Entrevista: Mark Arm fala sobre cachorros e o novo disco do Mudhoney, relembra shows no Brasil e conta como foi cantar no MC5

entrevista por Luiz Mazetto

Criado em 1988 em Seattle a partir das cinzas do Green River, cultuada banda local que também foi a semente de nomes como Mother Love Bone e Pearl Jam, o Mudhoney chega aos 35 anos de carreira mostrando porque continua a ser a banda mais emblemática – e confiável – da cena de Seattle dos anos 1980 e 1990.

Em seu 11º disco de estúdio, “Plastic Eternity”, lançado pela mesma Sub Pop que lançou o primeiro single da banda, “Touch Me I’m Sick”, há mais de três décadas, o quarteto formado por Mark Arm (vocal/guitarra), Steve Turner (guitarra), Guy Maddison (baixo) e Dan Peters (bateria) não decepciona e entrega mais um disco perfeito para agradar aos ouvidos dos seus fãs.

Isso não quer dizer, no entanto, que é mais do mesmo. Longe disso, aliás, já que estamos falando de um dos melhores trabalhos da banda neste caótico século XXI. Há espaço para tudo aqui, desde o som mais clássico do quarteto, com os singles “Almost Everything” e “Move Under”, músicas mais diretas, como “Human Stock Capital” e “Cry Me an Atmospheric River”, sons mais psicodélicos, “Tom Herman’s Hermits” e “One or Two”, e letras mais políticas, como “Flush the Fascists” e “Cascades of Crap”.

Na entrevista abaixo, feita por videochamada há algumas semanas, o divertido e sempre simpático Mark Arm fala sobre o disco novo, que teve uma gravação um pouco diferente dos outros trabalhos da banda por conta pandemia, relembra um Carnaval em Recife em 2001, conta como foi cantar com o MC5 em uma de suas reuniões, revela os discos que mudaram a sua vida e explica por que desistiram de lançar um disco de covers punk nos anos 1990 por causa do Guns N’Roses.

Tenho escutado bastante o disco novo, “Plastic Eternity” (2023), nos últimos dias e ele é muito intenso, tem uma ótima mistura de peso com psicodelia, com uma vibração meio de fim dos tempos. Queria saber se o resultado te surpreendeu, já que vocês trabalharam de uma forma diferente neste álbum, entrando em estúdio sem ter todas as músicas totalmente prontas e ensaiadas à exaustão por causa das restrições da pandemia. Pergunto isso porque o disco soa muito intenso e vivo. Vocês mudaram muitas coisas ou criaram muito logo antes de gravar as músicas?
Nós tínhamos a maior parte das músicas, havia apenas algumas coisas (a serem decididas na hora). Quando estamos trabalhando em algo no estúdio e estamos tentando colocar na estrutura de uma música, (sempre surge algo) como “O que fazemos agora? Precisa de outra parte, seja um refrão ou apenas outra parte”. Então houve coisas desse tipo que foram feitas no estúdio, mas de maneira bem rápida. Nós geralmente chegamos a uma decisão… mas o nosso sentimento – quando estamos falando de um processo criativo – é que o primeiro impulso geralmente é o melhor. Tivemos apenas nove dias, o que pareceu que era meio que um luxo em termos de tempo, e acabamos gravando 20 músicas. Algumas delas já tinham letras na época, outras nós meio que arranjamos como se já tivessem letras e fizemos as letras depois. Eu achava que “Little Dogs” seria uma música instrumental, por exemplo.

Essa é a música sobre o seu cachorro, o Russell, certo?
É sim.

E você costuma cantar para ele? Porque eu tenho um cachorro também e costumo sempre cantar essas músicas e letras talvez não muito boas que crio na hora para ele (risos).
(Risos) Na verdade, a letra surgiu quando eu estava ouvindo essa música no carro enquanto voltava para casa. E eu apenas comecei a cantarolar. Era quase como uma piada no começo, cantar sobre cachorros pequenos. E então eu meio que decidi “Ah não, isso ficou bem legal” (risos). É uma letra que me deixa feliz, não sei se vai deixar qualquer outra pessoa feliz (risos) – (Nota: nesse momento Mark mostra uma foto do cachorro, um simpático Spitz Alemão, em seu celular).

