Entrevista: Edson Bastos e Henrique Filho falam da 7ª edição do FECIBA

entrevista por João Paulo Barreto

Inteiramente gratuita e on line com 50 filmes baianos (curtas, médias e longas) dos últimos cinco anos exibidos no site do festival – feciba.com.br – e no Youtube – youtube.com/user/feciba (confira programação completa), começa nesta segunda (15 de março), e segue até o dia 26, a 7ª edição do Festival de Cinema Baiano (FECIBA). O evento, que retorna depois de cinco anos sem acontecer, traz nesta edição um importante revisitar de parte da filmografia baiana realizada nesse período. Com 10 longas, 10 médias e 30 curtas-metragens na grade de filmes selecionados, o festival idealizado pelos cineastas Edson Bastos e Henrique Filho se reinventou. Para Edson, o período sem acontecer, além da necessidade de uma adaptação por conta da pandemia, serviu como uma forma de formatar o festival.

“O FECIBA, fosse presencial ou on line, não poderia mais ser da forma como era antes por diversos motivos. Porque já surgiram várias problemáticas, vários outros anseios que precisávamos arcar neste evento. E um deles é a representatividade. A pessoa se enxergar nas telas e na organização de uma forma geral”, explica Edson. Uma das mudanças atreladas à versão on line do festival está na composição da equipe de curadoria. “A diversidade e a quantidade de pessoas na curadoria foi um dos pontos mais positivos. Foram onze de todo o estado. Pessoas diversas, de faixas etárias diferentes. Pessoas de classes sociais diferentes, de raças diferentes e de sexualidades diferentes. Porque a realidade da gente era observar esses olhares. A Bahia é muito ampla, muito múltipla. Assim como o cinema baiano, também. Nada melhor do que colocar essas pessoas para dialogar, para entender o recorte que poderia dar dos filmes que foram lançados nesses últimos cinco anos”, salienta o produtor-executivo.

Dentre os destaques de longas-metragens, “Diários de Classe”, de Maria Carolina Silva e Igor Souza, filme de 2017, ainda impacta bastante sua audiência na reflexão oriunda do acompanhar de três mulheres em seus processo de alfabetização já na fase adulta; “Àkàrà – No Fogo da Intolerância”,  urgente documentário lançado em 2020, traz em seu cerne a denúncia dos crimes de perseguição e intolerância contra religiões de matriz africana em um Brasil, infelizmente, neopentecostal, refém politicamente de igrejas, e racista. No resgate da memória de Caymmi, “Dorivando Sarará – O Preto que Virou Mar”, de Henrique Dantas, é um importante registro da trajetória desse músico que cantou não só a Bahia, como, também, seus credos, amores e as raízes africanas.

Na seleção de médias e curtas metragens, “Entre o Céu e o Subsolo”, média de 2019 dirigido por Felipe da Silva Borges, relata o peso esmagador da especulação imobiliária no bairro da Vitória, metro quadrado mais caro de Salvador, e local onde o extinto Colégio Estadual Odorico Tavares sofreu por anos diante das ameaças de fechamento para cessão do seu terreno. O média, hoje, funciona como um epitáfio simbólico para o valor dado à educação pública de qualidade. Nos curtas, destacam-se três produções recentes. “Rebento”, curta dirigido por Vinicius Eliziário, que traz o encarar precoce das responsabilidade da vida adulta a partir de uma paternidade inesperada, bem como uma análise da ausência desse afeto paterno na vida de um jovem; “5 Fitas”, trabalho dirigido por Vilma Martins e Heraldo de Deus, que trazem um olhar sobre a tradição da Lavagem do Bonfim a partir de um foco infantil em encontro às origens do cortejo pela experiência matriarcal; e “Dela”, curta de 2018 dirigido por Bernard Attal, que, além de uma singela homenagem a Nelson Mandela, é uma tenra, porém direta, reflexão sobre a autoestima infantil e a identificação com ideais definidores de caráter.

Nas atividades, com variado leque de oficinas e debates, o sétimo FECIBA, evento realizado em conjunto pela Voo Audiovisual e pelo Núproart – Núcleo de Produções Artísticas, com o suporte financeiro da Lei Aldir Blanc, trará a presença do veterano diretor Orlando Senna em uma oficina de Roteiro; a produtora Solange Lima ministrará oficina voltada para Desenho de Produção; a cineasta Cecília Amado ministrará a oficina Direção e as Sete Artes do Cinema; e fechando o ciclo de oficinas, o ator, roteirista e diretor, Thiago Almasy, participa com Produção Audiovisual para a Internet

O produtor executivo Henrique Filho pontua o quanto esses encontros presenciais em debates e oficinas eram importantes para o FECIBA nas suas seis edições anteriores. Além disso, o cineasta observa, também, a edição virtual como uma oportunidade de reinvenção, mas, ainda, esperançoso para futuras edições presenciais. “Com o contexto da pandemia e a possibilidade dos eventos online, se tornou uma oportunidade muito boa para o FECIBA fazer uma retomada em um formato diferente. Acho que o nosso desejo para o futuro vai muito na perspectiva de voltar à essência do festival. As mostras que a gente executava antes e que não conseguimos realizar agora, e que é muito a cerne, a cara do FECIBA. E principalmente o fato de ser (anteriormente) um evento presencial. Ter se tornado um ponto de encontro de cineastas e realizadores para trocar ideias, fazer contatos, network, para ter contato com o público. Isso é um desejo que se potencializa agora nesse momento”, explica Henrique.

