Com “Money” no lugar de “Music”, MITA SP 2023 quase põe a perder bons shows de Mars Volta, Lana Del Rey, Florence e Haim

texto de Marcelo Costa

MITA é o acrônimo de Music Is The Answer, que significa “música é a resposta”. Bonito, né… no papel. A sensação da segunda edição do festival, realizada no centro de São Paulo no fim de semana dos dias 03 e 04 de junho, era de que, na verdade, o acrônimo deveria ser Money Is The Answer, porque por um punhado de dinheiro a mais foi desenhada uma área vip extensa que deixou uma quantidade enorme de verdadeiros fãs a uma distância absurda de seus artistas favoritos, prejudicando a maior parte do público, gerando frustração (basta ler os comentários) e o inevitável retrato de “pista normal pegando fogo” e “pista vip atualizando fofocas” maculando um evento que já dava sinais de equivoco desde o anúncio do line-up, “combinando” uma série de artistas que nunca estariam juntos numa mesma playlist.

Foto: MITA Festival

É chato demais ficar batendo nas mesmas teclas, mas é necessário. Alguns festivais brasileiros não trabalham com pista vip, como o Lollapalooza que, espertamente, criou um espaço para ver e ser visto e quem tiver interesse nem precisa ver os shows; outros festivais tentaram encontrar alternativas para satisfazer os dois públicos, como a Popload que, nos shows que produz, costuma colocar a área vip no fundo da casa, e em festivais divide a frente do palco meio a meio, abrindo espaço para que fãs consigam colar na grade sem necessitar pagar muito mais caro para isso. A opção escolhida pela produção do MITA, no entanto, foi ainda pior porque o local dos shows em São Paulo, o Vale do Anhangabaú, não facilitava na inserção de uma área vip.

Foto: MITA Festival

Provando-se uma boa opção de eventos, desde que usado com inteligência, algo que faltou ao MITA, o Novo Anhangabaú é acessível e com várias opções de desenho que não só poderiam ampliar a experiência do público presente quanto poderia valorizar ainda mais a… música: esquecido exatamente ao lado, o Theatro Municipal seria uma opção deslumbrante para shows intimistas (como o do BadBadNotGood) assim como a Praça das Artes, convertida em espaço de produção, poderia abrigar apresentações menores ou mesmo ações que tivessem a música como força motriz. Reduzido apenas ao Novo Anhangabaú, o MITA 2023 ficou parecendo um grande corredor comercial, uma 25 de março hipster com uma área vip no palco principal limitada pela largura e, por isso, extensa em comprimento, pouco se importando com quem estava na “pista comum” se amassando na grade para tentar ver algo do palco (e não conseguindo).

Jehnny Beth / Foto de Marcelo Costa

A distância do palco para a pista normal ficou marcante já no primeiro show internacional do sábado, em que, debaixo de um solarão outonal, a britânica Jehnny Beth suou, literalmente, para conquistar o 1/3 de audiência que ocupava a área vip e também os fãs de Lana Del Rey que já grudavam nas grades divisórias da pista comum garantindo um lugar menos ruim para tentar assistir à diva no final da noite. No set de Jehnny, que relembrou com carinho quando esteve no Brasil com sua ex-banda, Savages, no Lollapalooza 2014, seis músicas de seu belo debute solo, “To Love Is to Live” (2020), a conhecida cover de “Closer”, do Nine Inch Nails, e três músicas inéditas que ele vem testando ao vivo desde o ano passado, sendo que uma delas, “More Adrenaline”, foi um dos momentos mais quentes do show, com Beth cantando na grade junto do público.

Duda Beat / Foto: MITA Festival

Uma feliz Duda Beat surgiu no segundo palco (esse corretamente com área vip na frente da mesa de som, e longe do gargarejo dos fãs), próximo do Viaduto Santa Efigênia (enquanto o palco principal tinha o Viaduto do Chá “ás costas”) para sacudir um bom público com as canções de seus dois discos e, claro, da até hoje inédita “Chapadinha na Praia”, versão de “High By The Beach”, que Lana Del Rey se recusa a liberar – mas que o público conhece na ponta da língua: “Libera, Lana”, pediu a pernambucana, que revelou ainda que não está fazendo shows no momento porque está mergulhada na produção de seu terceiro álbum, “mas um convite para tocar num festival como esse eu não podia recusar”. Com metaleira, dançarinas e banda empolgantes, o show de Duda soou muito mais bem resolvido do que a estreia de sua tour em abril do ano passado. A menina tá afiada!