E ele já ouviu a música?
Se ele já escutou a música? Sim, mas não acho que ele tenha gostado tanto quanto deveria (risos).

Ainda sobre o disco. Apesar de suas letras e títulos de músicas sempre terem muito senso de humor, senti que vocês estão talvez um pouco mais “putos” do que o normal neste álbum. Essas letras já estavam na sua cabeça durante a pandemia com todas essas coisas incríveis acontecendo no mundo, como o Trump e Bolsonaro no poder, entre outros, o movimento anti vacina, teorias da conspiração absurdas, o aquecimento global? Eram coisas em que você já estava pensando nesses últimos anos?
Com certeza. O nosso disco anterior, “Digital Garbage” (2018), é um disco nervoso e voltado para problemas. Eu tenho 61 anos de idade e sou casado há quase 30. Não é como se eu ainda tivesse muitos problemas amorosos, angústias adolescentes. Então não sei, não sou mais autocentrado ou envolvido comigo mesmo como você costuma ser quando está na faixa dos 20 anos de idade. Os assuntos abordados em faixas como “Cascades of Crap” e “Plasticity” são coisas que já acontecem há algum tempo. O consumismo já é um problema há… penso que é algo que realmente aumentou no século XX e mais recentemente também, com coisas como fast-fashion ou colocar tudo em plástico, mesmo não sendo necessário. O fascismo parece ser algo que continua tentando colocar sua cabeça feia para fora vez ou outra. Algumas dessas músicas são apenas canções psicodélicas ou sobre pequenos cachorros e não tem nada a ver com essas coisas (risos). Há também uma música chamada “Tom Herman’s Hermits”, sobre um dos nossos guitarristas favoritos (nota: ex-guitarrista da cultuada banda de punk/música experimental Pere Ubu). Não é tudo sobre desgraça e melancolia (risos).

Desde o “Lucky Ones” (2008), se não me engano, vocês estão levando um pouco mais de tempo entre seus discos, cerca de cinco anos entre cada álbum.
É, acho que desde que o Guy (Maddison, baixista) entrou para a banda (nota: isso aconteceu em 2001). Talvez entre.. .eu não me lembro quanto tempo foi entre o “Since We’Ve Become Translucent” (2002) e o “Under a Billion Suns” (2006), mas provavelmente foi algo próximo de cinco anos (nota: foram quatro anos entre esses dois discos e dois anos entre “Under a Billion Suns” e o seguinte, “The Lucky Ones”, de 2008, a partir do qual começa o intervalo de cinco anos entre os três discos seguintes). Não há como saber quanto tempo teria levado se não tivesse tido uma pandemia que durasse tanto tempo quanto durou – quer dizer, eu imagino que não teria levado tanto tempo (para fazer o disco). E a pandemia não tinha terminado de nenhuma maneira quando começamos a nos reunir para compor, mas todos já tínhamos tomados as duas primeiras doses das vacinas, então nos sentimos seguros o bastante para nos encontrar. O Guy estava trabalhando na época no Harborview, que é algo como o centro de traumas na cidade (em Seattle), o hospital que precisa receber todas as pessoas. Por um tempo, ele foi o coordenador do departamento de COVID por lá. Acho que o restante de nós tinha um pouco de medo, do tipo “Ele estava bem no meio daquela coisa toda. É melhor ficar longe do Guy” (risos). Mas ele nunca pegou COVID. E nós todos pegamos na nossa primeira tour nos EUA pós-pandemia (risos). Porque de repente estávamos tocando na frente de pessoas que não estavam usando máscaras e que estavam respirando a uns 50 centímetros da gente. Felizmente já estávamos todos vacinados. Foi meio terrível, mas não foi nada que ameaçasse as nossas vidas.