Como parte já tradicional do calendário cultural da cidade de Ilhéus, onde o festival acontecia antes de seu hiato de cinco anos, o FECIBA cumpria um papel importante no fomentar e propagar da produção baiana. Sobre voltar a essa posição nos próximos anos sem pandemia, Henrique é esperançoso. “Não temos muito como prever politicamente os próximos acontecimentos, por que estamos vivendo uma novela louquíssima, com vários acontecimentos que estão mudando os rumos. Não sabemos o que vai acontecer ainda em relação à pandemia, à vacina, aos eventos presenciais, e como ficará a história do FECIBA com isso daí. Mas essa edição, visualizando esses 50 filmes que estão representando esses últimos cinco anos sem o FECIBA, já traz na gente todo o desejo de voltar a fazer o evento presencialmente. E de voltar a ser calendário de Ilhéus”, finaliza Henrique. De qualquer modo, bem-vindo de volta, caro Feciba. Fez falta!

Nesta entrevista ao Scream & Yell, Edson e Henrique abordam as dificuldades durante o período de cinco anos no qual o FECIBA não aconteceu, fazem um apanhado de suas carreiras como cineastas, relação afetiva com Ipiaú e o levar da cidade às telas, além de aprofundar o impacto dessa fase desde 2016 tanto em suas vidas pessoais como carreira. Confira o papo!

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Edson, cinco anos sem o Festival de Cinema Baiano (FECIBA) acontecer. Uma questão um tanto óbvia para começarmos a entrevista, mas queria te perguntar sobre os desafios para esta edição.
Edson Bastos – É muito desafiador criar um projeto. Principalmente um como o FECIBA. Porque os projetos têm vida própria. Vão se adaptando de acordo com as necessidades, também. E o FECIBA surgiu em um momento super importante, que foram os 100 anos do cinema baiano (N.E. 2011). E se tornou, durante um período de pelo menos 6 anos, a expectativa dos realizadores do Estado. Expectativa em estar no evento, em dialogar sobre o audiovisual como um todo na Bahia. E era muito interessante isso. O público foi chegando, foi achando interessante o evento, as possibilidades de diálogo, também, que a gente estava provocando. E a cada ano o público ia aumentando mais ainda. Então, tivemos um período de, todo ano, já terminarmos uma edição com a verba garantida para a próxima no ano seguinte. Porque havia editais. Isso foi na época da gestão do (então governador da Bahia) Jacques Wagner. Com a mudança para Rui Costa, e, também, no cenário nacional, com a perseguição à Cultura de uma forma geral, ficamos muito tempo sem financiamento. E isso deu um desgaste muito grande. Porque ficamos tentando e não conseguíamos. Era difícil. Tentamos pelo governo federal, também, através da Ancine, quando houve edital específico, mas não ganhamos. Porque eles acharam que nós não daríamos retorno financeiro suficiente para eles. Ficamos nessa espera. Entendendo também o momento, as situações. O FECIBA parou justamente em 2016, no momento do Golpe contra Dilma. O Brasil já estava pegando fogo há um tempo. E a gente estava entendendo o que fazer. Então, devido a essa pausa de financiamento, e a esse período, entramos em um processo mais de escuta, de observação de como estava o cenário baiano. Dos anseios e das necessidades dos realizadores, da classe como um todo. E houve muita cobrança da sociedade civil, das pessoas que já nos acompanhavam, dos cineastas que perguntavam pelo evento, querendo saber porque não ia acontecer. E há uma pressão muito grande para isso. Acho que foi uma resposta, de certa forma, por a gente querer realizar o evento e as pessoas também quererem que fosse realizado. O FECIBA é feito em parceria com o Nuproart, o Núcleo de Produções Artísticas, onde Victor Aziz atua como coordenador técnico, e Cristiane Santana como coordenadora geral. Foi um projeto que foi fruto dessa parceria, também. O festival tem muitas caras, muitas pessoas por detrás. E agora, principalmente nessa sétima edição, reforça como o cinema baiano é amplo e diverso. Com a quantidade de inscrições. Acho que a diversidade está estampada em todas as frentes. Desde a equipe de curadoria aos filmes que são exibidos. Também resolvemos tirar a premiação esse ano, porque achamos que não era o momento de estimular essa competitividade. Aproveitando que a gente tinha a licença de fazer uma versão totalmente diferente, agora, também, por conta da pandemia.

