Entrevista: De Porto Alegre, Monstrolab

entrevista por Homero Pivotto Jr.

Gene Simons ‘Kiss’, mas não conseguiu fazer vingar a ideia de que o rock morreu (risos). E enquanto tem gente tentando colocar o estilo na vala, também há uma galera disposta a fazer com que ele siga vivo. Entre os que lutam pela continuidade do gênero está a Monstrolab, banda que acaba de lançar o segundo clipe e trabalha para finalizar o primeiro registro em estúdio.

A faixa escolhida para o novo vídeo é “My Valentine”, um som que flerta com referências do rock básico, sem excessos, e demonstra paixão pela energia capaz de surgir do triângulo amoroso entre instrumental direto, vocal rasgado e melodias que grudam na mente. Essa faixa, especificamente, é uma declaração de amor ao rock dos anos 1960/1970, sendo o The Stooges um crush de referência.

Parte do rock gaúcho atual (em sentido amplo como rótulo, servindo mais como ponto de origem), o conjunto encabeçado pelo vocalista Alemão Laggerini está no início de sua jornada. Porém, conta com músicos experientes na caminhada da música para trilhar o caminho das pedras que rolam. Atualmente, além do cantor — envolvido com música desde os 12 anos — a Monstrolab tem na formação Gabriel Boizinho (bateria e voz, ex-Cachorro Grande), Rica Sabadini (guitarra, Conjunto Bluegrass Porto-Alegrense), TH (baixo, ex-The Darma Lóvers) e Pedro Saul (teclado).

Em constante processo de produção e gravação, o atualmente quinteto — que já tem dois temas disponibilizados nas plataformas (Spotify e YouTube) — pretende lançar um EP até o fim do ano. E, claro, debutar nos palcos tão logo seja possível. Na entrevista que segue, Alemão fala sobre o atual estado do rock, a formação da Monstrolab, o novo vídeo, bem como sobre alegrias e agruras de ser enamorado por esse estilo de música que hoje briga por um espaço que antes dominava.

Como surgiu a Monstrolab? E como foi reunir músicos experientes? Já eram todos amigos ou acabaram se encontrando em razão da banda mesmo?
A Monstrolab tem a ver com minha história na música. Eu sou baterista desde os 12 anos e, nos últimos tempos, estava afastado de fazer som. Estive trabalhando como técnico de som, mas não tocando. Sempre fiz algumas composições, mas elas iam ficando de lado. Aí, em 2019, fui morar em Portugal. Lá, comprei uma guitarra e desandei a fazer música. Foi um momento que veio para mim. Não foi pensado, tipo: “vou fazer um disco”. E, conforme ia fazendo as composições, acreditei que era possível criar um álbum. Por lá mesmo, comecei a montar uma banda. Acabei tendo de voltar em razão da pandemia. E foi difícil montar uma banda aqui, nunca tinha feito isso. Eu sempre entrava em projetos já prontos. Bom, em Portugal foi complicado, e aí chegou aqui, consegui reunir um grupo legal, mas que foi mudando até chegar onde está. A galera que me acompanha hoje é um time de músicos experientes, um pessoal da minha idade. O Gabriel Boizinho é meu amigo de infância, por exemplo. Além de assumir a bronca comigo, chegar junto, também está na função de produtor. Aí, fomos chamando o restante dos músicos que estão no momento. O Rica eu conhecia de vista, mas não era próximo. Pedro Saul, descobrimos na internet, nosso caçula gente boníssima. O TH, o último a entrar, conheci por meio de amigos, já tocou com bastante gente bacana. Antes dele teve outro baixista, mas não foi possível seguir. Tenho muito orgulho dessa banda! É a melhor em que já toquei, só gente foda e que abraçou meu trabalho.