BADBADNOTGOOD / Foto MITA Festival

De volta ao palco principal, foi triste demais ver os canadenses do BADBADNOTGOOD tocarem para um público desinteressado – pior: rolou comemoração quando eles deixaram o palco, sinal evidente da incompetência (e falta) da curadoria do MITA, que não sabe que preparar um line-up é como montar um DJ Set ou praticar sexo tântrico: as coisas vão fluindo naturalmente numa CONEXÃO que conduz delicadamente o público ao êxtase. Daí que após o BADBADNOTGOOD fazer um show estiloso para um público desrespeitoso veio o rapper Djonga pedindo para que todos os presentes levantassem o dedo do meio ao céu, convidasse vários casais para subir ao palco em “Leal”, e recebesse BK dizendo “esse aqui é o original” num show que soou inferior à sua apresentação incendiária no Lollapalooza 2022, mas que teve coro geral em diversos momentos.

BK e Djonga / Foto de Marcelo Costa

No palco da área vip, o DJ Harley Edward Streten, popularmente conhecido como Flume, fez de seu set “future bass” mais um momento de passatempo bocejante enquanto Lana não surgia em cena. Fica difícil imaginar que mais que três pessoas pagaram R$ 1210 de ingresso solidário para ver um DJ fingir apertar botões passando tempo com o set que já veio pronto de casa (me desculpa, mas sou desses). Foi entediante, mas não tanto quanto ouvir Natiruts tocar seu reggae pop positivista por uma interminável uma hora. Reduzido a um duo (Alexandre Carlo, vocal e guitarra, e Luís Maurício no baixo), mas acompanhado por uma competente superbanda, o Natiruts continua clamando por “liberdade pra dentro da cabeça” e “good vibration” num show soporífero. Apesar da vibe maconhista, da qual a artista posterior é notadamente adepta, colocar Natiruts antes de Lana Del Rey pode ser uma das maiores bobagens impingidas a um público de festival, mas vai que a ideia era fazer as pessoas sofrerem para entrarem no clima de cabaré da diva…

Lana Del Rey / Foto de Marcelo Costa

Com 40 minutos de atraso (uns dizem que ela ficou arrasada com a pista vip que mantinha seus fãs longe, outros que ela ficou no vape batizado ouvindo Natiruts, vá saber) Elizabeth Woolridge Grant entrou em cena visivelmente nervosa, mas a devota acolhida dos fãs – que esgotaram os ingressos do festival – foi a acalmando e fazendo com que ela se sentisse entre os seus. Daí em diante, Lana Del Rey entregou um show absolutamente impecável em seu misancene, que destaca uma bonequinha de porcelana gostosa cantando (sem playback <3) excelentemente bem – e até mastigando deliciosamente silabas de – dramas, vícios e amores. Se as canções dos discos mais recentes soam todas muito parecidas, as do primeiro álbum, “Born To Die” (2012), saltam aos ouvidos num novelão melodramático, teatralizado e arrastado tal qual o trecho final de “O Poderoso Chefão 3”, e quando, após cantar duas canções ausentes do set a pedidos dos fãs, ela se senta no balanço para interpretar “Video Games”, é impossível não se encantar pela beleza quebradiça de um espetáculo pensado milimetricamente nos detalhes, e, ainda assim, bonito demais.

Lana Del Rey / Foto MITA Festival

O domingo começou com sol quente e uma pista vip 15 metros menor (aparentemente, fizeram a mesma coisa no Rio de Janeiro), mas, ainda assim, extensa. Quase às 13h, o trio potiguar Far From Alaska adentrou o segundo palco distribuindo sorrisos de felicidade genuína além de guitarradas e canções ganchudas. Já o rapper Don L, responsável por um dos grandes discos de 2021, trouxe para o MITA seu novo show em formato banda, que inclui o genial cidadão instigado (e conterrâneo) Fernando Catatau na guitarra e o não menos honorável Thiago França (Metá Metá) no cavaquinho, sax e voz: é ele quem faz a intro matadora d’Os Originais do Samba em “Auri Sacra Fames”, que nessa tarde ainda contará com a dupla Tasha e Tracie, responsáveis pelos vocais bombásticos da faixa no álbum original. Don L conseguiu algo a se aplaudir: melhorou o que já era bom!

Don L / Foto MITA Festival

A teenager pop Sabrina Carpenter, escalada para voltar ao Brasil em novembro acompanhando Taylot Swift, ou seja, com bastante “apoio da indústria” para se tornar famosa, fez um show tão fofo quanto esquecível. O Capital Inicial focou nos hits tocando seis músicas do século passado (entre elas três do Aborto Elétrico: “Fátima”, “Música Urbana” e “Veraneio Vascaína”) e sete deste século (a mais recente do set list, “Depois da Meia Noite”, tem 13 anos!) num show correto que contou com Dinho Ouro Preto lembrando dos 12 anos que morou no centro de São Paulo (“A sensação é de estar tocando em meu quintal”, brincou). Enquanto isso, no segundo palco, o NX Zero renascia das cinzas (aquecendo-se para uma turnê produzida pela mesma produtora do MITA, o que explica sua presença aqui, ainda que não justifique) e mesmo que eu me esforce muito, nunca vou conseguir resumir o show de maneira tão perfeita quanto Marco Antonio Barbosa fez ao escrever da edição carioca do MITA. Confere aqui.