Com a importante Lei Aldir Blanc, essa volta foi possível. Como foi reformular o festival para uma versão on line, com a participação de 11 pessoas na curadoria?
Edson Bastos – O edital da Lei Aldir Blanc, agora, foi a oportunidade para suprirmos essas expectativas. Tanto as nossas quanto a do público em geral. Só que como já haviam passado cinco anos, muita coisa mudou na gente, no Brasil e no mundo, de uma forma geral. E agora, vivendo uma pandemia, também. E nós ficamos pensando nisso. O FECIBA, fosse presencial ou on line, não poderia mais ser da forma como era antes por diversos motivos. Porque já surgiram várias problemáticas, vários outros anseios que a gente precisava arcar neste evento. E um deles era a representatividade. A pessoa se enxergar nas telas e na organização de uma forma geral. Então, sempre centralizamos a curadoria em poucas pessoas. No máximo três ou quatro. E eu era uma delas. Os longas metragens eram convidados. Com essa possibilidade da Lei Aldir Blanc, e com a pandemia trazendo a obrigação da realização on line, entendemos que essa edição deveria ser um ponta a pé para um retorno e para um diálogo de uma forma geral com a classe. E, também, para a gente suprir esses anseios. De fazer o FECIBA de uma forma totalmente diferente, reformatando o projeto para essa edição. Então, acho que um dos pontos mais positivos dele, inclusive, foi a diversidade e quantidade de pessoas na curadoria. Foram 11 pessoas de todo o estado, pessoas diversas, de faixas etárias diferentes. Classes sociais diferentes, raças diferentes, sexualidades diferentes. Porque a realidade da gente precisa observar esses olhares. A Bahia é muito ampla e muito múltipla, assim como o cinema baiano. Então, nada melhor do que colocar essas pessoas para dialogar e entender o recorte que poderia dar dos filmes que foram lançados nesses últimos cinco anos em que não houve FECIBA.

Em janeiro e fevereiro o FECIBA abriu um processo seletivo para montar a equipe de curadoria, citada acima por você. No final, onze nomes de gerações diferentes e diversos contatos com o audiovisual. Como foi esse diálogo entre as pessoas que compuseram essa equipe curatorial?
Edson Bastos – Os diálogos entre curadores e curadoras eram muitos intensos. E havia discordâncias e consensos. Por isso que chegamos nessa quantidade de filmes. São 50 filmes que vão ser exibidos on line no site do FECIBA. Dez longas. Dez médias e trinta curtas. E é justamente por isso. Para promover esse diálogo, para promover o debate sobre a diversidade, sobre as obras que precisam ocupar esses espaços. Foi muito interessante colocar essas pessoas para dialogar e dar seguimento a esse processo que espero que nas próximas edições continuem dessa mesma forma. Que seja um marco para ampliar os nossos horizontes do que seja um cinema baiano, que é um termo muito abstrato e importante de ser debatido, também.

50 filmes baianos (curtas, médias e longas) dos últimos cinco anos. Quando vi que essa era a proposta do FECIBA esse ano, achei uma ideia excelente por poder resgatar essa história recente do nosso cinema. Revisitando toda essa produção e pensando nos próximos anos, tanto como realizador como, também, produtores de um festival, vocês são otimistas?
Edson Bastos – João, sou otimista, sim. Pelo o que observo como produtor executivo do projeto, em relação às edições anteriores, e o que observo desse cenário dos últimos cinco anos. Inclusive, muitos filmes que circularam nesses últimos cinco anos, não estão na programação do FECIBA. E houve muitos filmes que não se inscreveram, também. Acho que até por conta do momento on line, da pandemia, ou por conta da exibição do filme on line. E acho que tivemos uma quantidade de inscritos que ainda não compreende a quantidade de filmes dos últimos cinco anos. E, ao mesmo tempo, observo que, agora, a pandemia nos trouxe uma limitação, mas, também, nos exigiu criatividade. Tanto que o tema da gente esse é “Dentro de casa, asa”, que é inspirado no poema de Valdelice Pinheiro, uma poeta itabunense que criou o poema “Dentro do Ovo, o Voo”. E a ideia é essa. A de buscar inspiração nesse período para sobreviver, para respirar, para criar. E a pandemia trouxe essa limitação, mas, ao mesmo tempo trouxe essa reflexão da necessidade de produção com o que a gente tem. Tem muita coisa sendo produzida agora nesse período da pandemia. E espero que fique como aprendizado justamente a autonomia da produção. Da pessoa utilizar o equipamento ou o recurso disponível para poder realizar os seus projetos. Tivemos essa experiência com “Cinema de Amor”, a minha pesquisa no mestrado, no Pós Cultura, é sobre a produção audiovisual durante a pandemia. Então, tem muitos filmes sendo feitos agora, apesar da pandemia. Só pra citar exemplos, 200 curtas no festival Curta em Casa; 200 curtas premiados pelo Itaú Cultural. Vários curtas premiados pelo calendário das artes.  E assim sucessivamente, porque vários projetos e editais foram criados nessa linha de apoio. E de exibição, também. Então, sou otimista e espero que o aprendizado fique em relação à autonomia da produção com os recursos que temos disponíveis.

