Tom Morello fala sobre seu novo disco, política e Chris Cornell

por Leonardo Tissot

Com uma carreira que já percorre três décadas, Tom Morello não parece estar nem perto da linha de chegada. O guitarrista de Rage Against the Machine, Audioslave e Prophets of Rage está lançando “The Atlas Underground Fire” (Mom + Pop Music), trabalho solo em que divide os holofotes com artistas da velha guarda e talentos da nova geração. O álbum é uma sequência de “The Atlas Underground”, lançado em 2018.

O risco de fazer o primeiro pit stop em mais de 30 anos, em função da pandemia, foi assustador para o criador de riffs e licks emblemáticos do rock, como os de “Bulls on Parade” e “Like a Stone”. Ele mesmo revelou seus medos e ansiedades durante o período, em entrevista coletiva para a imprensa brasileira. “Desde que eu tinha 17 anos até março de 2020, estive constantemente compondo, gravando e tocando ao vivo, e tudo isso simplesmente parou de repente”, lamenta.

Para piorar, a falta de habilidade com a tecnologia dificultou ainda mais os dias de isolamento social para Morello. Apesar de ter um estúdio na casa onde vive com a família, na Califórnia, o músico admite que não domina os equipamentos. “No máximo, me deixam tocar no botão de volume”, brinca. De que maneira, então, “The Atlas Underground Fire” ganhou vida?

Ao ler uma entrevista de Kanye West, na qual o rapper fala sobre gravar os vocais para seus álbuns com o auxílio de um iPhone, Morello pensou em fazer o mesmo, só que com a guitarra. A partir daí, começou a trocar ideias com outros músicos e produtores com quem gostaria de colaborar, alcançando uma diversidade grande de nomes e estilos.

De videoconferência em videoconferência, aos poucos foram nascendo faixas como “Let’s Get the Party Started”, gravada em parceria com a banda de metalcore britânica Bring Me The Horizon — cujo fato mais curioso talvez seja a conexão tupiniquim da canção. Em tempos de home office, o vocalista Oliver Sykes, que vive no Brasil, registrou sua participação de forma remota e, ainda que indiretamente, deixou a marca do país no álbum.

Um dos destaques (e primeiro single) do disco é a cover de “Highway to Hell”, do AC/DC. A gravação do clássico da banda australiana teve participação de Eddie Vedder (Pearl Jam) e Bruce Springsteen nos vocais, recriando uma experiência que nasceu no palco, em 2014. Na ocasião, Morello integrava a E Street Band, de Springsteen, durante a turnê que passava pela Austrália (infelizmente, Morello não participou dos shows de Bruce no Brasil).

“The Achilles List” é outro exemplo de como Morello aliou seus talentos na guitarra com a criatividade de seus parceiros — no caso, Damian Marley, que canta na faixa. A letra trata de injustiças sociais, com a voz de Marley se sobrepondo a batidas e texturas eletrônicas variadas. Já “The War Inside”, com Chris Stapleton, segue um rumo completamente diferente, e lembra o lado mais baladeiro de Morello, ouvido antes em canções como “I Am the Highway”, do Audioslave.

Faixas com vocais femininos também marcam presença no disco, como a onírica “Driving to Texas”, em parceria com a dupla eletrônica Phantogram, e a pop “Night Witch”, gravada com a jovem cantora californiana phem. O disco também tem temas instrumentais, como “Harlem Hellfighter”, que abre o álbum, e a épica “On the Shore of Eternity”, em parceria com a DJ palestina Sama’ Abdulhadi, que encerra “The Atlas Underground Fire”.

Perguntado sobre como manter a coerência artística em um álbum solo repleto de convidados de estilos tão variados, Morello esclarece que a intenção era trabalhar de forma colaborativa, e não agir de maneira autoritária para impor suas ideias. “Trata-se de um disco solo no qual há uma visão abrangente a respeito dos colaboradores”, explica. “Minha guitarra serve como um guia em cada uma das faixas. Ao mesmo tempo, é um trabalho colaborativo em que cada canção depende exclusivamente da química entre mim e o artista com quem estou trabalhando”, complementa.

Filho da historiadora Mary Morello e do diplomata Ngethe Njoroge (que chegou a ser embaixador do Quênia na ONU), Tom Morello é formado em Ciências Políticas pela Universidade de Harvard e permanece um ativista engajado em questões sociais — o que fica claro pela camiseta que veste durante a entrevista, com a bandeira antifascista estampada. Em sua última passagem pelo Brasil, inclusive, Morello deu o que falar ao mostrar os dizeres “Fora Temer” nas costas de sua guitarra e ao se mostrar informado sobre a morte da vereadora carioca Marielle Franco, ocorrida em 2018.

Definindo-se como um “internacionalista” — alguém preocupado com a política não só onde vive, e sim em nível global —, ele admite não estar totalmente a par da situação pela qual o Brasil passa em 2021. “Mas sei que há um movimento similar rolando no Brasil, nos Estados Unidos e em alguns países da Europa”, reflete, fazendo referência à onda ultraconservadora que elegeu nomes como Jair Bolsonaro, Donald Trump e Boris Johnson.

“Para esses caras, o problema nunca é a opressão e a exploração promovida pelo capitalismo, e sim os mexicanos, os muçulmanos, a esquerda… A forma de lutar contra isso é dar exemplos contrários aos que eles dão, e tento fazer isso por meio da música”.

Durante o papo, Morello relembrou grandes momentos da carreira e a oportunidade de trabalhar ao lado de talentos como Zack de la Rocha (no Rage Against the Machine) e Chris Cornell (no Audioslave). As lembranças do último, falecido em 2017, ainda mexem com as emoções do guitarrista. “Durante todo o tempo em que trabalhei com Chris, nunca deixei de ser seu fã”, derrete-se.

Audioslave

Para Morello, o Soundgarden levou mais inteligência ao som pesado. “Aqueles discos mudaram o rock n’ roll e trouxeram um conteúdo poético e intelectual mesclado com riffs estilo Black Sabbath de forma inédita. O Chris fez com que caras inteligentes que gostam de heavy metal pensassem, ‘ei, temos uma banda pra gente agora’”, elogia.

Quatro anos após a morte do vocalista, depois de um show do Soundgarden, em Detroit, a ferida ainda não está cicatrizada. “Não há um dia em que eu não me sinta devastado por sua partida. Nunca a superei. Ainda é horrível todos os dias. Sou grato por ter feito música com ele, que essa música ainda exista e que vá viver por gerações. Mas ainda é algo que me assombra de maneira muito forte”.

“The Atlas Underground Fire” tem produção de Bloody Beetroots, Zakk Cervini, Kill Dave e Jon Levine, entre outros. O álbum está disponível nas principais plataformas de música.

– Leonardo Tissot (www.leonardotissot.com) é jornalista e produtor de conteúdo

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