Você já veio várias vezes ao Brasil com o Mudhoney, e também com o MC5, nos últimos 20 anos. Por isso, queria saber quais as suas lembranças dessas viagens, houve algo que tenha te chamado a atenção? Você já sabia algo sobre o Brasil antes de vir pra cá?
Eu sabia algo sobre o Brasil, mas não tínhamos nenhuma experiência tão próxima. Nós sabíamos que o idioma era meio que escrito de forma parecida com o espanhol, mas não sabíamos o quanto soava diferente até irmos para aí (risos). Onde eu vivo, não há ninguém que fale português, por exemplo (risos). Acho que da primeira vez que fomos (em 2001), ficamos positivamente surpresos em como o público brasileiro é incrível e entusiasmado. É um dos nossos lugares favoritos para tocar. Não é (fácil ir praí)… Por exemplo, não conseguimos fazer tantos shows no Brasil quanto conseguimos na Europa ou nos Estados Unidos. Nosso amigo André Barcinski (nota: que montou a produtora MAR e está trazendo ao país o Brian Jonestown Massacre) está tentando nos levar de volta para o Brasil e estamos tentando entender a melhor maneira de fazer isso. Apenas temos algumas coisas que precisamos fazer antes. Mas nós vamos voltar. Na primeira vez que tocamos em São Paulo, lembro que tocamos em um teatro que era lindo (nota: a banda se apresentou no Olympia).

E o que achou de quando tocaram fora de São Paulo e Rio de Janeiro, em lugares como Recife, por exemplo?
Só estivemos uma vez em Recife, se não me engano, da primeira vez que fomos para o Brasil (nota: a banda tocou na cidade em 2001 no festival Rec-Beat). Nós nos divertimos muito lá, foi o último show da turnê, então ficamos alguns dias a mais para o Carnaval. Nós nunca tínhamos visto um Carnaval no Brasil antes. Isso foi antes do Guy entrar para a banda, o nosso amigo Steve Dukich fez a tour conosco. Lembro dele no primeiro dia do Carnaval dizendo: “Isso é incrível, todo mundo é tão amigável, eles estão bêbados e felizes e amigáveis. Se fosse nos EUA, já teria um monte de brigas e tudo mais” e eu falei: “É, mas é apenas a primeira tarde” (risos). E uns dois ou três dias depois, você podia ver que algumas das pessoas que claramente estavam viradas dos últimos dias com uns olhares do tipo “Não fode com a gente”, um tanto imprevisíveis (risos). E lembro de falar “Steve!” (risos). É algo universal (risos).

Há alguns anos, entrevistei o Dale Crover, do Melvins, e falamos sobre o Black Flag por conta do cover de “My War” que vocês fizeram juntos. Ele me disse que na época desse disco (de 1984), você os entrevistou e perguntou o que eles estavam escutando na época e eles responderam Dio, mas você ficou sem realmente entender se eles estavam falando sério ou estavam brincando. Você se lembra disso? E acabou descobrindo se eles estavam realmente curtindo Dio.
(Risos) Bom, eu não esperava que eles (dissessem isso)… Eles apenas disseram Dio. E eu não esperava, naquele momento, que eles estivessem falando sobre Ronnie James Dio. Foi algo que meio que passou por mim e eu fiquei meio “O que? Como assim? Que palavra foi essa que você disse?”, tentando me certificar que tinha entendido corretamente. E o Greg Ginn (guitarrista e líder do Black Flag) fala “Dio, significa Deus em italiano” (risos). Eu fiquei meio “Oh, Ok”. E eles claramente estavam curtindo (Dio). Há algumas músicas no “Slip it In” (1984) em que quase parece que eles estavam tentando emular o “Holy Diver” (disco do Dio de 1983) ou algo assim, esse tipo de som. E eu acho que você precisa ter uma voz melhor do que a do Henry (Rollins, vocalista da banda na época) para conseguir fazer isso (risos).

E você curtia algo do Dio na época, seja o Rainbow, o Black Sabbath ou a carreira solo dele?
Não muito na época. Isso é um pouco estranho. Apenas por causa da minha idade, e por eu não ter irmãos e irmãs mais velhos, eu não curtia… O auge do Black Sabbath meio que aconteceu quando eu tinha uns 10 anos de idade ou menos. Eu só fui gostar de Black Sabbath depois de gostar de hardcore. E então eu realmente passei a curtir Black Sabbath, porque era algo novo para mim. E também bandas como Saint Vitus e Trouble, que estavam passeando pelo mesmo território naquela época. Achava isso realmente incrível. Penso que o Dio é um vocalista realmente incrível, mas para o Black Sabbath eu prefiro o Ozzy. O Ozzy é um vocalista bom, mas estúpido, se isso faz algum sentido. Tipo, às vezes você apenas segue a melodia da música. E penso que essa é uma das coisas que torna a banda tão acessível. É quase algo como “Eu posso fazer isso”, da mesma maneira que o punk, ainda que os riffs do Sabbath sejam muito mais complexos (risos).

