Ao vivo: Ao lado dos filhos, Paulinho da Viola exibe elegância e sucessos em BH

texto e fotos por Alexandre Biciati

Após estreia em março deste ano em São Paulo, o príncipe do samba Paulinho da Viola finalmente se reencontrou com o público mineiro para apresentação do show Paulinho da Viola & Família. O texto impresso no ingresso antecipava: “Show repleto de sucessos”. Com repertório que passeia por toda a carreira de mais de 20 obras gravadas, o formato escolhido tem como diferencial a presença dos filhos de Paulinho no palco. Vale lembrar que – ao lado de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Milton Nascimento – Paulinho da Viola pertence à safra de 1942 de grandes nomes da Música Popular Brasileira e completará seus 80 anos no próximo mês, o que torna o show em família ainda mais simbólico.

Durante o espetáculo, a cantora Beatriz Rabello e o violonista João Rabello dividiram canções com o pai e protagonizaram momentos de suas carreiras solos. João gravou seu primeiro disco em 2006 e Beatriz iniciou carreira em 2008, mesmo ano em que o pai ganhou o primeiro Grammy Latino com o “Acústico MTV”. Desta vez, Paulinho da Viola aparece com outro Grammy Latino debaixo do braço, o de “Melhor Álbum de Samba/Pagode”, recebido em 2021 pelo disco ao vivo “Sempre Se Pode Sonhar”, que é base para o repertório atual.

O show, que aconteceu no Palácio das Artes, estava programado para ter início às 20h e teve um atraso de 20 minutos, muito provavelmente por conta da chuva que atrapalhou a chegada do público. Os mais atrasados já ocupavam seus lugares e os patrocinadores já tinham sido anunciados quando rompeu a calmaria um grito de “Lula” que inflamou a grande maioria dos presentes. Respondidos por um apoiador do atual governo que gritou “Ladrão”, o teatro quase veio abaixo com a réplica dos Lulistas que bradaram de pé o canto de “Olê, olá! Lula”. Ficou nisso.

Ânimos contidos, as cortinas se abriram para que Paulinho da Viola fosse ao encontro de seu violão e cavaquinho que descansavam devidamente afinados no centro do palco. Acompanhado por Ricardo Costa (bateria), Adriano Souza (piano) e Dininho (contrabaixo), Paulinho não fez qualquer menção às eleições, se limitando a tocar seus sambas e choros em um show recheado de bons casos sobre as composições e parcerias.

Optando por um repertório pautado, principalmente, pelos grandes sucessos da década de 70, a apresentação teve início com “Coisas do Mundo Minha Nêga” (1976). Logo em seguida, foi a vez de apresentar a faixa-título do recente disco “Sempre Se Pode Sonhar” (2006), parceria com o compositor paulistano Eduardo Gudin, cuja letra sobre sonho e despedida compactua com a já mencionada ansiedade da plateia. Outro número do premiado disco foi o inédito metasamba “Ela Sabe Quem Eu Sou” que abriu caminho para a imprescindível “Nervos de Aço” (1973), de Lupicínio Rodrigues, muito aplaudida ao final.

Beatriz Rabello, que apresentaria músicas de seu carnavalesco disco “Bloco do Amor” (2016), entrou no palco e, de pé ao lado do pai, começou o set-família com “Retiro” (1983). Assim como fez inúmeras vezes, Paulinho da Viola pediu licença para contar que a filha lhe apresentou o disco em primeira mão e ele se surpreendeu com o repertório. Impactado pela obra, Paulinho compôs uma música imediatamente e presenteou Beatriz: “Olha, se você quiser você grava”, concluiu. “Eu não só gravei como batizei o disco com a música”, explicou Beatriz. Da parceira pai e filha ainda fizeram “Só o Tempo”, cantada em dueto.

Com a saída de Paulinho e banda, João Rabello ocupou lugar no palco para acompanhar a irmã ao violão e integrar a banda até o final. Do repertório do pai fizeram “Nos Horizontes do Mundo” (1978) e “Não Quero Você Assim” (1970), que também abre o disco ao vivo de 2020. João ainda executou um número instrumental sob delicada luz azul antes da volta de todos os músicos para uma emocionante homenagem à Portela. O primeiro hino portelense foi “Esta Melodia”, composição de Bubú da Portela e Jamelão nos anos 60. Beatriz deixaria o palco mais uma vez, mas não sem antes interpretar ao lado da família “Lenço”, do saudoso Monarco – falecido a menos de um ano – e Chico Santana.

Os grandes clássicos de Paulinho vieram à tona puxados pela desilusão de “Dança da Solidão” (1972), que foi seguida por “Onde a Dor Não Tem Razão” (1981), a esperada “Coração Leviano” (1978), “Eu Canto Samba” (1988) e “Pecado Capital” (1975). A última, composição de Paulinho da Viola exclusiva para a novela da Rede Globo à época, contou com a plateia cantando desde o primeiro verso em uníssono.

O show seguia com elegância digna de principado e o público se comportava com o máximo respeito. As pausas eram silenciosíssimas à exceção de corajosas interações como a voz feminina que mandou um espirituoso recado: “Você até que canta bem, hein, menino?!”. Ao que Paulinho respondeu: “Chamar de menino já é um elogio”. Beatriz voltou ao palco para cantar “Na Linha do Mar”, composição do pai gravada pela mineira Clara Nunes em 1979. Um torcedor do Atlético-MG não conteve a emoção dos primeiros versos e até gritou “Galo”.

Paulinho da Viola abriu parênteses para contar como se envolveu com a composição de “Sei lá, Mangueira” em parceria com Hermínio Bello de Carvalho que acabou classificada no Festival da Record de 1968 e lhe rendeu uma tremenda dor na consciência. “Eu tentei tirar a música do Festival e não consegui. Quando cheguei na escola [Portela], não falaram nada. Só consegui minha redenção quando compus este samba” e cantou a autoexplicativa “Foi um Rio que Passou em Minha Vida” (1970). Das poucas músicas pedidas pela plateia, “Timoneiro” (1996), outro samba de Hermínio Bello de Carvalho, foi uma delas. Expectativa atendida com louvor.

A banda chegou a sair do palco e voltou ovacionada para o bis, que começou com a crônica e dissonante “Sinal Fechado”. Vencedora do 5º Festival de Música Popular Brasileira, a canção de 1969 é tida como a música que revelou Paulinho da Viola para o grande público. O presente da noite viria na sequência. “Esta música não estava no repertório, mas decidimos tocar porque gosto muito dela”, anunciou. Paulinho contou então que morou em Recife a trabalho e foi hospedado por uma senhora de nome Maria José que, após cinco semanas de convivência, passou a chamá-lo de filho. “Para um Amor no Recife” (1971) foi escrita para ela que “entende cada verso”, completou.

Paulinho, família e banda terminaram em alto astral com o obrigatório samba “Argumento” (1975) para uma plateia desconstruída que já se aglomerava cantante à beirada do palco.

Paulinho da Viola foi impecável e esbanjou elegância, como é de costume, e gentileza com os presentes. Compartilhou histórias que, não só fazem um show mais fluido e interessante, como aproximam a plateia. A presença dos filhos do artista deixou o show arejado e soou como um presente para ambos os lados. A banda em palco é um espetáculo à parte e, por vezes, roubou a atenção para a performance individual. O show de Paulinho da Viola é necessário e ecoa atemporalidade. Dentro da música popular brasileira, Paulinho da Viola é um dos artistas que ainda calibram a régua que, à boca miúda, teimamos chamar de qualidade.

Alexandre Biciati é fotógrafo: www.alexandrebiciati.com

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