Entrevista: Bruce Pavitt (Sub Pop)

por Juliana Torres

É sempre simples. Você é DJ nas festas da cena musical da sua cidade. É amigo das bandas indies da região. Tem aquele amigo apaixonado por música disposto a topar qualquer negócio e um projeto de uma noite se torna um plano e o plano se torna um selo independente. A Sub Pop não foi a primeira gravadora indie do mundo, mas, com certeza, foi uma das primeiras a lidar com um sucesso tão grande e tão rápido. Isso pode ser atribuído, entre tantas outras coisas, a um disco lançado em setembro de 1991 e que mudaria a história da música no mundo.

“Nevermind” transformou Bruce Pavitt e Jonathan Poneman, fundadores da Sub Pop, em gurus do rock underground. Mas antes da primeira vez que aqueles power chords de “Smells Like Teens Spirits” foram tocados ao vivo no Ok Hotel, em Seattle, o LP de estreia, “Bleach”, foi apenas um sucesso indie na época. E foi em 1989 que a gravadora decidiu que era hora de enviar uns tais de Nirvana em uma turnê com outras duas bandas mais estabelecidas do selo: TAD e Mudhoney (essa se juntaria a turnê durante o LameFest, no Reino Unido). A banda viajaria pela Europa por 42 dias em uma van da Fiat apertada e definitivamente inapropriada para a missão. Durante todo o percurso, Kurt Cobain seria responsável por segurar baldes com vômitos do TAD – que àquela época também sofria de problemas estomacais. Em “Nevermind” nos encontramos novamente com essa história em “Breed”, música batizada em homenagem ao remédio contra diarréia de Tad Doyle.

Um mês depois do início da turnê, Pavitt e Poneman se juntaram às bandas em Roma, e com uma pequena câmera Olympus, Bruce capturou os detalhes e a magia de oito dias da turnê que seria um divisor de águas para o Nirvana. Desde a rápida separação em Roma até a brilhante performance no Astoria Theather (hoje Rainbow Theater), em Londres, em dezembro de 89. O resultado é o livro “Experiencing Nirvana: Grunge na Europa, 1989”, que será lançado em 14 de novembro, pela Bazilion Points Book. O livro – US$ 29,95 na pré-venda – conta com fotos dos shows, registros da estrada, mapa interativo e as palavras emocionadas de Bruce Pavitt, que também capturou a reação das pessoas ao acompanharem de perto o nascimento do que seria um dos mitos da música e uma das maiores bandas dos últimos 25 anos.

Em conversa por e-mail, fizemos 8 perguntas sobre os 8 dias capturados por Bruce Pavitt durante a primeira passagem do Nirvana pelo velho continente. Entre características do grunge e o processo de pesquisa, Pavitt deixa claro que tudo mudou depois de 1991. Confira o bate papo. A legenda para cada uma das fotos está no fim do texto.

Você começou a Sub Pop como um fanzine em 1980. Nove anos depois estava enviando para a Europa uma banda que se tornaria uma das maiores do mundo. Quais são as suas lembranças desse período de nove anos em que mudou tanta coisa?
Lembro-me de ouvir um monte de discos indie / punk que raramente venderam mais de 2000 cópias e ir a shows dessas bandas que raramente tinha mais de 200 fãs na plateia. Eu estava muito dedicado a apoiar a música indie local. O fato de que uma dessas bandas se tornou a maior banda dos últimos 25 anos é bastante surpreendente.

Você descreve o grunge como uma música “sentimental”, mais do que o punk. Você acha que as pessoas confundiram esse sentimento profundo com angústia?
“Teenage angst has paid off well”. Outra forma de dizer isto pode ser: música genuinamente sentimental, que tem profundidade emocional, potencial de ressoar em muitas pessoas. A música que destaca as emoções mais profundas vai resistir ao teste do tempo.

O livro está disponível em duas versões, física e virtual, contém fotos inéditas, mapas interativos, arquivos de áudio e suas considerações sobre os nove dias da turnê. Quanto tempo durou o trabalho de pesquisa e preparação para esse livro? Como foi o processo?
Esses projetos levam muito tempo. Além de contar minhas próprias experiências pessoais e compartilhar minhas fotos, pesquisei datas da turnê, artigos de imprensa licenciados e incorporei imagens surpreendentes do Lame Fest no Reino Unido para as fotos da edição em capa dura.

O livro mostra um Kurt Cobain muito diferente do que vimos em sua última turnê pela Europa em 1994. Essa fase mais tranquila, pré-“Nevermind”, está bem identificada no livro?
O Nirvana pré-“Nevermind” é capturado em detalhes vibrantes em “Experiencing Nirvana”. Kurt estava se encontrando como compositor e como intérprete neste momento. Eu acredito que o desempenho triunfante do Nirvana no Lamefest Reino Unido, de 1989, primeiro showcase internacional da Sub Pop, deu-lhe a confiança necessária para alcançar coisas maiores.