Falamos sobre o Black Flag, e além de “My War”, que vocês gravaram com o Melvins, vocês tocavam outro cover deles, “Fix Me”, além de músicas de outras bandas como The Dicks (“Hate the Police”). Por isso, gostaria de saber se vocês já pensaram em fazer um disco apenas de covers?
Nós já gravamos muito covers. Durante a pandemia, na fase de lockdown, quando não estávamos nos reunindo e não sabíamos quanto tempo aquilo tudo ia durar, uma das ideias que surgiram para comemorar os 30 anos de “Every Good Boy Deserves Fudge” (1991) foi reunir todos os covers que fizemos ao longo dos anos – mas provavelmente mais focado no lado mais punk. Originalmente, nós tínhamos planejado fazer um disco de covers de punk durante a época do “Every Good Boy Deserves Fudge”. Nós já chegamos a ir para o estúdio do Conrad (Uno, engenheiro de som que trabalhou no disco) e gravamos vários covers de punk e hardcore. Isso foi principalmente para testar o estúdio, ver se gostávamos e tudo mais. E sempre fazemos isso desde então. Mas o lance é que não fizemos um disco de covers porque o Guns N’Roses anunciou na época que ia fazer um disco de covers de punk (“The Spaghetti Incident”, de 1993, que traz a banda fazendo versões de New York Dolls, Stooges, The Damned, Dead Boys, Misfit e Sex Pistols, entre outros). E nós pensamos “Bom, não podemos fazer isso agora. Isso já foi tomado”. E obviamente a nossa lista de covers de punk era bem diferente da seleção feita pelo Guns N’Roses.

Sim, mas eles têm algumas boas músicas naquele disco.
Sim, sim! Mas nossas escolhas seriam diferentes. E nós soamos muito diferentes deles (risos). Mas o mais engraçado para mim é que na época nós estávamos com medo de fazer a mesma coisa que o Guns N’Roses, como se alguém fosse conectar as duas coisas de alguma forma (risos).

E há algum tempo, em 2015, você fez um show em tributo ao Stooges com o Duff (McKagan, baixista do Guns N’Roses, mas originalmente de Seattle, onde tocou em várias bandas punks locais nos anos 1980), com uma banda chamada Raw Power, que também tinha o Mike McCready (Pearl Jam) na guitarra e o Barrett Martin (Screaming Trees e Mad Season) na bateria.
Eu conheço o Duff há muito, muito tempo, antes de ele se mudar para Los Angeles. Eu não o conhecia bem, mas o conhecia. Ele tocou em uma das minhas bandas favoritas de todos os tempos, 10 Minute Warning.

Falando em covers, alguma vez vocês chegaram a gravar um cover do Wipers? Porque sei que eles eram uma banda muito importante para vocês.
Não, nunca gravamos. Os Wipers são tão bons que são quase intocáveis (risos).

Sim, o Melvins e o Nirvana e algumas outras bandas fizeram cover deles.
Sim, o Melvins faz um cover incrível de “Youth of America” (do disco de mesmo título lançado em 1981). Eu me lembro da primeira vez que escutei essa música. Estava em uma loja de discos e esse álbum estava tocando. Me lembro de pensar ‘Que porra é essa? É punk e psicodélico, ao mesmo tempo?’ Antes de começar a curtir punk, eu era muito fã do Jimi Hendrix. E nunca dei as costas para o Jimi Hendrix (risos). Era apenas essa união incrível dos meus estilos favoritos de música.

E é verdade que vocês chegaram a tentar ter o Greg Sage produzindo um dos primeiros discos do Mudhoney?
Sim, o Bruce Pavitt (da Sub Pop) estava em contato com ele e nós achamos que seria realmente incrível poder ter ele produzindo. Porque ele gravou algumas bandas de Portland.

Ah sim, o Napalm Beach e algumas outras coisas!
Sim! Os Neo Boys também e acho que muitas outras coisas. Então pensamos que seria super legal poder ter ele gravando o nosso primeiro single. Mas ele recusou educadamente. Acho que naquele momento, por volta de 1988, ele não estava mais fazendo isso tanto.