Henrique Filho – Essa construção, desde o primeiro FECIBA, serviu também para a gente como um mergulho no próprio cinema baiano. Confesso para você que, antes do FECIBA, eu não tinha muito conhecimento de cinema baiano. Uma compreensão mais ampla sobre o que é esse cinema. Isso veio até a ser o tema da terceira edição. “O que é cinema baiano?” Foi muito simbólico para a gente. Começamos a gravar um fala povo com as pessoas da rua que relacionavam o cinema baiano a apenas “O Pai Ó”, por conta da repercussão nacional que o filme ganhou. E nós, realmente, desconhecíamos o cinema baiano. A cada edição do FECIBA, tínhamos aquele receio de que não teríamos filmes suficientes para montar uma programação inteira de um festival com várias mostras. Foram diversas mostras que tivemos. Mostra Atualidades; Mostra Retrospectiva; Mostra Sexualidade, que trazia um recorte LGBTQIA+; Mostra Infanto-Juvenil; Mostra Bahia Adentro, que são filmes do interior. Nós tínhamos esse receio e começamos a ficar muito surpresos com o crescimento das inscrições para o festival. Acho que foi justamente a partir dessa terceira edição que usamos esse tema que provocou muito a compreensão do que é o cinema baiano. Isso colocou o FECIBA em outro lugar. No olhar dos cineastas, do público de forma geral. Porque começamos a exibir filmes que eram muito bons e interessantes e que, se não fosse pelo FECIBA, lá em Ilhéus, muitas pessoas não iriam conhecê-los. E não só quem era de Ilhéus. Tinha gente que viajava seis a oito horas de estrada para poder ir a Ilhéus durante o evento e conhecer essa cinematografia. E aí, nós, como realizadores, começamos a ter mais contato com esses cineastas de diversas gerações. Uma geração que estava vindo, nova, irreverente. As gerações mais antigas e o que eles já traziam de história do cinema novo, do movimento Super8. Então, acabamos entrando, mesmo, na história do cinema baiano e ficando muito surpresos com essa qualidade e a quantidade de filmes produzidos.

Henrique, perguntei ao Edson lá no começo sobre os desafios da construção do festival após esse hiato de cinco anos. Qual foi o impacto para você desse período?
Henrique Filho – Ficamos muito sentidos durante esse período em que não tivemos o festival. Por várias questões e principalmente o contexto político do que foram esses últimos cinco anos, desde o golpe. Sabemos que essas políticas públicas vieram pelo governo do PT e que fizeram que nós, do interior, conseguíssemos ser contemplados em editais e fazer trabalhos profissionais como esse próprio festival. E o FECIBA é fruto dessa política pública. Então, começamos a ficar muito tristes com todo o contexto. Com os desmontes que estamos vivendo de lá para cá. Estamos perdendo muita coisa. Tivemos desmonte da Ancine. Depois tiveram problemas com editais, com inscrições. Desmotivação, mesmo, sabe? Enquanto realizadores. E aí eu acho que quando a gente começa a retomar, já falando um pouco da nossa trajetória, quando retomamos a nossa produção audiovisual de uma forma mais independente, com “Cinema de Amor”, um filme que fizemos como um “selfmentary”, um longa metragem retratando a nossa própria rotina enquanto cineastas, enquanto um casal gay, do interior e que mora em Salvador, e que vive de arte. Acho que isso trouxe uma renovação de energia na gente, sabe? De motivação, mesmo. E com esse contexto da pandemia e a possibilidade dos eventos online, acabou que seria uma oportunidade muito boa para o FECIBA de fazer uma retomada em um formato diferente, porque já estamos em um contexto diferente. Acho que o desejo da gente para o futuro vai muito na perspectiva de voltar à essência do festival. As mostras que a gente executava antes e que não conseguimos realizar agora, e que é muito a cerne, a cara do FECIBA. E principalmente o fato de ser (anteriormente) um evento presencial. Ter se tornado um ponto de encontro de cineastas e realizadores para trocar ideias, fazer contatos, network, para ter contato com o público. Isso é um desejo que se potencializa agora, na gente, nesse momento. Não temos muito como prever politicamente os próximos acontecimentos, por que estamos vivendo uma novela louquíssima, com vários acontecimentos que estão mudando os rumos. Não sabemos o que vai acontecer ainda em relação à pandemia, à vacina, aos eventos presenciais, e como ficará a história do FECIBA com isso daí. Mas essa edição, visualizando esses 50 filmes que estão representando esses últimos cinco anos sem o FECIBA, já traz na gente todo o desejo de voltar a fazer o evento presencialmente. E de voltar a ser calendário de Ilhéus. O que era muito interessante do FECIBA é que ele acontecia anualmente e em uma data muito semelhante, sempre. Construíamos, mesmo, um calendário, no qual as pessoas se organizavam para participar do evento. E acho que o nosso desejo do retorno do FECIBA é esse. E o ideal é que sejam nessas condições. Por isso, talvez precisemos esperar mais algum tempo até as coisas se normalizarem para que ele volte a ter a mesma potência que tinha antes. E em relação à produção audiovisual, nossa, a gente já consegue ver. A quantidade de inscritos que tivemos esse ano foi muito boa. Estamos tendo muita produção nesse período de pandemia. Produções independentes, produções que estão refletindo esse período histórico que estamos vivendo. Muitas coisas que estão sendo feitas agora, e que ainda vão precisar desse espaço para serem exibidos, distribuídos, debatidos futuramente. Quando chegarmos em uma retomada do evento presencial, teremos bastante conteúdo para exibir. Porque, é isso. O cinema baiano, por mais que tenham todos esses problemas, não está parado. Continuamos em movimento. Talvez de outra forma comparada com antes, mas continuamos produzindo bastante.