Aliás, conta um pouco da experiência de cada integrante, por favor?
O Rica Sabadini já teve várias bandas, veio do interior. Neste momento, ele tem o Conjunto Bluegrass Porto-Alegrense, banda de folk maravilhosa que tem o Márcio Petracco (ex-TNT) e outro pessoal da antiga. Ele toca também com o Alemão Ronaldo. O TH tocou no The Dharma Lovers, vem de uma família de músicos. O pai dele é fundador do Musical JM (conhecido grupo estilo ‘bandinha’, que anima diferentes tipos de eventos), então o cara nasceu dentro de um estúdio. Ele também atuou como sideman para a Tequila Baby. O Pedro Saul é a primeira aventura dele em banda de rock. Ele era do jazz e coisas mais clássicas, e é mais organizado do que todos nós juntos (risos) — além de tocar muito. O Boizinho tocou com muitas bandas, mas a principal foi a Cachorro Grande, que já abriu para Rolling Stones, Supergrass, Aerosmith, Oasis. Ele tem uma história invejável. Além de ser um grande amigo, admiro muito ele por ter conseguido essas conquistas com o rock. E eu, que sou baterista, comecei com 12 anos. Minha primeira banda chegou a tirar segundo lugar no festival de canções interno da Escola Anchieta, o Fica (competição musical tradicional em Porto Alegre). Fiz muito baile na noite, toquei com a Viscerália, por volta de 2000, que era uma banda bem pedida na saudosa rádio Ipanema. E fora da bateria, minha primeira aventura foi como guitarrista da Zumbira e Os Palmares.

Estamos falando de uma banda de rock que, inclusive, resgata a sujeira e a impetuosidade do estilo nos anos 1960/1970. Essa era a ideia quando a banda se formou?
Essa crueza dos anos 1960/70 veio ao natural, pois me considero bem sessentista. Curto o rock desse período. Acho que sou um romântico ainda do estilo, jamais faço um som pensando em agradar aos outros. Claro que é legal quando outras pessoas curtem a música, entregar um produto com qualidade, mas faço só o que vem do coração. E o que tem no meu coração é rock, é anos 1960. Então, essa ideia foi se apresentando conforme fui gravando as faixas. Como eu e o Boizinho temos muito em comum no gosto musical, e ele é meu produtor, as coisas foram naturais. Quando eu falava algo ele já entendia, não precisava explicar muito. E toda banda curte rock. Com exceção do Pedro, que curte, mas pende mais para o jazz, todo mundo é roqueiro.

O que acha do cenário rockeiro atual, seja local, nacional e até internacional?
O cenário do rock anda bem fraco nacionalmente. Na real, nem sei se foi forte alguma vez, na minha opinião. Tem essa história de que o Sul tem tradição no estilo, mas qual banda faz daqui faz sucesso nacional? Talvez só a Cachorro. Acho no Brasil caído também, bem como em Porto Alegre. A Dingo Bells, que apesar de não ser esse rock mais pegado, mais sessentista, é uma banda que está estourando, tá massa. No cenário internacional acho que também não anda muito bem. De clássico, tem os Stones, umas coisas mais indies, tipo Black Keys, ou bandas mais melódicas, tipo Coldplay. Tem o Arctic Monkeys, que curto bastante. Das que vieram no virada do milênio tem Strokes, Oasis.

Por que acredita que o rock saiu um pouco dos holofotes, perdendo espaço para outros estilos?
Acho que dominou por muito tempo. Até no Brasil, principalmente, nos anos 1980. Para mim, inclusive, melhor disco do rock nacional é o “Cabeça Dinossauro”, dos Titãs. Acho que o estilo perdeu representatividade depois de dominar o mundo por umas três décadas. Então, ficou mais difícil criar algo novo dentro desse segmento. Além disso, é mais fácil gravar, todo mundo quer fazer sucesso pelo sucesso. Tem pouca gente apaixonada por fazer aquilo em que acreditam. A cena tomou outro formato. Principalmente no Brasil, os estilos que dominam não me agradam. Respeito todos, mas não curto quase nenhum.

Pensa que o rock morreu mesmo, como alguns insistem? Por quê?
Se eu achasse que o rock morreu, nem tocaria mais o estilo. Mas sou suspeito para falar. Eu acho que rock adormeceu. Penso que o rock é um estilo muito verdadeiro, como o punk, o metal, que fazem coisa da alma, que colocam o coração. Essas pessoas não vão conseguir fazer outro estilo. E eu me enquadro aí. Acredito que quando o rock despertar novamente, ele vai voltar mais forte do que nunca. E vou insistir até morrer.

“My Valentine”, faixa que ganhou clipe recentemente, é um som bem simples e empolgante. Como foi o processo de composição desse tema? E a letra, que tem praticamente duas frases, tem algum significado especial?
Quando começo a fazer um som, aqui usando como exemplo “My Valentine”, vem ao natural. Comecei esse som pela guitarra e, conforme ela foi se desenvolvendo, tive a sacada de que se parecia The Stooges. Aí, claramente, na hora da produção, usamos timbres que a gente curte. Tipo “TV Eye”. E a letra, quando escrevi, tive a sensação de que ela pedia repetições, frases curtas. Meio “Surfin Bird”, do Trashman, que conheci pela versão do Ramones. E esses primeiros sons foram todos em inglês porque estava morando em Portugal quando compus e esperava poder fazer uma gira pela Europa. Chegamos a fazer uma versão em português, mas esse som em especial, achamos que soa melhor em inglês.

