Música: “Amnesiac”, do Radiohead, uma merda ou uma pérola?

por Marcelo Costa

Eu já era fascinado por música quando tinha 12 anos, culpa dos meus pais que tinham tantos vinis quanto o que tenho em CDs hoje, mais ou menos uns 1200. Mas o fato que importa é que eu tinha 12 anos em 1982 e uma das coisas que mais pensava é em como seria o mundo no ano 2000.

Sempre me imaginava com 30 anos em uma nave espacial vivendo uma vida à la Jetsons. E quando pensava em música, o que me vinha à cabeça era eletrônica. Eu acreditava que no ano 2000 não existiriam mais pessoas extraindo algo do formato guitarra/baixo/bateria (muito embora eu nem devesse saber o que era formato guitarra/baixo/bateria) e tudo seria musiquinha de robôs.

Bem, a década de 90 passou, a virada do milênio também e as coisas continuam como sempre foram, para o bem e para o mal. E conforme os anos foram passando, eu esqueci quase que totalmente desse pensamento de criança. Quase, porque “Amnesiac” trouxe esse pensamento de volta.

“Amnesiac” é o quase novo trabalho do Radiohead, uma das bandas mais importantes dos últimos anos no mundinho pop, fama conseguida principalmente com “Ok Computer”, de 1997, que trazia canções pop com etiqueta de arte. Quase novo porque a maioria das canções é sobra das sessões do álbum anterior, “Kid A“.

Desde “Ok Computer” que a banda tenta caminhar na contra-mão da música. A fama conseguida com este álbum meio que pirou o líder da banda, Thom Yorke, que, entre outras coisas, desistiu de criar gemas pop e preferiu ater-se a sons desconexos. A atitude do cara renderia um texto à parte, mas o que importa aqui, e agora, é o que acontece quando a luz do laser atinge o CD e o som sai das caixas.

“Amnesiac” é indefinível. A enquete que ficou duas semanas na capa do S&Y colheu opiniões tão antagônicas que parecia que o assunto tratado não era o mesmo. Tem gente que chamou de maravilhoso e tem gente que disse que é lixo. A audição nos deixa em dúvida se estamos ouvindo a maior porcaria já lançada ou o álbum mais visionário dos últimos anos. Tanto pode ser um quanto pode ser outro e nessa dualidade reside a chave da questão: Amnesiac é uma merda ou é uma pérola? Ou é uma merda e é uma pérola? Tostines é fresquinho por que vende mais ou vende mais por que é fresquinho?

Sinceramente, não sei o que dizer. Na primeira vez que ouvi, a reprovação foi total. Duas semanas depois ele encheu de melancolia o melancólico ambiente em que eu estava, e funcionou a perfeição. Acho que se ouvir quando acordar, malho o CD na parede. Acho que se eu ouvir ao entardecer, a noite será mais bonita. Dúvidas.

Um dos fatos que mais chama a atenção é que a banda não guardou as canções mais palatáveis das sessões de “Kid A”, como muito se alertou na época. “Amnesiac” é sim um “Kid B”, com o diferencial que o que havia de mais eletrônico lá, há de mais triste aqui. E canções como “True Love Waits” e “I Promisse” continuam inéditas na discografia da banda.

No liquidificador anti-pop do Radiohead entram muitos chiados e muitos efeitos e muito piano e muita repetição. Depois de batidos por um bom tempo, recebem a voz doentia e tristonha de Thom embalada por arranjos que desnudam totalmente a melodia (quando a melodia existe) pisando aqui e ali no território jazzístico. É claro que é uma apropriação (o The Clash era especialista em fazer essas fusões) e a voz anasalada de Yorke na faixa quatro, “And Whose Army?”, funcionaria bem num pub abandonado.

O grande detalhe é que tudo é liricamente simples. A genialidade dos arranjos busca, e consegue, modernizar canções simples que devem ficar excelentes ao violão. Com isso, uma aura cult paira sobre o som desses ingleses. O senão é que, por várias vezes, certos arranjos só funcionam na desconstrução da melodia, e aí só fã mesmo para enxergar beleza (o amor cega, podem acreditar).

Tudo soa inaudível e belo, numa situação que não permite apenas amar ou odiar. Não sei se a minha cabeça de menino de 12 anos teria paciência para escutar “Amnesiac” (eu estava mais interessado no citado The Clash), mas se naquela época eu tentasse descrever como seria o som do 2000, acredito que sairia algo assim. Devemos voltar no tempo ou continuar caminhando? Ouça e decida. Eu vou ficar em cima do muro. E não tenho vergonha disso.

Conheça “Amnesiac” faixa a faixa, por Marcelo Costa

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell desde 2000 e assina a Calmantes com Champagne. 

Leia também:
– “Pablo Honey”, por Eduardo Palandi (aqui)
– “The Bends”, por Renata Honorato (aqui)
– “Ok Computer”, por Tiago Agostini (aqui)
– “Kid A”, por Luís Henrique Pellanda (aqui)
– “Amnesiac”, por Marco Tomazzoni (aqui)
– “Hail To The Thief”, por Marcelo Costa (aqui)
– “In Rainbows”, por Alexandre Matias (aqui)

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