Psicodalia 2024 (Dia 5): Encerrando o festival com Chico César, Jogo Duro, Nouvella, Carmel e mais

texto de Bruno Moraes
fotos de Ivana Cassuli
vídeos: Marcelo Borges (shows) e Rodinei Silveira (depoimentos)

DIA 5 – 13 de fevereiro de 2024 – Terça-feira
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Como que para preparar o terreno para o encerramento do festival com a presença quase que sobrenatural de Chico César, o último dia do Psicodália raiou com uma conjunção de elementos naturais. Estes incluíram chuvas e ventanias pontuais para limpar o chão e encharcar o solo. Após vários dias, o organismo já começava a se acostumar à rotina de usar os banheiros para funções separadas.

Explicando melhor, outro aspecto que diferencia o Psicodália de outros festivais que se propõem a uma conscientização sobre impacto ambiental que deixamos no planeta é a existência do Biodália. Para além de toda a separação dos lixos e a conscientização do público para usar corretamente as lixeiras — resultando em um festival de cinco dias no qual raramente encontram-se latinhas, bitucas, preservativos ou outros tipos de lixo jogados por aí — o Biodália também cuida da recaptação de nutrientes de restos de alimentos compostáveis, e também das excretas do público. Isso se traduz na existência de banheiros secos marcados simpaticamente como “Só Cocô”, e suas contrapartidas marcadas para “Só Xixi”.

Foto de Bruno Moraes

Conversando com a Bióloga Jessica Pertile, coordenadora do Biodália, ela conta que o projeto já existe há mais de 10 anos, e hoje conta com uma equipe de limpeza com mais de 40 pessoas na equipe de limpeza, além de uma equipe operacional da compostagem, manejo dos banheiros secos, coleta, reciclagem e comunicação ambiental com outros 30 profissionais de diferentes áreas, como agroecologia, biologia, engenharia sanitária e agronomia.

“Utilizamos a metodologia da UFSC [Universidade Federal de Santa Catarina], usando cinzas, de madeira, no caso… calcário e ureia. De acordo com os estudos, essa é uma mistura que potencializa a geração de adubo. À temperatura mais alta que mata todos os patógenos. E a gente consegue utilizar o material em alguns tipos de plantio que não envolvem a planta diretamente. Não alface ou beterraba, mas numa plantação de eucalipto, um pomar, alguma coisa nesse sentido. Vai ser feita a análise desse material em agosto, e a partir disso a gente vai entender se ele está pronto para ser utilizado no ambiente”, conta Jessica. Com essa técnica, a equipe do Biodália consegue transformar a cada edição aproximadamente 4.600 Kg de fezes secas em adubo, além de compostar mais de 2.500 Kg de restos de alimento como cascas, talos e sementes.

Uma pequena parte da equipe do Biodália. Foto: Acervo pessoal de Jessica Pertile

Enquanto meus companheiros de cobertura visitavam o palco da Rádio para captar imagens de outros três shows — as bandas Lo que te Voy a Decir, Grilo e os Mosquitos e Cromatismo e Sensações — eu fui preparar pautas para as últimas entrevistas e conhecer o riozinho. Passando pela última viatura a marcar presença no festival, lembrei que parte do que motivou a decisão do Ministério Público em proibir crianças era o fato de que pessoas praticavam naturismo ao tomar banho nas águas fluviais. Sempre é possível contra-argumentar que o naturismo ocorreu nos períodos em que eu não estive no rio, mas de fato não fui exposto a nenhum “nude não solicitado” ao nadar por lá.

Foto de Rodinei Silveira

Conversamos com Djan novamente e o co-organizador do Psicodália nos contou que considera esta edição um sucesso. Não apenas porque a nova localidade — que foi encontrada por um total acaso após uma visita a outra propriedade na região não dar certo — agora arrendada e sob administração do Psicodália, se provou um cenário agradável e de natureza bem-conservada, que ações como as do Biodália têm tudo para conservar. “O desafio de implantação foi muito grande, pois tivemos de construir banheiros, estrutura de captação de água, ligação elétrica. Mas isso deixa uma base muito bem estruturada para as próximas edições, além do aprendizado daquilo que precisamos dar mais atenção! Por exemplo, melhorar o fluxo de entrada, ver onde podemos melhorar a questão da água…”, comentou. “Mas, num apanhado geral, acredito que está sendo muito lindo, o pessoal adorou demais. O tempo ajudou também, pessoal acampou, se banhou no rio… Eu tenho conversado com as pessoas, e espero que elas também conversem sobre o lugar novo para chamar gente para as próximas!”.