Haim / Foto MITA Festival

A ida ao Vale do Anhangabaú em pleno domingão começou realmente a valer a pena quando “Ilariê”, sim, a música da Xuxa, ecoou nas caixas de som do palco principal. Na sequência, quatro belezinhas surgiram em cena: as três irmãs Haim e uma eternamente maravilhosa Gibson SG no modelo clássico imortalizado por Toni Iommi, do Black Sabbath, aqui nas mãos de Danielle Haim, que honrou o instrumento numa versão guitarreira de “Now I’m in It”, single da reedição deluxe do álbum mais recente das gurias, “Women in Music Pt. III” (2020). O hit “Don’t Save Me” veio na sequência deixando claro que estaríamos diante de um impecável show de pop rock em que tanto o pop quanto o rock iriam ser valorizados em seus clichês mais deliciosos. Elas são divertidas, elas são simpáticas, elas são grandes instrumentistas, e querem deixar claro que não são seu “honey pie” num show que ainda teve declaração de amor à Xuxa e pedidos de indicação de lugares para curtir ali pelas “3 AM” (alguém tinha indicado D-Edge, mas o público, majoritariamente teen, queria as ver na Rua Augusta).

Mars Volta / Foto MITA Festival

No palco 2, com um improviso rolando solto logo no começo da apresentação, o vocalista Cedric Bixler-Zavala definiu: “jazz contemporâneo, free jazz, space jazz”… Era o Mars Volta em cena prestes a iniciar não só o melhor show do fim de semana no MITA, mas um dos grandes shows internacionais do ano no Brasil. Da formação original da banda que nasceu das cinzas do At the Drive-In estão no palco apenas Cedric e o inventivo guitarrista e mestre dos pedais Omar Rodríguez-López – seu irmão, Marcel, entrou na banda logo depois, e permanece até hoje. Junto a eles se juntaram em 2022 a eximia baterista Linda-Philomène Tsoungui, o endiabrado tecladista de Wurlitzer Leo Genovese e o baixista Josh Moreau, e a coesão do sexteto ao vivo é tanta que fica difícil acreditar que eles se juntaram apenas no ano passado. São apenas sete músicas no set list, a maioria delas – como “Roulette Dares (The Haunt Of)”, “L’Via L’Viaquez” e “Cicatriz ESP” – ultrapassando os 10 minutos de viagens alucinantes intermeadas com paradas bruscas, e é tudo… perfeito. Daqueles shows que a gente poderia assistir por dias… e nunca iriamos enjoar.

Mars Volta / Foto MITA Festival

Para encerrar a segunda edição do MITA debaixo de uma lua cheia enorme, Florence Welch surgiu como sempre esvoaçante para defender seu reinado de tecnopop gótico: “Não sou mãe, não sou noiva, eu sou rei”, ela canta logo na segunda música do show, e ainda que a banda se mostre bastante competente (com violino e até uma harpa em destaque), todos os presentes só querem saber de Mrs Welch, que, em determinado momento, pede para que todo o público guarde os celulares, abrace as pessoas ao lado e dance (o hit “Dog Days Are Over”) como se esse fosse o momento mais especial da vida de cada um – ela é prontamente atendida, e é difícil não se comover com todo o público do MITA, inclusive as milhares de pessoas fora da área vip, na lateral do palco, com os braços pra cima dançando enlouquecidamente. Ela ainda iria reclamar dos cinegrafistas presentes no meio do público atrapalhando a visão dos fãs e incluir uma música no bis a pedidos encerrando de maneira cataclísmica a noite com “Rabbit Heart (Raise It Up)”.

Florence + The Machine / Foto MITA Festival

Num fim de semana em que a produção colocou “Money” à frente de “Music” e provou, por a + b, que a falta de um curador profissional pode comprometer shows de artistas com enorme potencial tanto quanto transformar um line-up numa indigesta salada musical, surpreende que a música, sempre ela, tenha sobrevivido criando momentos inesquecíveis de interação entre artista e público, apesar de todos os muito pesares. Mars Volta, Lana Del Rey, Haim e Florence merecem aplausos por conseguirem se conectar com os fãs – até com aqueles distantes do palco – oferecendo arte em troca de emoção e diversão num ambiente estritamente comercial. Em um período pós pandêmico de boom de música ao vivo, com muito mais oferta de shows e festivais do que o cidadão tem condições de pagar, àqueles que oferecerem boa música com qualidade e conforto devem se destacar e conseguir fãs fiéis. Pelo que apresentou em 2023, o MITA deixou muito a desejar  (e os comentários do público no Instagram do festival referendam isso), mas os erros e equívocos estão aí para serem estudados e resolvidos para edições futuras. No fim das contas, todo mundo tem a ganhar. Que venha 2024.

Foto: MITA Festival

– Marcelo Costa (@screamyell) é editor do Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne.

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