Vocês salientaram o fato de serem realizadores oriundos do interior da Bahia e, de fato, acompanhando a carreira de vocês desde 2011, sempre achei bonita essa relação da sua filmografia com a cidade de Ipiaú, onde nasceram.
Edson Bastos – Sim, Ipiaú é referência nos trabalhos da gente desde os primeiros trabalhos. Temos uma relação muito intensa com a cidade. Onde a gente viveu, onde temos as nossas memórias fincadas. É onde as nossas famílias moram, ainda, também. Estamos em constante contato. E é uma cidade que nos dá tudo, de certa forma. Às vezes ficamos muito agoniados por ser pequena e, às vezes, acharmos que tem um pensamento tacanho. Mas é uma cidade que nos dá muitas ideias e possibilidades. Tanto que praticamente 99% da nossa obra fala sobre a nossa cidade. E a gente sempre faz com muito amor justamente porque sabemos do que estamos falando. Nós nos aprofundamos no que estamos falando. É uma forma de levar Ipiaú até as pessoas, e a nossa cidade ficar conhecida. Porque é uma cidade única, exclusiva, com coisas e histórias e monumentos que são únicos, inclusive. Temos alguns trabalhos por agora na Lei Aldir Blanc, inclusive um curta chamado “Ícone”, sobre um prédio de nove andares, o único prédio da cidade de Ipiaú com nove andares, e que está parado há quase 40 anos. Foi construído em 1979, e em 1981 foi paralisado. Até hoje, está lá só a estrutura. E isso nos instigou a fazer esse curta que vamos lançar agora pela Lei Aldir Blanc. E é isso. Nas nossas histórias, acabamos trazendo a nossa cidade, as nossas vivências, as nossas memórias, os nossos familiares como referência para ir construindo as histórias que queremos contar. Para dar visibilidade a Ipiaú, também, e aos artistas da nossa cidade. Fico muito feliz quando a gente consegue criar uma obra sobre a nossa cidade e perceber, ainda, que não se esgota a quantidade de assuntos, conteúdos e histórias que podemos criar nela. É o nosso mini Projac.

Hnrique Filho – Na forma como vejo, existe uma relação muito grande de amor e ódio por Ipiaú. Temos essa relação da nostalgia muito grande, da memória afetiva, pela infância, por tudo isso que Edson falou sobre os lugares da cidade, das pessoas, dos familiares. Mas também temos muita frustração na cidade. Isso fez até com que a gente resolvesse vir morar em Salvador. E mesmo continuando todo nosso discurso para o interior e produzindo filmes que se passem em Ipiaú, e mesmo que a gente vá para lá filmar, existe uma frustração muito grande do descaso para a parte da Cultura de Ipiaú. Você imagine essas cidade de 50 mil habitantes que já teve um espaço cultural como o Cine Eden, que era um Cine Teatro onde aconteceu, por exemplo, apresentação de Raul Seixas. Em uma época que nem éramos nascidos ou tínhamos acabado de nascer. E a gente se depara com uma cidade que não tem sequer um equipamento cultural, um espaço de exibição. A gente produz um filme em Ipiaú e não temos onde exibir. Sempre temos que procurar algum tipo de gambiarra ou alguma forma de fazer independente para viabilizar. Falta muita sensibilidade das pessoas. Inclusive, estávamos gravando (o curta) “Ícone”, entrevistando uma pessoa, e ela nos perguntou como ganhamos dinheiro. E aí falamos que era com nosso trabalho. E ele estava tendo um pouco de dificuldade de entender que o que nós estávamos fazendo ali, gravando um depoimento com ele, não era uma brincadeira. Era um trabalho. Então, tem, sim, essa mentalidade. Ainda mais para nós que somos dois jovens gays, e que somos casados. Existe um pensamento muito retrogrado em Ipiaú e que isso, também, nos afasta de lá de alguma forma. E acho que daí que vem nesse pacote essa relação de amor e ódio. Temos um amor por toda essa memória, mesmo, e essas frustrações todas em relação a Ipiaú. E aí começamos a construir essas histórias para além da memória afetiva, mas, porque, querendo ou não, acabamos trazendo histórias que são universais. Só que elas se passam em Ipiaú. Elas precisam se passar em algum lugar.