O clipe, assim como a música, é simples e eficiente: uma banda tocando numa garagem. Como foi a produção do vídeo?
Em razão de a gente não ter gravadora nem algum outro tipo de apoio, era preciso fazer um vídeo simples. Mas sem ficar fanfarrão. E aí surgiu a ideia da garagem, que tem tudo a ver com o rock. E especificamente a garagem onde foi filmado o clipe é o estúdio do Boizinho, onde a gente produz as músicas. E acho que a música tem tudo a ver com esse clima de quebradeira na garagem. A produção do vídeo ficou por conta da Beta Ribeiro, que é uma amigona nossa, que nos foi apresentada pelo Boizinho. Ela é fotógrafa e videomaker, tem um trabalho muito legal, e se desdobrou para conseguir esse resultado. O Boizinho ajudou bastante, com medições e testes de luz. E, com muito orgulho, nada foi gasto nesse clipe. A não ser o Uber da Beta (risos). O figurino, o cenário… é tudo da gente.

Aliás, garagem é um espaço que tem forte ligação com o rock. Afinal, muitas bandas passaram por esses locais no decorrer da história do estilo. Havia a preocupação de ter esse lugar como uma referência estética no clipe?
Em princípio o clipe seria no estúdio, a gente não tinha outro lugar para fazer. Não tínhamos condições de pegar uma locação, ter uma infraestrutura e tal. Quando chegaram cinco dias antes da filmagem, a Beta e o Gabriel passaram a considerar a ideia da garagem, que já é um espaço decorado como ele aparece no vídeo. É praticamente pronto e tem tudo a ver conosco, com rock. No fim, penso que não poderia ter local melhor. Ficamos muito contentes.

Por falar em estética: além do som, a Monstrolab parece ter uma preocupação visual. Seja no cenário do clipe ou no figurino. Considera que isso faz parte do pacote de se estar em uma banda de rock?
Na real, como a gente já está mais velho, temos essa noção de que a música vai além do que apenas a sonoridade. Tem o lance de ter uma capa bacana, de um artista legal. O lyric vídeo de “Qual é o beat do meu coração” quem fez a escultura do coração foi o Boizinho. A gente acha que sempre se pode tentar apresentar da melhor maneira possível. Com relação ao clipe, o cenário estava pronto, como comentei. E o figurino é o que a gente usa. São roupas que a gente veste mesmo, por mais exageradas que algumas possam parecer. Principalmente quando vamos subir no palco, ou mesmo no dia a dia a gente anda assim. Faz parte do pacote de uma banda, tem de se apresentar bem.

“My Valentine” é o terceiro registro sonoro da banda disponibilizado. Ela deve fazer parte de um EP, certo? Por favor, fale mais sobre essa proposta de lançar um EP com faixas sendo liberadas aos poucos? Quando o registro deve estar completo?
A ideia de lançar o EP liberando as faixas aos poucos é uma estratégia e uma necessidade. Não tenho grana para gravar um disco direto, então vamos gravando aos poucos. Além disso, tem o lance da pandemia que, espero, esteja acabando. Aí, vamos lançando um som a cada dois meses, mais ou menos, para ter o que falar. Se a gente lança um álbum, meio que pode ficar perdido, sem visibilidade, no meio dessa crise sanitária toda. O EP, que seria de quatro faixas, deve estar completo até o fim deste ano. E a gente segue fazendo registros. Talvez ele vire o disco mesmo, com umas 10 composições, ainda estamos vendo isso. Tudo depende da parte financeira, a gente vai indo como é possível.

E quais os planos daqui para frente?
Nossos planos são seguir gravando e fazer show. Agora, que está abrindo novamente, aos poucos, espaços para tocar, a gente quer muito se apresentar ao vivo, que é nosso forte. A ideia é fazer um show de lançamento da banda, um evento legal.

– Homero Pivotto Jr. é jornalista, vocalista da Diokane e responsável pelo videocast O Ben Para Todo Mal.

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