Duas vezes Mudhoney

por Marcelo Costa

No momento em que completa 20 anos de sujeira, o Mudhoney brinda seu público e o rock and roll com um caprichado lançamento duplo: uma edição luxuosa com mais de 30 canções de “Superfuzz Bigmuff”, estréia da banda em 1988, e “The Lucky Ones”, oitavo trabalho do grupo de Mark Arm, que insiste em mostrar ao mundo como o rock pode ser desavergonhadamente barulhento e ao mesmo tempo interessante.

“Superfuzz Bigmuff” veio ao mundo em formato EP com seis canções, mas dois anos depois a Sub Pop já engordava o disquinho com mais seis faixas, os “Early Singles” como apresenta a versão nacional lançada pela Trama no começo da década. Esta reedição de luxo traz – além das doze faixas anteriores e duas faixas raras – três versões demo e quinze ótimos registros ao vivo da época em Berlim (16/11/1988) e na rádio KCSB-FM de Santa Bárbara (10/10/1988), nos Estados Unidos.

Impossível falar desse álbum sem passar pelas versões originais dos standarts arrasa-quarteirão “Touch Me I’m Sick”, “Sweet Young Thing Ain’t Sweet No More” e “Hate The Police”. A primeira aqui reaparece em duas versões ao vivo (a primeira com áudio prejudicado na introdução, mas recuperado a partir do primeiro refrão) e a segunda surge numa versão ao vivo fidelíssima registrada no show na Alemanha, 1988, com Mark Arm berrando a letra até onde seu vocal consegue alcançar.

“Mudride”, um dos épicos do primeiro EP, aparece em quatro (!!!!) versões, mas é na comparação do registro oficial com a demo que pode-se avaliar o excelente trabalho do produtor Jack Endino nos primórdios do grupo. Destaque ainda para “Twenty Four”, primeiro lançamento oficial do grupo – que já havia aparecido na obrigatória coletânea “March To Fuzz”; “The Rose”, da rara coletânea “Sub Pop 200”; “Here Comes Sicknes” em matadora versão ao vivo; e os 14 minutos demolidores de “Dead Love”.

Já “The Lucky Ones” continua seguindo a trilha de barulho aberta nos anos 2000 pelo ótimo “Since We’ve Become Translucent” (2004) e seguida pelo bom “Under a Billion Suns” (2006). Nada de invenção, prega o Mudhoney. O que interessa é guitarra e baixo afundados em um denso lodo de sujeira, a bateria limpa de Dan Peters e o vocal personal de Mark Arm tentando hipnotizar o ouvinte.

O álbum abre em alto nível com o “I’m Now”, uma porrada dançante de riff forte cujo refrão repete: “o passado não faz sentido / o futuro parece tenso”. O apelo sexual do título “Inside Out Over You” é embalado por uma bateria galopante e um ótimo riff psicodélico. A faixa título entra para o rol de canções destruidoras do Mudhoney, e deve ensurdecer desavisados ao vivo.

O pedal fuzz faz do riff de “Next Time” uma barulheira sem fim. “And the Shimmering Light” é uma das surpresas do disco com seu clima de rock nonsense, o break bluesy no meio e o tédio do refrão que diz: “Não há nenhuma palavra que explique o que você sente”. O baixo provoca na abertura de “The Open Mind”, que traz uma poderosa guitarra circular e a voz de Arm mais enfiada na mixagem do que costume.

“What’s This Thing?” destaca um refrão pegajoso enquanto “Running Out” paga tributo aos Stooges (como quase todo o álbum, na verdade). “Tales of Terror” é o momento quebra tudo do disco, uma homenagem ao grupo punk homônimo que já havia sido gravado por Mark Arm quando ainda integrava o lendário Green River. Uma porrada acelerada e destruidora que deve render momentos inesquecíveis em shows.

A arrastada “We Are Rising” anuncia que o disco está chegando ao fim, e embora o vocal de Mark Arm alcance momentos de brilho, a suavidade da melodia (com a barulheira afastada na mixagem) não convence, porém “New Meaning”, número de encerramento, traz à tona o bom e velho Mudhoney, mesmo com Dan Peters variando os ataques na bateria e a guitarra soando deliciosamente limpa no solo.

Entre “Superfuzz Bigmuff” e “The Lucky Ones” (que está ganhando edição nacional via Inker), passado e presente, lá se vão 20 anos de bons serviços prestados ao rock and roll. Comparativamente parece que se passaram apenas alguns segundos. Ainda bem. Os sortudos somos nós.

“Superfuzz Bigmuff – Deluxe Edition”, Mudhoney (Sub Pop)
Preço em media: R$ 65 (imporado)
Nota: 10

“The Lucky Ones”, Mudhoney (Inker)
Preço em media: R$ 25 (nacional)
Nota: 8

– Marcelo Costa (@screamyell) edita o Scream & Yell e assina a Calmantes com Champagne

3 thoughts on “Duas vezes Mudhoney

  1. Eu sempre brinco que é fácil gostar do Mudhoney. É o tipo de banda para admirar. The Lucky Ones é um petardo repleto de podreira. Disco para escutar no ultimo volume…

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