Uma das coisas mais legais sobre os anos 90 é que não havia muita competição entre as bandas. Durante essa turnê de quase 50 dias você conseguia ver o Mark Arm curtindo o show do Nirvana e entendendo o quão importante era aquilo. Como você descreve esse período do tempo?
Uma das coisas mais legais sobre a década de 80 é que houve um profundo sentimento de camaradagem entre as bandas indies. Nenhuma banda tinha conseguido um espetacular sucesso, por isso havia menos ciúme e apoio mais sincero. Isso só mudou depois de “Nevermind”. Depois de “Nevermind”, todo mundo queria ser uma grande estrela do rock.

Nós lemos coisas terríveis sobre o TAD e seus problemas de estômago, seu constante mal-estar. Qual foi o clima que você encontrou quando se juntou às bandas em Roma? Foi difícil fazer tudo isso acontecer?
Quando Jon (Poneman) e eu nos encontramos com Nirvna e Tad em Roma, o TAD estava bem, mas Kurt estava sofrendo de esgotamento nervoso. Acredito que Jon e eu fomos capazes de ajudar a revitalizar o ânimo de Kurt, para que pudéssemos continuar e nos apresentarmos no Lames Fest, o maior show da carreira do Nirvana, até esse ponto.

Quais você acha que foram as principais contribuições desses oito dias de turnê retratados no livro, para tudo o que surgiria a partir de 1991?
Os oito dias na “micro-história” que narramos mostram as lutas e triunfos, e os detalhes de uma versão anterior e mais íntima da história de sucesso do Nirvana.

Você pode falar um pouco mais sobre tiragem e sobre os formatos de lançamento do livro. E, como não poderia faltar, será que conseguiremos o Experiencing Nirvana em português?
O impresso será lançado através da Bazillion Points (Bazillionpoints.com) e será publicado em novembro deste ano. A pré-venda receberá um pôster especial. Desculpe, mas nada em português!

– Juliana Torres (@jukiddo) é jornalista e assina o http://jukiddo.tumblr.com/

Legendas para as fotos:
1. Kurt Cobain foi a primeira pessoa que Jonathan Poneman e Bruce Pavitt encontraram no Piper Club, Roma, 11/27/89 (Foto por Bruce Pavitt)
2. Mark Arm rola no palco do LameFest, em Londres. Kurt Cobain está ao fundo, na plateia, segurando uma latinha de cerveja, 12/3/89 (Foto por Steve Doublec)
3. Tad Doyle no London Astoria, 12/3/89 (Foto por Steve Doublec)
4. Com Bruce Pavitt ao fundo, Kris Novoselic se prepara para reduzir seu contrabaixo a migalhas em Londres, 12/3/89 (Foto por Steve Doublec)
5. Kris Novoselic, Kurt Cobain e Tad Doyle em Zurique, 11/30/89 (Foto por Bruce Pavitt)
6. “A presença de palco das bandas britânicas era tipicamente discreta enquanto as bandas de Seattle eram absurdamente exageradas. Quando os europeus viram a energia de nossas bandas, ninguém ficou parado”, Londres, 12/3/89 (texto e foto por Bruce Pavitt)
7. O moletom da turnê, Roma, 11/27/89 (Foto por Bruce Pavitt)
8. Kurt Cobain conversa com Jon Poneman, cofundador da Sub Pop, sobre o desgaste da turnê. O futuro do Nirvana estava em perigo, mas pela manhã a banda tinha decidido ficar junta. Roma, 11/27/89 (Foto por Bruce Pavitt)
9. Kurt Cobain assina um dos seus primeiros autógrafos, na Rough Trade Records, Londres, 12/4/89. “Ficamos felizes em estar no centro físico do indie rock em 1989. Nós ficamos um pouco surpresos que muitos dos cartazes defendiam bandas norte-americanas (finalmente)! Dentro de dois anos o Nirvana seria uma sensação global”. (Foto por Bruce Pavitt)

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– Indústria ganha sobrevida investindo em reedições de deixar fã sem dormir (aqui)
– “Nevermind” é, ainda hoje, um disco atual e sensacional, por Marcelo Costa (aqui)
– Entrevista com Steve Albini, por Elson Barbosa (aqui)
– O box “With The Lights Out” e “Nevermind Classic Albums”, por por Marcelo Costa (aqui)
– Duas são as maneiras de se ver a coletânea “Nirvana”, por Marcelo Costa (aqui)
– “Bleach – Deluxe Edition”, Nirvana, por Marcelo Costa (aqui)
– Entrevista: Marcelo Orozco fala sobre o livro “Fragmentos de Uma Autobiografia” (aqui)
– Entrevista: Charles Cross fala sobre “Heavier Then Hell”, por Victor Hugo Lopes (aqui)
– Um grupo de votantes aponta “Nevermind” como o Melhor Álbum dos anos 90 (aqui)

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