Literatura: “As pequenas chances”, de Natália Timerman, acompanha a presença da morte em um núcleo familiar

texto por Gabriel Pinheiro

Natália se vê em um aeroporto, aguardando o momento de partida de seu vôo do Brasil para a Romênia. Enquanto aguarda, encontra uma figura familiar. Bastam poucos segundos para reconhecer o médico de cuidados paliativos de seu pai, uma presença importante e constante nos momentos finais de vida de Artur. No reencontro com o médico, toda uma sorte de lembranças inundam a mente da narradora, que remonta o período da descoberta da doença do pai, a possibilidade de cura, o retorno do diagnóstico e o fim – um fim, a morte, que não é um ponto final, como ela mesmo nos diz: “mas a morte não passa, ela continua, continua, continua”.

Dividido em três partes, “As pequenas chances”, romance de Natália Timerman publicado pela Todavia Livros,  acompanha a presença da morte dentro de um núcleo familiar. A inevitabilidade deste acontecimento parece pintar de novas cores todas as possibilidades de encontro, de troca e de estar junto. Natália desenha um retrato sensível do amor entre pai e filha e tudo aquilo que permanece, apesar da perda. Se muitas chances são perdidas, outras tantas são conquistadas e permanecem guardadas no que há de mais íntimo. E, muitas vezes, são aquelas pequenas, as menores mesmo, as mais valiosas.

A autora trabalha diferentes temporalidades no romance. O passado compartilhado com o pai e o passado recente de sua morte – essa que continua, continua, continua –; o presente de uma filha órfã de pai e mãe de seus próprios filhos; o futuro que ainda irá se descortinar na aterrissagem do avião com destino à Romênia – na possibilidade de encontro com uma história familiar marcada pelo desterro e pela luta pela sobrevivência num passado na Europa marcado fatalmente pelo antissemitismo.

“As pequenas chances” é também um romance sobre o reencontro com as raízes, com os rituais que marcam tanto um pequeno núcleo familiar, quanto uma comunidade. A Natália narradora aqui (re)descobre no judaísmo uma sequência de ritos que parecem dar sentido ao fim, à despedida e à memória. A partir disso, o interesse pelo caminho trilhado pelos pais, ainda pequenos, da Europa em direção ao Brasil, a leva a realizar o caminho contrário, atenta aos pequenos sinais que possam indicar uma possibilidade de caminho de reencontro com o pai.

Natália Timerman escreveu um dos mais bonitos retratos que tive contato na literatura brasileira recente tanto da dor do luto, quanto da beleza que insiste e resiste mesmo nas memórias mais doloridas. “As pequenas chances” é um livro sobre a doença, sobre a morte e sobre o luto mas é, sobretudo, sobre o amor. Um amor que também continua, continua, continua.

– Gabriel Pinheiro é jornalista. Escreve sobre suas leituras também no Instagram: @tgpgabriel

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