E tem, também, o fato de que Salvador concentra muitas das histórias contadas pelo cinema baiano. Descentralizar isso é importante.
Henrique Filho – Sim. Quantas histórias se passam em Salvador? Quantos filmes que já se passaram em Salvador? E quantos filmes se passaram em Ipiaú? Se colocarmos na balança, vemos que isso segue por uma linha muito mais original de produção se pegarmos a nossa própria cultura. Cada cidade tem sua cultura, mesmo pertencente a um só estado. Mesmo sendo da mesma Bahia, não é a mesma de Salvador, não é a mesma de “Ó Paí Ó”, não é a mesma do Centro Histórico, do sotaque, das comidas. Tem sempre uma diferença muito grande na rotina em si das pessoas. E para nós é tudo muito interessante. É tudo muito cinematográfico, também. Então, quando fazemos um filme que se passa em Ipiaú, não é necessariamente de uma forma panfletária de querer apenas levar Ipiaú para o mundo, de querer divulgar Ipiaú. Não é no intuito apenas da divulgação da cidade. Mas é para entender de que forma podemos valorizar a nossa própria cultura. Porque, afinal de contas, somos de lá. Falamos, também, como as pessoas de lá. Entendemos o linguajar e o comportamento. E como podemos nos colocar nestes projetos. No momento em que nos colocamos nos projetos, também estamos colocando Ipiaú porque lá é o nosso lugar. É o nosso terreno, ali, digamos. Todos esses filmes que se passam em Ipiaú, da nossa produção, são filmes universais e que circulam, também, pelo mundo. Temos alguns exemplos de alguns filmes que tiveram uma excelente distribuição, como o próprio “O Filme de Carlinhos”, que passou no Short Film Corner, do festival de Cannes, e que teve uma repercussão e premiação internacional, também. Exibição em vários festivais grandes fora do país. Por mais que essa história de Carlinhos se passe em Ipiaú, é uma história universal. É uma história que uma criança, ou um jovem ou adulto de qualquer outro lugar do país, consegue entender esse desejo e pode se reconhecer ali, de falar; “poxa, eu também tive esse desejo e corri atrás”. As diferenças são as ruas, é a cara do povo. É a forma como o povo fala, e que, para a gente, isso é muito original, criativo e interessante, mesmo. Ao invés da gente centralizar em lugares que já têm essa exploração de imagem muito maior como é o caso de Salvador…

Edson Bastos – Para você ter uma noção, João, Lula Martins, que fez “Meteorango Kid”, ele foi um dos primeiros projecionistas do Cine Eden. Então, tem essa relação aí, também. De vários cineastas, várias pessoas que já foram e conhecem Ipiaú. Gláuber ia direto a Ipiaú. Acho que ele tinha parente lá.

Henrique Filho – E eu acho que não é nem só a questão de ser a cidade da gente, mas tem um fator que é Ipiaú ter casos muito curiosos. E que, pela região, são sempre muito comentados. Em vários lugares do país, tem gente que comenta sobre coisas que são muito inusitadas em Ipiaú, sabe? São histórias de personagens muito inusitados. Eu acho que isso se torna um prato cheio para a dramaturgia de uma cidade que, ao mesmo tempo, é muito parada, mas tem umas histórias e acontecem algumas coisas que são muito surreais, estranhas e espontâneas. E que acabamos por agregar ao nosso trabalho.

Edson Bastos – Estão em alguns dos filmes da gente, como “Veras”, como a própria “Joelma”, que é uma das primeiras transsexuais transgênero da Bahia e do Brasil. Ela, hoje, está com 75 anos. Veras, que foi um bon vivant da cultura cacaueira, também é citado no filme “Dzi Croquetes”.  O próprio Euclides Neto, inclusive, que é uma grande referência para a gente. Um escritor de Ipiaú com 14 obras lançadas. (N.E. Euclides Neto foi tema do filme “Dr. Ocride”, produção de 2018).

Henrique Filho – Um homem revolucionário.

Edson Bastos – E que, também, traz essa estética de falar sobre o interior, falar sobre Ipiaú e sobre aquilo que ele conhece também. Ele é uma grande referência para a gente, também. Além do jornalista José América Castro, que sempre aborda as memórias de Ipiaú através de personagens. Outro exemplo, também, de curta em que abordamos Ipiaú é o “Ícone”, que estamos filmando agora sobre o prédio. Então, tem coisas bem inusitadas na cidade, bem únicas, e que, ao mesmo tempo, conseguimos transformar em universais.

