window / It’s such a lovely day and I’m glad you feel the same”. Chega a ser constrangedor.

“The Invisible Band” começa com “Sing”, o primeiro single do álbum. Sabe aquele dito popular “quem canta, os males espanta”? Então, “If you sing / For the love you bring won’t mean a thing / Unless you sing”. Bonitinha. Na sequência, “Dear Diary”, joga tudo janela a fora. As coisas parecem que vão tomar rumo na ótima “Side”, com excelente refrão (“That the grass is always greener on the other side”), mas “Pipe Dreams” volta a deixar as coisas em nível mediano. “Flowers In The Window” chega tão cafona que é impossível não rir. Roberto Carlos se saiu melhor em “As Flores do Jardim da Nossa Casa”.

A melhor letra do álbum, “The Cage”, se arrasta na melodia delicada. A bateria, sumida no álbum, aparece em “Follows The Light” e, bem, deixa pra lá, e mais uma dispensável chega até alcançarmos “Afterglow”, outro bom momento de “The Invisible Band”. As guitarras sabem trilhar caminhos diferentes, isso (no caso deles) impressiona, mas, mesmo assim, muita doçura, muito açúcar (diabéticos, fujam). O álbum chega ao fim logo em seguida e eu fico perguntando se ele chegou a começar. Talvez seja por isso que, sintomaticamente, o álbum termine com o som de despertador…

No fim, “The Invisible Band” renderia um ótimo single. Sintomático que a banda tenha deixada de fora a bonita “Coming Around”, single pré-“The Invisible Band”. O contraste dela com o repertório do álbum é gritante.

Ouvir “The Invisible Band” é como tomar sorvete no sol. O sorvete começa a derreter, você tenta a todo custo não se lambuzar, mas quando vê está todo melado e grudento. Inevitavelmente, cada um chupa o sorvete que quiser e onde quiser. Eu ainda prefiro tomar sorvete de morango, em casa, ou então em uma sorveteria. Só peço que aqueles que tomam sorvete de abacaxi no sol, cumprimentem-me apenas com um sorriso. Nada de dividir melações, por favor.

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

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