Música: Apesar de um pouco irregular, “The Ballad of Darren” é tudo que se poderia esperar do Blur em 2023 (no bom sentido)

texto de Davi Caro

É irônico ver uma banda como o Blur lançar um disco como “The Ballad of Darren” em 2023. Afinal, este ano também contempla tanto o 30º aniversário de “Modern Life is Rubbish” (segundo disco do quarteto liderado por Damon Albarn, e primeiro em sua dita “Trilogia Britânica”, de 1993) quanto o 20º ano desde o lançamento de “Think Tank” (o último da segunda, mais experimental, fase da carreira do grupo, e único sem a presença do guitarrista Graham Coxon). Porém, ironia nunca foi algo faltante na trajetória do Blur. E seu mais novo trabalho, o nono da discografia da banda (que ainda conta com Alex James e Dave Rowntree no baixo e bateria, respectivamente) não fica devendo neste aspecto.

O mais novo álbum, não custa lembrar, não é o primeiro disco do Blur desde sua reunião, que aconteceu em 2009. Após um conjunto de singles lançados em 2013, os ingleses gravaram o “acidental” “The Magic Whip” dois anos depois (fruto de sessões imprevistas em Hong Kong). Porém, é justo afirmar que “The Ballad of Darren” existe em um universo muito diferente daquele habitado por seu antecessor. Desde a arte da capa, os quatro parecem revisitar muitos dos conceitos explorados em sua primeira década, especialmente na já citada trilogia iniciada por “Modern Life is Rubbish” e seguida em “Parklife” (1994) e “The Great Escape” (1995). Não escapa aos ouvidos, porém, que a banda (e Albarn, em especial) aparenta muito mais maturidade aqui. Autorreferências e arranjos nostálgicos (na medida certa) certamente saltam aos ouvidos dos fãs mais atentos, especialmente os mais devotos aos trabalhos anteriores do conjunto.

Não deixa de ser revelador que as duas primeiras faixas do disco remontem logo de cara a fases distintas do repertório do Blur: a quase faixa-título “The Ballad” abre com cordas atmosféricas que lembram clássicos como “The Universal”, ao mesmo tempo que letras mais confessionais e o uso de percussão quase eletrônica funcionem como ecos daquilo ouvido em “13” (1999); por outro lado, “St. Charles’ Square” joga o ouvinte no mesmo universo criativo que gerou tanto as canções mais barulhentas de “Modern Life is Rubbish” quanto as pérolas dissonantes do álbum homônimo (também apelidado de “disco amarelo” ou “disco da ambulância”), de 1997. Dois extremos da sonoridade do quarteto, pelos quais o restante das faixas transita ao longo do tracklist.

Já “Barbaric” prossegue com ritmos sintetizados e uma junção entre sonoridades dançantes e a voz de Albarn, mostrando sinais do tempo, cantando sobre sentimentos esquecidos e incerteza. O vocalista parece redimido na transição para a faixa seguinte, a sugestiva “Russian Strings” – que, apesar do nome, se ampara em coros discretos e bonitas melodias de piano. O astral se mantém com os violões dedilhados de “The Everglades (For Leonard)”, que traz vocais mais fragilizados de Damon, declamando sobre as muitas vezes em que achou que se despedaçaria. Os ânimos se elevam com o primeiro (e acertado) single do disco, “The Narcissist”, com presença mais discreta das guitarras até o terço final, onde Coxon pisa fundo nos pedais de distorção.

A segunda parte do disco se inicia com a singular “Goodbye Albert”, curiosamente a que chega mais perto de remeter ao trabalho paralelo de Albarn no Gorillaz (com acenos discretos ao debut solo do vocalista, “Everyday Robots”, de 2014). Com ritmos mais quebrados e pontuais descargas de seis cordas, é necessário um giro de 180° para chegar na ressaca quase-jazz de “Far Away Island”, que destoa um pouco à primeira audição e que pode, com o tempo, virar um daqueles tesouros guardados nas entranhas de uma discografia repleta de outras riquezas ocultas (destaque para as performances de James e Rowntree, para sempre uma das cozinhas mais sólidas do britpop). A dobradinha “Avalon” e “The Heights” fecha a conta do álbum, respectivamente, com metais sutis, mas marcantes e integrais à melodia, e uma introdução palhetada de guitarras que leva à uma impressionante – e desorientadora – onda de distorção que pode pegar os incautos desprevenidos, naquele que é o ápice de Graham Coxon no disco.

O saldo final de “The Ballad of Darren” mostra uma banda ainda extremamente competente, e que, pela primeira vez em anos, parece finalmente ter segurança para assumir seu legado ao mesmo tempo em que se esforça para renovar sua paleta de sons. O conteúdo lírico do disco, com Damon Albarn soando ora exausto, ora revigorado, parece refletir a carreira de uma banda que nunca pareceu ter dimensão do próprio impacto: vale lembrar que, desde a reunião da formação clássica, os planos para o Blur sempre passaram longe de ser “definitivos”, e a própria gravação do novo material acabou sendo impulsionada por fatores externos (no caso, o badalado show em Wembley que a banda realizou recentemente). Por vezes, “The Ballad of Darren” parece realmente marcar um protagonismo assumido pelo frontman (que cancelou performances de sua outra banda marcadas para 2023, a fim de focar inteiramente nos compromissos com o Blur), ainda que os demais membros – Coxon em especial – estejam longe de estarem ofuscados.

É difícil saber para onde o Blur vai daqui para a frente: um novo hiato, talvez, que serviria para os integrantes recarregarem as baterias (o guitarrista recentemente formou uma nova banda, The Waeve, que lançou seu primeiro LP este ano), ou talvez uma surpreendente decisão pela continuidade das atividades de forma mais frequente; o mistério permanece. Pelo que pode ser visto nas recentes performances ao vivo – que irá passar pela América Latina em novembro… mas (até o momento) não pelo Brasil – o quarteto ainda tem muita lenha para queimar, e poderia facilmente fazer outros bons discos em um futuro não tão distante. E, se “The Ballad of Darren” for, de fato, o último capítulo na longa história do Blur, trata-se, portanto, de um disco que, apesar de um pouco irregular, faz dignas, honestas e respeitosas reverências ao legado de uma das mais genuínas bandas dos últimos quarenta anos, que agora olha para o passado com segurança mesmo sabendo que o futuro, citando Joe Strummer, ainda não está escrito.

– Davi Caro é professor, tradutor, músico, escritor e estudante de Jornalismo

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