Henrique, você citou “Cinema de Amor”, e eu queria perguntar a vocês dois acerca da coragem do filme, da construção de uma obra que desnuda a intimidade de vocês dois e é feita em um momento no qual acontece exatamente o que você citou em relação ao desmonte da Cultura, no primeiro ano desse atual desgoverno. Como foi a construção do filme para vocês?
Henrique Filho – Ed começou a trajetória dele como realizador mais relacionado com essa questão de Ipiaú em si no cinema. Eu, no meu primeiro curta, não necessariamente trouxe Ipiaú ali no filme. Depois é que fui cada vez mais embarcando nessa, também, e entendendo tudo que a gente expôs para você na resposta anterior. “Cinema de Amor” chega nesse momento. Justamente nesse contexto político muito duro, muito difícil para nós, que foi logo o primeiro semestre do governo de Bolsonaro. Estávamos vivendo, até então, uma crescente muito estimulante para as escolhas que fizemos na nossa profissão. De conseguir ser contemplados em editais, de produzir um curta anual falando sobre nossa cidade. Produzindo o Festival de Cinema Baiano, vários projetos muito relevantes e interessantes que a gente estava empolgado, gostando mesmo de produzir. E aí chegou esse momento do governo de Bolsonaro, já desde um pouco antes, já se reverberando pelo Golpe, mas entre 2018 e 2019, tivemos uma baixa absurda de produção. Naquela crescente, nós já estávamos até estabelecendo aqui no nosso ambiente uma base de produção para ocupar e continuar trabalhando. E essa base de produção estava se mantendo ativa durante esses projetos. Era uma crescente muito bonita. E isso vem com uma frustração muito grande. Porque, primeiro, estávamos acostumados com esse crescimento. E, então, recebemos uma baixa e ficamos meio sem saber como lidar com isso. E com muitas dúvidas. Se deveríamos abandonar a profissão, seguir por outra área. A frustração de não estar conseguindo pagar as contas, de não estar tendo essa dignidade que a gente estava buscando, que a gente tinha conquistando antes. E ter tantos direitos diminuídos e com toda a sensação de preocupação com a nossa própria segurança, por sermos LGBTs dentro de um governo com um discurso completamente homofóbico, violento, genocida. Então, realmente, ficamos muito mal durante um período. E esse período de ficar mal, nós também ficamos mais distantes da produção. A gente meio que não estava mais produzindo. O que estava nos causando, também, uma certa angústia de querer produzir alguma coisa, se manifestar de alguma forma. Então, acho que tivemos essa sagacidade de aproveitar esse momento difícil, duro, para registrarmos. Porque, na construção do cinema, um elemento que é muito importante são os conflitos. E esse foi um período de muito conflito para nós. E fizemos de uma forma extremamente despretensiosa mesmo. Inclusive, nem sabíamos se ia se tornar um filme, um curta ou um longa. Só estávamos filmando e editando. E sentindo. E aí, quando terminamos, tivemos essa noção do quanto que a gente estava se expondo. Expondo nossas maiores intimidades, e que não foram forjadas para o filme. Foram orgânicas. Intimidade como a nossa casa, como as cenas de DR, de briga. A intimidade de estar de cueca em casa. A forma como a gente estava em casa. E isso ser visto por várias pessoas, de vários tipos de olhares, sejam eles preconceituosos ou não.

Como foi discutir entre vocês dois essa exposição pessoal que “Cinema de Amor” traz?
Henrique Filho – A gente, realmente, se expôs muito. E conversamos muito sobre essa exposição. Só que essa exposição, para a gente, acabou não vindo de uma forma negativa. Nós nos sentimos, depois, à vontade. Porque percebemos a importância desse registro enquanto um registro histórico e o que não somente nós dois, eu e Edson, estávamos vivendo, mas do que toda uma classe estava vivendo nesse período. E essa exposição vem como uma manifestação muito política. A gente já tinha um pouco de um tipo de exposição na própria rede social, no Instagram, de publicar foto de beijo. E isso já gerou diversas polêmicas familiares, entre outras pessoas, por apenas uma foto de beijo que, em um perfil heterossexual, jamais é questionado. E conosco já foi muito questionado. E ao invés de parar e deixar de publicar, eu continuei ainda publicando como uma forma política. Porque, se está mexendo de alguma forma com a pessoa, está comunicando algo. Isso dialoga muito com “Cinema de Amor”, da gente expor a nossa intimidade como um grito também. Um grito de desespero, de socorro, de desabafo, de frustração, e de pessoas que estavam ali perdidas em relação à profissão. E não imaginávamos o quanto isso poderia reverberar nas sessões. Houve sessões de “Cinema de Amor” no Panorama de Cinema, que tinham pessoas que saiam chorando e vinham abraçar a gente. Nós estávamos no 02 de fevereiro, antes da Pandemia, ao pisar na festa do Rio Vermelho, fomos parados por pessoas que vinham nos abraçar porque tinham nos identificado por causa de “Cinema de Amor”. E elas queriam nos dar um abraço para confortar e de falar: “Puxa, me identifiquei. Também estou vivendo a mesma coisa”. Foram muitas pessoas que se identificaram com o filme por conta dessa crueza, mesmo. Dessa realidade que tem ali. Dessa intimidade. É como se a gente, realmente, se desnudasse, tirasse qualquer tipo de máscara e de qualquer possibilidade para mostrar o quão realista estava sendo aquela situação que estávamos vivendo. Os momentos de depressão, os momentos de alegria, de tristeza. E foi muito impressionante, porque a gente estava justamente em um período sem produção audiovisual, e quando geramos esse produto, ele se torna um longa-metragem que é selecionado para festival. Um longa metragem que é premiado, que começa a construir uma trajetória de distribuição. E que começa a render para a gente diversos frutos. Porque muitas pessoas da área começaram a entender e a ver a gente de uma outra forma, o que desdobrou depois em até outros trabalhos para nós. As pessoas viram a qualidade do nosso trabalho, toda a perspectiva da direção ou na perspectiva do trabalho de edição em si. Acabamos tendo uma reverberação dos nossos nomes de uma forma muito positiva para revertermos todo esse quadro do que estávamos vivendo, de estar sem produção e estimulo. E a partir de “Cinema de Amor”, conseguimos recuperar muito da nossa dignidade, da gente conseguir pagar as nossas contas e de conseguirmos continuar na nossa profissão e trabalhar muito. Nós não imaginávamos que iriamos colher tantos frutos com o filme, como o que aconteceu. Porque, realmente, não criamos expectativas por ter sido um projeto muito despretensioso. E com ele, gerou uma reverberação muito interessante do nosso nome. Possibilidades de trabalho que surgiram a partir do filme, com exibições e com debates que surgiram.