Sempre gosto de fazer essa pergunta. Gostaria que você me dissesse três discos que mudaram a sua vida e por que eles fizeram isso. Não precisam ser os únicos três, mas três dos discos que mudaram a sua vida.
Ok. Vou começar com o “Desolation Boulevard” (1974), do Sweet. Esse foi o primeiro disco que comprei com o meu próprio dinheiro. Quando estava crescendo, ouvir rock não era algo realmente permitido na minha casa. Não era nada cristão ou relacionado a moralismo, mas porque a minha mãe era uma cantora de ópera e ela apenas pensava que era uma música de merda. Eventualmente, as regras foram um pouco relaxadas e pude comprar um disco. E, nesse ponto, eu já vinha comprando discos de 7 polegadas de 45RPM, porque eles eram pequenos o bastante para entrar com eles em casa e esconder na gaveta, para escutá-los quando os meus pais tivessem saído. Eu tinha o “Fox on the Run” (1974), que era um sucesso na rádio. Então o “The Ballroom Blitz” (outro single de 1974) saiu e eu fiquei pensando “Porra, já são duas músicas muito boas, aposto que o resto do disco também é” (risos). E, felizmente, esse era o caso (risos). Não sei o quanto você está familiarizado com esse disco, mas a versão do Reino Unido tem algumas músicas diferentes. Há um outro disco da mesma época (“Sweet Fanny Adams”, também de 1974) e esses dois álbuns foram combinados para a versão de “Desolation Boulevard” nos EUA. O disco original (no Reino Unido) tinha um cover do The Who (de “My Generation”), mas a versão dos EUA meio que condensa tudo, e acho que eles fizeram realmente uma ótima escolha em escolher as melhores músicas.

Quantos anos você tinha quando comprou esse disco?
Uns 12, 13 anos de idade, por aí. Foi uma longa batalha (risos).

E você já vivia em Seattle na época?
No subúrbio. Mas naquela época eu já tinha aprendido que você podia pegar um ônibus para ir até (o centro de) Seattle, que levava cerca de uma hora. Também era um pouco de liberdade, porque eu podia levar meu skate e andar pelo centro da cidade. De qualquer modo, isso é algo totalmente diferente. Hmm, pensando em outro disco, acho que iria com o “Q: Are We Not Men? A: We Are Devo” (1978), do Devo. Eu os perdi nas primeiras turnês, mas os vi na tour do “Freedom of Choice” (1980). Isso foi na época que eu estava começando a curtir punk e descobrindo algumas coisas mais underground. Eu já tinha ido a alguns shows em arenas, que eram esses eventos gigantes em que você se sentia uma formiga em um mar de gente. E as bandas ficavam no palco lá longe. O que parecia Ok até eu assistir ao show do Devo em uma casa de shows pequena, que era um antigo salão de bailes que tinha uma pista de dança de madeira que tinha um pouco de ressalto. Todo mundo estava pulando, e não tinha como não pular porque o lugar estava muito cheio. De alguma forma, eu consegui ir passando em meio ao público até chegar a um ponto em que só tinha uma pessoa na minha frente antes do palco. A banda estava logo ali e eles regressam (“devolve”), eles começaram com as roupas da turnê do “Freedom of Choice”, tocando as músicas desse disco, e depois de alguma forma as coisas foram saindo e eles estavam vestidos como na turnê do “Duty Now for the Future” (1979), para tocar as músicas desse álbum. E, por fim, eles terminaram com os macacões amarelos do “Q: Are We Not Men? A: We Are Devo”. Lembro que, em um determinado momento do show, o Bob 1 (Bob Mothersbaugh) estava fazendo um solo de guitarra e eu meio que subi no público e acabei chegando perto dele e toquei no braço da guitarra e ele me acertou na cabeça e eu fiquei “Porra, é isso aí!” (risos). Eu pensei “Não vou mais ferrar com a sua guitarra, mas isso não é algo que acontece no show de arena”. Para mim, a partir daquele momento, passei a preferir sempre shows pequenos, em casas de shows, tanto para tocar quanto para ir assistir algum artista. Há algo meio selvagem e louco em tocar em estádios de futebol gigantes, como quando tocamos com o Pearl Jam no Brasil (no Pacaembu em 2005), com dezenas de milhares de pessoas em sincronia, há algo incrível sobre isso. Mas eu sinto que se eu fosse uma dessas pessoas, eu preferiria não…Quer dizer, é claustrofóbico, você sente que pode ser pisoteado (risos).