Carmel

Pontualmente às 18h, o Palco Lunar abriu as atividades pela última vez nesta edição. O puro rock and roll clássico e enérgico da banda Carmel não deixou espaço algum para a tristeza que vem de mãos dadas com a proximidade do fim do festival. Inspirado em clássicos do rock setentista, com destaque para bandas brasileiras como O Terço, o próprio Casa das Máquinas e O Peso, o quarteto formado no litoral catarinense apresentou faixas de seu EP de estreia, “Pensamento Livre”, em um show empolgante, cheio de perícia musical e carisma. Com canções sobre seres da noite e sobre o espírito de liberdade associado à era hippie, a banda apresentou ainda a canção “Framboesa”, feita em homenagem ao Som Nosso de Cada Dia. Poder ver rock and roll clássico veiculando ideias compatíveis com o nosso tempo — em contraste a letras misóginas, racistas e LGBTQIAPN+fóbicas de muitas das bandas da época — é um deleite que espaços como o Psicodália permitem à plateia.

Nouvella

Continuando a linha de quartetos que fazem rock clássico com ideias novas, a banda Nouvella entrou no palco em seguida apresentando um show descontraído com muito groove destacando a performance caótica da frontwoman Yasmin Zoran — que conta à plateia que, neste primeiro Psicodália de sua vida, já havia deslocado um dedo jogando badminton e quebrado um dente na “rodinha” do show do Black Pantera. A banda equilibra canções em inglês e em português, e trata de temas como machismo nos relacionamentos e responsabilidade afetiva, e foi outra grata surpresa para amantes do rock clássico que cansaram um pouco da macheza excessiva dos veteranos consagrados do gênero.

Jogo Duro

A terceira força da natureza a preparar o terreno para a chegada de Chico César ao Palco Lunar foi a pura improvisação do supergrupo Jogo Duro. A banda, formada por um conjunto de instrumentistas que começou a fazer jams de improvisação recentemente e está em fase de pós-produção do álbum de estreia homônimo, tomou o palco e a plateia de assalto com uma hora de criatividade impactante e jazz abstrato, ideias musicais que surgiam espontaneamente e jamais serão repetidas. Com um baixo (Zé Nigro), duas baterias (Samuel Fraga e Tony Gordin), sax tenor (Ilhan Ersahin), trompete (Guizado) e teclados (Chicão), Jogo Duro foi a última tempestade a visitar o festival antes que o aguardadíssimo show de encerramento se iniciasse.

Chico César

A emoção que se sentia durante o show de Chico César era algo inexplicável. O fato de ser o show de despedida certamente era um fator. Estar no Psicodália é, em parte, acreditar que é possível construir uma sociedade mais gentil, mais humana, alinhada com a cultura e com a melhoria do planeta. E o “Estado de Poesia” que Chico César trouxe àquela multidão de sonhadores era a trilha sonora perfeita para que deixássemos a pequena fazenda em Rio Rufino com um senso duradouro não apenas de paz, mas de responsabilidade de carregar aquele legado para o dia-a-dia.

O carisma infinito do músico paraibano era um importante fator para o emocional: com histórias, piadas e muita ironia, Chico construía uma barragem de riso para que as lágrimas emocionadas não sobrecarregassem ninguém. Para cada “A Primeira Vista” ou “Pensar em Você”, ele oferecia uma “Ligue o Foda-se” ou “Deus Me Proteja”. E assim, chorando, sorrindo, dançando, nos despedimos do último show daquele Psicodália. Para o dia seguinte, restava desarmar o acampamento embaixo de mais uma rodada de chuva, olhar uma última vez para a paisagem deslumbrante da Serra Catarinense e, como manda a tradição da Quarta-Feira de Cinzas, retornar para casa com saudades e belas memórias de um carnaval ímpar. Ano que vem tem mais!

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– Bruno de Sousa Moraes migrou das ciências biológicas para a comunicação depois de um curso de jornalismo científico. Desde então, publica matérias sobre ecologia e conservação da biodiversidade, e está se arriscando pelo jornalismo musical.

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