Ao vivo: Vivendo fase altamente produtiva, Lô Borges passeia pela carreira e cobra o governo mineiro em grande show em BH

texto e fotos por Alexandre Biciati

O tenebroso período da pandemia foi para muitos artistas um momento de pausa e ócio; para outra turma, época de experimentação e novas dinâmicas criativas; para tantos outros, foi tempo de produtividade. Cada um lidou como pôde. Para o compositor e guitarrista mineiro Lô Borges, d\efinitivamente, foram anos muito férteis. De 2019 até 2023, o eterno fundador do Clube da Esquina – movimento musical que misturava elementos da música brasileira com jazz, rock e música folclórica –, lançou nada menos que cinco discos inéditos, sendo um por ano.

No ano 2019, lançou “Rio da Lua” com composições de Nelson Ângelo; em 2020, compôs ao lado de Makely Ka, “Dínamo”; no ano seguinte, 2021, deu vida à “Muito Além do Fim” com letras de Márcio Borges; Patrícia Maês foi a letrista em “Chama Viva” (2022) e este ano Lô Borges se juntou a César Maurício, vocalista do Virna Lisi e Radar Tantã, para a feitura de “Não Me Espere na Estação” – produzido por Lê, Henrique Matheus e Thiago Corrêa (ambos da Transmissor). Lô e César Maurício já haviam trabalhado juntos nos discos “Um Dia e Meio” de 2003 e “BHANDA” de 2009.

O mais recente trabalho de inéditas de Lô Borges foi lançado em show no Palácio das Artes, ocasião em que também celebrou o aniversário de 50 anos de dois álbuns incontestáveis da música popular brasileira: “Clube da Esquina” (1972), parceria com Milton Nascimento e eleito o melhor disco brasileiro de todos os tempos em votação recente; e seu disco homônimo do mesmo ano, também conhecido como “Disco do Tênis”, álbum feito às pressas e renegado pela própria gravadora, que hoje, mais que reconhecido, é cultuado pelos fãs.

O show “Não Me Espere na Estação” aconteceu para um excelente público que lotou as dependências do Grande Teatro. Lô esteve acompanhado por Henrique Matheus (guitarra e vocais), Robinson Matos (bateria), Renato Valente (baixo) e Felipe D´Angelo (teclados e vocais). Com 19 músicas no setlist, pelo menos seis delas foram sucessos pinçados de “Clube da Esquina” para deleite dos ouvidos mais conservadores.

Assim que entrou no palco, sem qualquer cerimônia, Lô bradou: “Antes que eu me esqueça: TIRA O PÉ DA MINHA SERRA, PORRA!”, referindo-se às decisões do governo do estado de Minas Gerais sobre a exploração mineral que ameaça a Serra do Curral em Belo Horiozonte, causa que vem sendo abraçada com gana pela classe artística local.

O show teve início com a inédita “Nos Braços do Pôr do Sol”, música do novo disco, cujo refrão simples caiu no gosto dos presentes. E não demorou para aparecerem os primeiros hits que serviram de espinha dorsal do espetáculo: “O Trem Azul”, cantada em uníssono pelo teatro, e “Trem de Doido”, ambas do clássico “Clube da Esquina”.

Mesclando muito bem músicas novas com os cânones da carreira, Lô apresentou “Constelação”, também do novo disco. Comunicativo e bem humorado, ele brincou com o próprio repertório: “Gosto de tocar as novas misturadas com as antigas porque elas gostam. Faz bem a elas”. Na sequência, a esperada “Um Girassol da Cor do Seu Cabelo” garantiu o coro da plateia e aplausos efusivos na parte progressiva. Lô Borges contou que era a música preferida da sua mãe: “Por ela eu só gravaria Girassóis”, brincou.

Da parceria com Paulinho Moska, tocou a animada “Muito Além do Fim”, música que dá nome ao disco de 2021. E não poderia faltar o hino com letra de Márcio Borges “Estrela/Clube da Esquina nº 2”, que também foi cantada e filmada das poltronas. O público só não parecia muito disposto mesmo às coreografias, por mais que o artista incentivasse do palco.

Lô Borges comentou sobre o período da ditadura e de como aconteciam as perseguições aos cabeludos do Clube naqueles tempos malditos. Contou que foi pela pressão vivida pelas demandas de composição de um disco solo e pelo sentimento de querer pegar a estrada que decidiu pela foto conceitual de um tênis na capa, evocando tal liberdade. Após contextualizar, anunciou “O Caçador”, do referido disco, cuja letra endossa a tensão vivida à época.

Deu-se início a um bloco para rememorar ilustres parcerias. Do ano 2003, a ensolarada “Tudo em Cores pra Você”, música que abre o disco “Um Dia e Meio”. Da mesma época, uma parceria com Samuel Rosa: a conhecidíssima “Dois Rios” que, coincidentemente, seria a escolhida para abrir também o show de despedida do Skank dias depois. Evocando o amigo e parceiro Beto Guedes, do disco “Amor de Índio” (1978), “Feira Moderna” foi a bola de meia da vez.

Parceria de Lô e Márcio Borges gravada primeiro por Milton Nascimento no álbum “Pietá” (2002), e no ano seguinte por Lô no disco “Um Dia e Meio” (2003),  “Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor” foi a deixa para falar no “irmão” “Bituca”, que no ano passado anunciou o fim das atividades em palco em evento especialíssimo. Contemplando mais uma das recentes, “Veleiro”, de “Chama Viva”, obra lançada ano passado e que também conta com parceria de Bituca.

Do disco que marca o retorno do artista em 1979, após sete anos sem gravar, a radiofônica “Equatorial” (uma parceria dele com Beto Guedes e Márcio Borges) colocou novamente o público para cantar junto. “Dínamo”, que batiza o álbum de 2020, foi a seguinte, dando sequência na alternância entre canções de diferentes fases.

O show já se aproximava do final e, antes do bis, dois grandes clássicos da música popular brasileira e patrimônios da cultura mineira: “Paisagem da Janela” (1972) e “Para Lennon e McCartney” (1970). O espetáculo não terminou sem Lô lembrar mandar novamente seu contundente recado: “TIRA O PÉ DA MINHA SERRA, PORRA!”, ao que foi imediatamente chancelado com aplausos.

A volta para o bis foi quase imediata. Lô Borges repetiu “Nos Braços do Pôr do Sol”, que já foi reconhecida pela audiência, e encerrou com “Nada Será Como Antes”, talvez a música mais regravada do importante disco de 1972. Na saída, Lô fez questão de presentear uma fã com sua palheta conforme prometido durante o show.

A relevância de Lô Borges para a música brasileira é indiscutível. Sua musicalidade, suas composições poéticas, sua complexidade melódica e sua influência na cena artística – vide Skank, Vander Lee e 14 Bis – são fundamentais para entender a história da música brasileira e sua evolução ao longo das décadas. Ativo e muito produtivo, o artista provou estar em plena forma vocal e fez um espetáculo digno de nota. Um verdadeiro deleite para os fãs ávidos por clássicos, mas também um grande espetáculo para ouvidos dedicados às novas composições do artista.

– Alexandre Biciati é fotógrafo: www.alexandrebiciati.com

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