E, para terminar, acho que tenho que ir com o “Funhouse” (1970), do Stooges. Acho que escutar o Stooges foi o que me colocou na trajetória que eu acabei seguindo desde então. O primeiro disco deles que eu escutei, na verdade, foi o “Raw Power” (1973), porque estava disponível em alguma promoção. Basicamente não estava vendendo, por isso eles baixaram o preço. E eu pensei “Isso é legal, é estranho”, eu não sabia exatamente o que pensar da mixagem na época, porque soava muito diferente do que você ouvia no rádio com bandas como Boston ou Journey, essas merdas. Então foi algo meio desnorteante. E ouvir o primeiro disco deles (autointitulado, de 1969) foi meio que um choque. Tinha uma loja que tinha os dois primeiros discos em versões canadenses. Comprei o primeiro disco e a única coisa que eu conseguia comparar, que eu entendia na época, era um pouco como o The Doors, um pouco como o Jimi Hendrix, mas claramente o jeito de tocar não era como o Jimi Hendrix, de maneira alguma. É mais alguém que não é tão talentoso, mas surgindo com o seu próprio lance (risos). E não tinha a pretensão do The Doors, o aspecto poético ou qualquer coisa do tipo. Era algo meio direto e simples, mais relacionável. Eu comecei a curtir os Stooges porque quando estava começando a curtir punk, eles eram um nome que sempre surgia, algo como “Essa é a base, a fundação desse novo movimento”. E sinto que o “Funhouse” realmente é o seu próprio lance. Você consegue ouvir influências de James Brown, do Pharoah Sanders, especialmente no labo B. A construção de músicas como “TV Eye” e “Down on the Street”, elas são muito diferentes do que era feito na época. E elas são muito agressivas, o que eu gostava muito. Nos 1970, a fusão de rock e jazz era algo, mas no final dos anos 1970 já estava soando um pouco fraco, não era mais o Miles Davis ali no canto. Era algo que você acha que é rock, acha que é jazz. Mas se você escutar o “Funhouse”, essa é a fusão entre rock e jazz que deveria ter acontecido. É um disco pesado e há ali um componente de liberdade, há barulhos por todos os lugares. Acho que foi uma oportunidade perdida para todos os outros proponentes da fusão entre jazz e rock (risos).

Essa é a última pergunta. O Mudhoney completa 35 anos de carreira neste ano, vocês já tocaram em boa parte do mundo. Além disso, você já tocou em diversas outras bandas e projetos e colaborações, incluindo ter participado do MC5 no começo dos anos 2000. Por isso, gostaria de saber do que você tem mais orgulho na sua carreira?
Ah, eu não sei. Não passo realmente muito tempo pensando e lembrando da minha carreira (risos). Não sou uma pessoa muito nostálgica. Mais frequentemente, acho que quando penso em coisas assim, fico apenas impressionado que elas tenham acontecido. Houve uma época em que nunca pensei que fosse poder ver os Stooges, os Scientists ou os Flesh Eaters, com a formação do “A Minute to Pray, A Second to Die” (1981), muito menos dividir o palco com eles. E a ideia de ser convidado pelo Wayne Kramer para participar de uma versão do MC5 com os três integrantes originais remanescentes na época, isso foi algo tão louco. Eu tive tanto medo de foder tudo. Porque essa é uma banda que muita gente tem um sentimento especial, eu inclusive. O Rob Tyner era um vocalista incrível. E, felizmente o Wayne disse “Nós não estamos pedindo para você preencher o espaço do Rob”. Não era uma banda tributo em que colocaria uma peruca para tentar fingir que eu era o Rob Tyner. Isso foi algo realmente impressionante.

–  Luiz Mazetto é autor dos livros “Nós Somos a Tempestade – Conversas Sobre o Metal Alternativo dos EUA” e “Nós Somos a Tempestade, Vol 2 – Conversas Sobre o Metal Alternativo pelo Mundo”, ambos pela Edições Ideal. Também colabora coma a Vice Brasil, o CVLT Nation e a Loud! A foto que abre o texto é de Emily Rieman.

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