Lembro-me das sessões que vocês começaram a organizar em sua própria casa, recebendo o público para assistir ao filme.
Edson Bastos – Sim. Fomos muito felizes por termos podido proporcionar a experiência da Sessão Privê de “Cinema de Amor”, o que, para nós, foi algo muito inovador por podermos fazer a sessão do filme dentro da casa da gente. Nós cobrávamos o ingresso, um valor simbólico, preparava um café, uma pipoca, e recebia gente entre amigos e pessoas desconhecidas. Recebíamos na nossa casa para exibir o filme aqui no nosso sofá. E isso gerava nas pessoas uma sensação muito interessante, quase que uma sensação de cinema 4D. De você estar no lugar onde o filme se passa, estar sentado no sofá onde está acontecendo uma cena e de ir visualizando detalhes da casa. Tem uma cena de “Cinema de Amor” em que estamos desfazendo a base de produção e reorganizando os prêmios aqui na prateleira. Quando esse momento do filme passava, as pessoas que estavam aqui olhavam para cima e viam que, sim, os prêmios estavam ali em cima mesmo, como estava lá no filme. E começava a trazer mais realidade para quem estava assistindo. Foi uma experiência muito legal. Quando se instaurou a pandemia, tivemos que interromper e não fizemos mais a sessão privê. E o que foi muito doido na cabeça da gente, também, foi o quanto que conseguimos fazer desse filme, “Cinema de Amor”, um ano antes da pandemia, e que, durante a pandemia, esse formato se potencializou. É como se antes da pandemia, nós tivéssemos nos acostumado com um tipo de qualidade de imagem e que, durante a pandemia, como tudo se tornou audiovisual, as videochamadas, os encontros, os projetos, tudo era dessa forma, o olhar de todo mundo acabou se acostumando muito para esse tipo de qualidade. E que é o tipo de qualidade compatível, também, com o próprio “Cinema de Amor”. E aí a gente acabou fazendo algo de uma forma até meio antecipada do que o que veio depois, durante esse período, em termos de produção. De você se retratar, de filmar a sua casa, dessa potência que tem de colocar a casa como um personagem do filme. Lógico que não criamos isso, pois já existia antes. Mas isso se potencializou durante a pandemia e conseguimos nos antecipar e fazer esse formato antes dela. E aí, durante esse período, acho que “Cinema de Amor” acabou ganhando muito mais potência. Porque o olhar das pessoas já estava melhor acostumado com esse tipo de imagem. Foi quando ele foi selecionado para o Mix Brasil, que foi uma experiência muito importante para a carreira do filme. Lógico, para além da premiação que teve no Panorama, mas o Mix Brasil é o maior festival LGBTQIA+ da América Latina. Então, para nós, isso tinha um significado muito importante pelo filme seguir, também, uma linha de discurso LGBTQIA+. Ficamos muito felizes com essa seleção. E ele começou a ser convidado para fazer várias exibições. Vai acontecer uma agora em abril, inclusive, pela Sala de Arte. Foram gerados tantos desdobramentos que eu não sei nem te dizer. A gente nem imaginava nada disso, enquanto estávamos produzindo, sabe? Às vezes eu sinto que se tivéssemos feito um outro tipo de projeto, com dinheiro, ou de um outro formato que não tivesse esse contexto dele, talvez nem teria tido a mesma distribuição que teve de um projeto que foi totalmente independente, sem recursos. Isso foi muito provocador na gente de pensar: “Não, estamos aqui sem recurso, sem condição de fazer. Estamos na merda, mas agora a gente vai poder produzir com isso, também.” E foi muito bom que a gente tenha feito isso.

Henrique Filho – E se vacilar foi o momento que recebemos alguma coisa por distribuição. A gente faz vários filmes, faz contato com distribuidores, exibe em festival, e tal. E por mais que seja tudo ótimo, não levamos um centavo. Não que tenhamos recebido muito dinheiro, ou algum dinheiro significativo, mas para nós foi muito simbólico receber algum dinheiro por distribuição sem depender de ninguém. Sem depender de distribuidor nem de nada. Apenas com uma ação na rede social. Então, foi muito legal. E estava tendo uma procura muito boa. Íamos fazer, inclusive, uma sessão mais especial, que aí, ao invés de servir só café e pipoca, a gente ia servir um signo do bar do Zodíaco, né? Aquela brincadeira que tem do bar do Zodíaco no filme. Nós íamos reproduzir o bar do Zodíaco aqui em casa, e depois ia ter o drinque de cada signo da pessoa que está ali assistindo ao filme junto. Mas acabou que não deu certo.

– João Paulo Barreto é jornalista, crítico de cinema e curador do Festival Panorama Internacional Coisa de Cinema. Membro da Abraccine, colabora para o Jornal A Tarde e assina o blog Película Virtual

 

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